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Portugal pede mais
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Portugal pede mais
Toda a gente se lembra - ou ninguém? - de quando o banqueiro Fernando Ulrich, em 2012, comparou os portugueses a sem--abrigo: se os sem-abrigo aguentavam e não morriam, também nós aguentaríamos mais e mais austeridade.
D"après Passos que, meses antes, chamara piegas a quem se insurgia contra a dureza das suas medidas.
Ulrich tinha razão. Se ainda estamos vivos, não morremos. Deve querer dizer que aguentámos, ou seja, que afinal não foi assim tão mau, portanto que estávamos mesmo armados em piegas. Vai mais uma dose, pois - é isso que as sondagens dizem. Partindo, claro, do princípio de que estão certas. E que a maioria de nós sabe perfeitamente - as pessoas não são parvas - o que quer dizer a milagrosa conversão de Passos em arrependido mãos-largas que quer "dar tudo a toda a gente"; um Passos tão outro que, tendo em 2011, na biografia Um homem Invulgar, garantido ter-lhe o livro Porque não Sou Cristão, do ateu Bertrand Russel, "declinado bastante a relação com o transcendente", saca à boca das urnas crucifixos do bolso para a TV.
Como o seu padrinho político e empresarial Ângelo Correia, na SIC--N, reagindo em prodígio de sarcasmo à revelação - "Ele usou o crucifixo hoje? Bom sinal. Nunca é tarde para alguém se converter. É uma coisa que aguardo há tempo para mim mas ainda não consegui. Não consegui aproveitar a campanha eleitoral para isso" - ninguém acredita neste Passos bonzinho, piedoso, que repete as tretas da campanha de há quatro anos sobre nunca jamais em tempo algum cortar pensões ou aumentar impostos porque "já chega".
Não, não nos chega. Queremos mais do verdadeiro Passos. Queremos "reduzir ainda mais os custos do trabalho", coisa que ele lamentou não ter feito suficientemente no primeiro mandato, ou seja, queremos, a maioria de nós que vive de um salário, ganhar menos (ainda) e custar menos (ainda) a despedir. Queremos menos apoios sociais para os pobres e todos entregues às caridades; pagar mais pela saúde; ter educação pública de pior qualidade enquanto desviamos os recursos para a privada; queremos cortes à séria nas pensões (maldito Tribunal Constitucional que travou os definitivos em 2014, há de ceder por fim); queremos menos dinheiro para a ciência; queremos vender ou concessionar a privados tudo o que é do Estado, com prejuízo ou o que for, porque a gestão privada, como está mais que demonstrado, do Lehman Brothers ao BPN e do BES à Volkswagen, é que garante bondade e eficiência. E queremos mais e mais emigração - aliás, por que raio proibiu o governo a divulgação dos números de 2014 antes das eleições? Será que acham que os prejudica nas urnas?
Não. Não deviam ter medo de assumir a obra e ao que vêm, esconder a cara nos cartazes e a sigla PSD-CDS na PAF.
Não sejam piegas, que nós não somos. A crer nas sondagens, queremos tudo e mais alguma coisa que Passos queira (como não tem programa eleitoral, vai-nos fazer a surpresa). Portugal pode - aguentar e pedir - mais.
por FERNANDA CÂNCIO
Diário de Notícias
D"après Passos que, meses antes, chamara piegas a quem se insurgia contra a dureza das suas medidas.
Ulrich tinha razão. Se ainda estamos vivos, não morremos. Deve querer dizer que aguentámos, ou seja, que afinal não foi assim tão mau, portanto que estávamos mesmo armados em piegas. Vai mais uma dose, pois - é isso que as sondagens dizem. Partindo, claro, do princípio de que estão certas. E que a maioria de nós sabe perfeitamente - as pessoas não são parvas - o que quer dizer a milagrosa conversão de Passos em arrependido mãos-largas que quer "dar tudo a toda a gente"; um Passos tão outro que, tendo em 2011, na biografia Um homem Invulgar, garantido ter-lhe o livro Porque não Sou Cristão, do ateu Bertrand Russel, "declinado bastante a relação com o transcendente", saca à boca das urnas crucifixos do bolso para a TV.
Como o seu padrinho político e empresarial Ângelo Correia, na SIC--N, reagindo em prodígio de sarcasmo à revelação - "Ele usou o crucifixo hoje? Bom sinal. Nunca é tarde para alguém se converter. É uma coisa que aguardo há tempo para mim mas ainda não consegui. Não consegui aproveitar a campanha eleitoral para isso" - ninguém acredita neste Passos bonzinho, piedoso, que repete as tretas da campanha de há quatro anos sobre nunca jamais em tempo algum cortar pensões ou aumentar impostos porque "já chega".
Não, não nos chega. Queremos mais do verdadeiro Passos. Queremos "reduzir ainda mais os custos do trabalho", coisa que ele lamentou não ter feito suficientemente no primeiro mandato, ou seja, queremos, a maioria de nós que vive de um salário, ganhar menos (ainda) e custar menos (ainda) a despedir. Queremos menos apoios sociais para os pobres e todos entregues às caridades; pagar mais pela saúde; ter educação pública de pior qualidade enquanto desviamos os recursos para a privada; queremos cortes à séria nas pensões (maldito Tribunal Constitucional que travou os definitivos em 2014, há de ceder por fim); queremos menos dinheiro para a ciência; queremos vender ou concessionar a privados tudo o que é do Estado, com prejuízo ou o que for, porque a gestão privada, como está mais que demonstrado, do Lehman Brothers ao BPN e do BES à Volkswagen, é que garante bondade e eficiência. E queremos mais e mais emigração - aliás, por que raio proibiu o governo a divulgação dos números de 2014 antes das eleições? Será que acham que os prejudica nas urnas?
Não. Não deviam ter medo de assumir a obra e ao que vêm, esconder a cara nos cartazes e a sigla PSD-CDS na PAF.
Não sejam piegas, que nós não somos. A crer nas sondagens, queremos tudo e mais alguma coisa que Passos queira (como não tem programa eleitoral, vai-nos fazer a surpresa). Portugal pode - aguentar e pedir - mais.
por FERNANDA CÂNCIO
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