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Aquela situação
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Aquela situação
O episódio do espancamento de vários homens na Festa do Avante! foi a desculpa que precisava para ler a melhor peça de jornalismo que conheço. Já lá vamos. O que se passou? O Partido Comunista emitiu um comunicado em que, no meio de insultos ao Expresso, explica que o "incidente" não tem nada a ver com beijos e teve origem naquela situação, um "acto de sexo oral em pleno espaço público". Ah, pronto já podiam ter dito, bhlec, canojo... Ainda se fosse sexo oral em pleno. Ou sexo oral no espaço. Ou até sexo oral em pleno público. Ou em pelo[espaço]púbico.
Agora em "pleno espaço público" é que não - mais respeitinho pelo espaço público por favor.
Mas é crime fazer aquela situação no espaço público? Telefonei a uma série de amigos meus especialistas em direito penal (repito, em direito penal) a perguntar e, depois de um estranho silêncio inicial, explicaram-me que... depende.
Basicamente, o direito penal pretende defender as pessoas de atentados à sua sexualidade blá-blá-blá. Ou seja, é crime o número do senhor da gabardina e é crime o roça-roça no 758 à hora de ponta (oops). É até um crime com um nome muito bonito - "Importunação sexual" -, e reza o artigo 170.º que (spoiler alert: seguem-se cinquenta e três palavras de legalês com bolinha) "quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal".
OK, mas fazer aquela situação em público, é ou não exibicionista? Depende, voltaram a dizer os meus amigos.
Basicamente, se vai uma pessoa a sair do metro das Picoas às nove e quinze, para entrar às nove e meia, que eles agora andam em cima das horas, sobe a escada cheia de gente, chega lá acima e dá de frente com dois marmanjos, um encostado ao quiosque, ali ao pé da esplanada da Telex, e o outro de joelhos sem parecer estar a rezar laudes, e, vendo mais ao perto, está mesmo a fazer aquela situação, podemos estar a falar de crime. Ninguém tem de ver aquela situação - e ninguém pode dizer ah, peço desculpa, cocetêza, não tínhamos reparado que passava aqui muita gente a esta hora, sim senhora, vamos já terminar, tem toda a razão, é só um instante.
Já é diferente, numa festa de milhares de pessoas e jovens, que são uma espécie própria de pessoas quanto aquela situação, ambiente descontraído, música, jambés, revolução ou morte, e pela escondida da noite, uns jovens decidem entreter-se uns com os outros a fazer aquela situação. Já não há, entre nós, o crime de ultraje público ao pudor. E portanto tudo bem, mesmo que sejam descobertos. Ah, e pequeno pormenor, mesmo que aquela situação fosse crime, nada justificaria o alegado linchamento.
Mas no Avante!, pelo sim pelo não, aquela situação, é melhor não. E na Rússia de Putin? Há uns anos uns jovens artistas decidiram fazer amor num museu (penso que eram de sexos diferentes e que era o amor mais tradicional).
Ora o Pravda tem um artigo, adequadamente intitulado "Sexo em público na Rússia é proibido?", onde nos conta que "os estudantes violaram a regra da moralidade humana universal. O que mais eles violaram? Por mais incrível que possa parecer, mas é verdade. As leis russas não têm uma cláusula para proibir o sexo em público". (Pravda.ru, 1.4.2008).
Dizem que há homofobia no comunismo. Não sei, sei é que a imagem do bruderkuss (que é linguado socialista em alemão) do Brejnev ao Honecker (ou vice-versa) não me sai da cabeça. Mas, lá está, era um beijo, não era bem aquela situação. É que aquela situação é uma coisa mais americana do que soviética. E aqui estamos perante o cerne da questão: não ter sido um beijo e ter sido aquela situação é um hino ao Tio Sam, e o nosso PCP não gosta de americanices. Como é que eu sei que do outro lado do Atlântico se faz muito aquela situação? Porque li há muitos anos, e voltei agora a ler, o "As American as Apple Pie", do Christopher Hitchens, sim o próprio, numa Vanity Fair de 2006, que é talvez das melhores situações que já li - e recomendo. Não podemos deixar o Clinton fora desta situação.
*Jurista
por JOÃO TABORDA DA GAMA
Diário de Notícias
Agora em "pleno espaço público" é que não - mais respeitinho pelo espaço público por favor.
Mas é crime fazer aquela situação no espaço público? Telefonei a uma série de amigos meus especialistas em direito penal (repito, em direito penal) a perguntar e, depois de um estranho silêncio inicial, explicaram-me que... depende.
Basicamente, o direito penal pretende defender as pessoas de atentados à sua sexualidade blá-blá-blá. Ou seja, é crime o número do senhor da gabardina e é crime o roça-roça no 758 à hora de ponta (oops). É até um crime com um nome muito bonito - "Importunação sexual" -, e reza o artigo 170.º que (spoiler alert: seguem-se cinquenta e três palavras de legalês com bolinha) "quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal".
OK, mas fazer aquela situação em público, é ou não exibicionista? Depende, voltaram a dizer os meus amigos.
Basicamente, se vai uma pessoa a sair do metro das Picoas às nove e quinze, para entrar às nove e meia, que eles agora andam em cima das horas, sobe a escada cheia de gente, chega lá acima e dá de frente com dois marmanjos, um encostado ao quiosque, ali ao pé da esplanada da Telex, e o outro de joelhos sem parecer estar a rezar laudes, e, vendo mais ao perto, está mesmo a fazer aquela situação, podemos estar a falar de crime. Ninguém tem de ver aquela situação - e ninguém pode dizer ah, peço desculpa, cocetêza, não tínhamos reparado que passava aqui muita gente a esta hora, sim senhora, vamos já terminar, tem toda a razão, é só um instante.
Já é diferente, numa festa de milhares de pessoas e jovens, que são uma espécie própria de pessoas quanto aquela situação, ambiente descontraído, música, jambés, revolução ou morte, e pela escondida da noite, uns jovens decidem entreter-se uns com os outros a fazer aquela situação. Já não há, entre nós, o crime de ultraje público ao pudor. E portanto tudo bem, mesmo que sejam descobertos. Ah, e pequeno pormenor, mesmo que aquela situação fosse crime, nada justificaria o alegado linchamento.
Mas no Avante!, pelo sim pelo não, aquela situação, é melhor não. E na Rússia de Putin? Há uns anos uns jovens artistas decidiram fazer amor num museu (penso que eram de sexos diferentes e que era o amor mais tradicional).
Ora o Pravda tem um artigo, adequadamente intitulado "Sexo em público na Rússia é proibido?", onde nos conta que "os estudantes violaram a regra da moralidade humana universal. O que mais eles violaram? Por mais incrível que possa parecer, mas é verdade. As leis russas não têm uma cláusula para proibir o sexo em público". (Pravda.ru, 1.4.2008).
Dizem que há homofobia no comunismo. Não sei, sei é que a imagem do bruderkuss (que é linguado socialista em alemão) do Brejnev ao Honecker (ou vice-versa) não me sai da cabeça. Mas, lá está, era um beijo, não era bem aquela situação. É que aquela situação é uma coisa mais americana do que soviética. E aqui estamos perante o cerne da questão: não ter sido um beijo e ter sido aquela situação é um hino ao Tio Sam, e o nosso PCP não gosta de americanices. Como é que eu sei que do outro lado do Atlântico se faz muito aquela situação? Porque li há muitos anos, e voltei agora a ler, o "As American as Apple Pie", do Christopher Hitchens, sim o próprio, numa Vanity Fair de 2006, que é talvez das melhores situações que já li - e recomendo. Não podemos deixar o Clinton fora desta situação.
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