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Mensagem por Admin Seg Ago 31, 2015 10:54 am

Fixe bem este nome: Frances Kelsey. Morreu há dias, com 101 anos. Salvou milhares de crianças de nascerem deficientes nos Estados Unidos ao exigir provas de que um novo medicamento para tratar os enjoos das grávidas era seguro. Até então a talidomida, patenteada por alemães, fazia sucesso na Europa, Canadá, Japão e Austrália. O que não tardaria a saber-se é que o medicamento curava as mães mas prejudicava os fetos, gerando bebés sem braços ou pernas.

Nascida canadiana, Frances fez carreira nos Estados Unidos. Brilhante, acabou por ter a vida definida por acasos: 

formada em Microbiologia, candidatou-se a professora de Farmacologia em Chicago. Terá sido aceite por pensarem que se tratava de um Mr. Frances; apaixonou-se por um colega e as regras da universidade eram contra casais; mudaram-se para os Dacotas, onde o marido dava aulas e ela estudava para se tornar médica de aldeia; foi então que num congresso conheceu outro imigrante canadiano, que a desafiou para a FDA, a agência do Ministério da Saúde que aprova medicamentos. A América ganhava uma funcionária pública, o mundo uma heroína.

Conta o Financial Times, num dos obituários que a imprensa anglo-saxónica dedicou a Frances, que ao fim de apenas um mês na FDA, em 1960, chegou o tal dossiê. A Merrel pedia autorização para vender a talidomida da Grünenthal. 

Era suposto ser mera formalidade, calculava a farmacêutica, e os chefes de Frances concordavam. Ela não. Fez o trabalho que se exige a um regulador e pediu provas de que não traria implicações secundárias para as grávidas.

Enquanto a FDA repetia exigências, na Europa associava-se por fim as malformações à talidomida. O caso mais antigo detetado foi uma menina alemã que nascera em 1956 sem orelhas. E as campainhas soaram. Nos Estados Unidos houve casos porque, prevendo a aprovação, a Merrel tinha distribuído comprimidos a médicos. Mas graças a Frances, a burocrata competente, o mal maior foi evitado. O presidente John Kennedy fez questão de a condecorar.

Passados 50 anos, a Grünenthal já apresentou desculpas. E há pedidos de indemnização pelo mundo fora. A talidomida continua um medicamento com potencial, até contra a lepra, mas é preciso mantê-lo 100% afastado das grávidas.

Nos Estados Unidos existem 22 milhões de funcionários públicos, a nível federal e estadual. Em termos percentuais, é pouco abaixo da média da OCDE, mesmo que a América tenha fama de só valorizar a iniciativa privada. Como notou o Financial Times (sim, o FT), "durante um tempo, nos anos 1960, Frances Kelsey lembrou os americanos de que a mão do governo nem sempre é sufocante". Que o exemplo desta mulher, que só se reformou aos 90 anos, relembre disso o mundo hoje.

por LEONÍDIO PAULO FERREIRA  
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