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Um tempo
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Um tempo
A última vez que ouvi a palavra "corno", estava em Lisboa. Foi esta Primavera. Duas mulheres tomavam café numa pastelaria da Baixa, esborratando os bordos das chávenas com os seus bâtons carmesim - carmesim, não, cor de vinho com brilhantes -, e a certa altura uma delas encarou a outra:
- Quer dizer, e o marido nunca notou? Grande corno!
Foi como se, de repente, todo o som à volta recolhesse, sugado por um aspirador gigante. Há muito tempo que eu não ouvia aquela palavra.
Fixei as duas mulheres: continuavam a entreolhar-se, maliciosas. Girei a cabeça ao redor da sala: convivas e colegas de trabalho continuavam as suas rotinas, ciosos da hora de almoço a que tinham direito, mastigando com sorrisos demasiado afetados para tão modesto estabelecimento.
E, porém, aquela palavra continuava a ribombar-me no cérebro. Corno. Cornudo. Cabrão. A crueldade daquela palavra. A infinita imaturidade emocional. O bâton cor de vinho com brilhantes esborratando a xícara. A ignorância.
O machismo.
Talvez não fosse surpreendente, afinal, que tivessem sido duas mulheres a trocá-la. Machismo e feminismo são distintos no objeto, mas indiferentes no sujeito. Ademais, qualquer um de nós pode continuar a ter 12 anos e a viver em 1979, assim não tenha paciência para mais e consiga continuar a pagar os seus impostos.
Perguntei-me quantas vezes eu próprio direi tolices a propósito de assuntos sobre os quais não me detive tempo suficiente. Perguntei-me quantos assuntos ainda poderão restar sobre os quais não me detive tempo suficiente para poder deixar de dizer tolices a propósito deles.
Ainda hoje anda comigo, aquela palavra. "Corno." Não me lembro de a ter ouvido uma só vez em três anos nesta ilha recôndita e rural.
por JOEL NETO
Diário de Notícias
- Quer dizer, e o marido nunca notou? Grande corno!
Foi como se, de repente, todo o som à volta recolhesse, sugado por um aspirador gigante. Há muito tempo que eu não ouvia aquela palavra.
Fixei as duas mulheres: continuavam a entreolhar-se, maliciosas. Girei a cabeça ao redor da sala: convivas e colegas de trabalho continuavam as suas rotinas, ciosos da hora de almoço a que tinham direito, mastigando com sorrisos demasiado afetados para tão modesto estabelecimento.
E, porém, aquela palavra continuava a ribombar-me no cérebro. Corno. Cornudo. Cabrão. A crueldade daquela palavra. A infinita imaturidade emocional. O bâton cor de vinho com brilhantes esborratando a xícara. A ignorância.
O machismo.
Talvez não fosse surpreendente, afinal, que tivessem sido duas mulheres a trocá-la. Machismo e feminismo são distintos no objeto, mas indiferentes no sujeito. Ademais, qualquer um de nós pode continuar a ter 12 anos e a viver em 1979, assim não tenha paciência para mais e consiga continuar a pagar os seus impostos.
Perguntei-me quantas vezes eu próprio direi tolices a propósito de assuntos sobre os quais não me detive tempo suficiente. Perguntei-me quantos assuntos ainda poderão restar sobre os quais não me detive tempo suficiente para poder deixar de dizer tolices a propósito deles.
Ainda hoje anda comigo, aquela palavra. "Corno." Não me lembro de a ter ouvido uma só vez em três anos nesta ilha recôndita e rural.
por JOEL NETO
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