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O senso comum tem lugar em Portugal?

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Mensagem por Admin Sex Out 30, 2015 10:48 am

Ontem estive a almoçar com um grande amigo português num grande restaurante espanhol. Tínhamos de afogar as mágoas pelo destino incerto que espera os dois países no seu melhor momento dos últimos quatro anos. A razão é que uma confabulação insana pode deitar tudo a perder. Os dry martini do aperitivo estavam ótimos. As ostras fabulosas, as freirinhas-reais de estalo, o tártaro de atum com guacamole memorável e a lebre à la royale divina. 

Sou exaustivo nos detalhes porque há quem não tenha os complexos de esquerda que decretaram que o que é moral é ser pobre e frugal, mas que logo de seguida demonstram um desejo de poder e de ostentação obsceno. É o caso do secretário-geral socialista, António Costa, que quer ser primeiro-ministro de Portugal a qualquer preço. Costa ganhou as primárias do seu partido ao seu camarada António José Seguro como a melhor opção para derrotar os conservadores, que arrastavam o peso da intervenção da troika, do ajustamento e dos cortes. Mas perdeu as eleições. Se tivesse tido um pouco de senso comum ter-se-ia demitido no dia seguinte. Não o fez. Poucos minutos depois de declarar que não poria obstáculos a que governasse o partido que os portugueses tinham decidido por maioria que o fizesse embarcou numa negociação antinatural com o resto da esquerda antissistema e marxista. Há muitas décadas que Mário Soares declarou guerra ao Partido Comunista para deixar claro que os socialistas lusos eram europeístas, pertenciam ao bloco ocidental e abraçavam a economia de mercado. Esta é a história que Costa está disposto a destruir pelo simples afã de ser primeiro--ministro.

O pretexto é que poderá alcançar com relativa facilidade o que conseguiu na Câmara de Lisboa: amansar as feras. As feras são os restantes partidos de esquerda que tornaram possível que fosse presidente da capital. Mas não é a mesma coisa ser presidente da principal cidade do país e primeiro-ministro de um governo vigiado apertadamente pelos mercados e pela União Europeia, cativo de uma série de compromissos cruciais se quiser continuar a ter futuro no mundo. Foi há muito pouco tempo que Portugal se viu livre da troika. Os resultados dos anos de ajustamento estão à vista: está a gerar emprego sem inflação e está a diminuir o défice. Mas os desafios que tem pela frente são enormes. O desequilíbrio orçamental continua a ser elevado e o endividamento é muito alto. Resta um imenso caminho pela frente, semelhante ao que acontece em Espanha. Mas a coligação arquitetada por Costa com o Bloco de Esquerda e os comunistas decretou que os tempos de austeridade passaram à história. Mais ainda, numa exibição de estupidez memorável, muito própria da utopia marxista, a nova coligação aspira a que um país pequeno como Portugal lidere o combate contra as políticas de austeridade europeias. Não é ridículo?

É impossível que o acordo subscrito por Costa, pelos comunistas e pelos antissistema possa produzir efeitos benéficos. As privatizações, algumas tão importantes com as da companhia aérea TAP, estão em dúvida. Também as concessões de serviços públicos a empresas privadas. Os eventuais membros de um governo desta natureza prometeram que restituirão os salários dos funcionários públicos ao nível que tinham antes do ajustamento, que voltarão a revalorizar as pensões e comprometeram-se também a aumentar o salário mínimo. Todas estas decisões, a serem postas em marcha, farão disparar a despesa e o défice públicos, gerarão insegurança jurídica dissipando a confiança dos investidores estrangeiros e voltarão a elevar o prémio de risco complicando o financiamento da economia. Depois de quatro anos de ajustamento após os quais Portugal passou de uma situação de falência técnica a uma economia estabilizada, um programa político com estas características seria como voltar ao ponto de partida. Todos os esforços realizados pelos cidadãos, ao que parece de boa vontade na esperança de encontrarem no fim um país melhor - como se demonstra pelo facto de Passo Coelho ter ganhado as eleições - seriam atirados borda fora. A minha opinião é que seria um desperdício enorme de toda a energia consumida em superar a crise e que geraria uma grande frustração. Só há um caminho sensato para Portugal e para Espanha: perseverar na mesma política económica. O resto são cantos de sereia. Experiências muito arriscadas.

Em 1996, e depois de 14 anos de governo, Felipe González perdeu as eleições em Espanha frente a José María Aznar, então líder do PP. Mas foi "uma derrota doce", como costumo dizer. A diferença entre um partido e outro não era substancial. González poderia ter continuado a governar se tivesse pactuado com os comunistas e outros partidos nacionalistas. Mas decidiu retirar-se. Estava há muito tempo no poder e optou, bem, por que fosse o partido que tinha tido mais votos a enfrentar a responsabilidade de formar governo. Em Portugal, a direita leva apenas quatro anos à frente do país. Realizou uma tarefa colossal para levar o país por diante em condições muito difíceis. Seria um erro retirar-lhe uma segunda oportunidade. Foi isso o que decidiu o presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, ao encarregar Passos Coelho de formar governo e é isso que dita o senso comum. Ainda não sabemos o que trará o futuro, pois a aliança das esquerdas tem os votos suficientes para fazer cair os planos do Presidente, mas podemos adivinhar o que acontecerá neste caso: o país avançará para um terreno perigoso marcado pela incerteza e pela instabilidade e este é o pior dos cenários possíveis.

Como se porão de acordo três partidos de esquerda até agora irreconciliáveis e unidos apenas conjunturalmente pelo afã de expulsar a direita do poder, convocados pela ambição de Costa de ser primeiro-ministro? Como será o seu programa de governo elaborado por políticos como Costa, que subscreve o europeísmo de Portugal, pelo Bloco de Esquerda, que se assemelha ao Syriza anterior à queda de Varoufakis e por um Partido Comunista que ainda pensa que a revolução é possível? Parecem-me demasiadas incógnitas para um país que sofreu tanto e que necessita de soluções que consolidem a estabilidade e desanuviem o futuro. Espero que Passos Coelho tenha sorte.

30 DE OUTUBRO DE 2015
00:04
Miguel Angel Belloso
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