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Revisitar o declínio do Ocidente
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Revisitar o declínio do Ocidente
O massacre terrorista de Paris trouxe, uma vez mais, relevo às nuvens negras que se foram juntando durante este século XXI, ensombrando a luzidia promessa que a queda do comunismo deu à Europa e ao Ocidente. Tendo em conta os medos que, aparentemente, crescem de dia para dia, vale a pena pensar acerca daquilo que andamos a fazer.
Apesar de as profecias serem falsas, um ponto de partida comum deverá passar pelas expectativas decrescentes. Tal como reporta o Ipsos Mori Social Research Institute: "A assunção de um futuro automaticamente melhor para a próxima geração desapareceu em grande parte do Ocidente."
Em 1918, Oswald Spengler publicou "O Declínio do Ocidente". Hoje a palavra "declínio" é tabu. Os nossos políticos evitam a palavra em favor de "desafios", enquanto os economistas falam de uma "estagnação secular". A linguagem muda, mas a crença de que a civilização ocidental está a viver num tempo (e dinheiro) emprestado é a mesma.
Por que será isto assim? A sabedoria convencional encara esta questão, simplesmente, como uma reacção ao estagnar dos padrões de vida. Mas uma razão mais convincente, que chegou rapidamente ao entendimento das pessoas, prende-se com o falhanço do Ocidente, a seguir à implosão da União Soviética, em estabelecer um ambiente internacional seguro para a perpetuação dos seus valores e modo de vida.
O exemplo mais urgente deste falhanço é a erupção do terrorismo islâmico. Por sua própria iniciativa, o terrorismo dificilmente representa uma ameaça existencial. O que é catastrófico é o colapso das estruturas de Estado em muitos dos países de onde o terrorismo provém.
O mundo islâmico contém 1,6 mil milhões de pessoas, ou 23% da população mundial. Há 100 anos atrás foi uma das regiões mais pacíficas do mundo; hoje é a mais violenta. Isto não é o problema "periférico" que Francis Fukuyama imaginou no seu manifesto de 1989, "O Fim da História". Através do afluxo massivo de refugiados, a desordem no Médio Oriente atinge o coração da Europa.
Este movimento de pessoas tem pouco que ver com o "choque de civilizações" previsto por Samuel Huntington. A verdade mais mundana é que nunca houve nenhum sucessor estável para os defuntos Impérios Otomano, Britânico e Francês que se habituaram a manter a paz no mundo islâmico. Isto deve-se, em grande medida mas não inteiramente, ao falhanço dos colonizadores europeus que, perante o fim do auge dos seus próprios impérios, criaram Estados artificiais em maturação para a dissolução.
Os seus sucessores norte-americanos dificilmente fizeram melhor. Vi recentemente o filme "Charlie Wilson’s War", que relata como os Estados Unidos armaram os "mujahideen" para combaterem os soviéticos no Afeganistão. No final do filme, quando antigos clientes dos Estados Unidos se tornam talibans, Wilson, o político norte-americano que lhes arranjou dinheiro, é citado com a seguinte frase: "Nós conseguimos uma grande vitória, mas contaminámos o final do jogo".
Este "contaminar" é uma linha contínua que se estende ao longo de todas as intervenções dos Estados Unidos desde a Guerra do Vietname. Os Estados Unidos instalam um poder de fogo esmagador, quer directamente, quer equipando e armando grupos oposicionistas, derrubam as estruturas locais de governação e, depois, abandonam o país numa completa bagunça.
É improvável que os legisladores norte-americanos reflictam a aderência de algumas visões ideais do mundo, em que livrarem-se de ditadores é a mesma coisa que criar democracias. Em vez disso, a crença em resultados ideais é um mito necessário à cobertura de uma falta de vontade de recorrer à força de forma suficientemente persistente e inteligente para atingir o resultado pretendido.
Contudo, apesar do muito "hardware" militar detido por uma superpotência, a degradação da vontade em usá-lo é a mesma que a degradação do seu poder efectivo. Depois de certo tempo, deixa de intimidar.
É por isso que a proposta do neoconservador Robert Kagan, de 2003, "Os norte-americanos são de Marte, os Europeus de Vénus", ofereceu um guia tão enganador. A verdade é que a União Europeia foi bem mais além no caminho pacifista do que os Estados Unidos. É um ponto fraco central de um flácido semi-Estado com fronteiras praticamente indefensáveis, onde a retórica humanitária mascara a cobardia. Mas o esporádico, errático e largamente ineficiente recurso à força, por parte dos Estados Unidos, dificilmente pode ser classificado como uma qualidade marciana.
O declínio do Ocidente justapõe-se ao crescimento do Este, designadamente da China. (É difícil dizer se a Rússia está a crescer ou a cair; de qualquer forma, está a perturbar). Encaixar um poder em crescendo num sistema internacional em decadência raramente ocorreu de forma pacífica. Talvez os grandes estadistas do Ocidente e da China possam evitar uma grande guerra; mas isso, em termos históricos, seria um bónus.
A cada vez maior fragilidade da ordem política internacional está a diminuir as perspectivas para a economia global. Esta é a mais lenta recuperação de uma grande crise. As razões para tal são complexas, mas parte da explicação terá de passar pela frágil recuperação do comércio internacional. No passado, a expansão comercial funcionou como principal motor do crescimento mundial. Mas isso permanece agora desfasado da recuperação da produção (que é também modesta) porque aquele tipo de ordem política global acolhedora da globalização está a desaparecer.
Um sintoma disto mesmo tem sido o falhanço em concluir, depois de 14 anos, as negociações da Ronda de Doha sobre comércio. Acordos sobre comércio e políticas monetárias permanecem parados mas assumem, crescentemente, a forma de acordos regionais e bilaterais em vez de acordos multilaterais, deste modo servindo objectivos geopolíticos mais abrangentes. A Parceria Comercial Trans-Pacífico (TTP) liderada pelos Estados Unidos, por exemplo, foi criada contra a China; e a iniciativa chinesa para uma Nova Rota da Seda é uma reacção à sua exclusão da TTP, composta por 12 países.
Talvez estas barganhas regionais venham a provar-se como um passo em frente para um comércio livre mais abrangente. Um mundo dividido em blocos políticos irá tornar-se um mundo de blocos comerciais, sustentado pelo proteccionismo e pela manipulação cambial.
E ainda assim, mesmo que as relações comerciais se tornem cada vez mais politizadas, os nossos líderes continuam a encorajar-nos para que respondamos aos "desafios da globalização", com poucos a questionarem os benefícios da redução de custos em detrimento de uma maior automação. Em ambos os casos, os políticos estão a tentar forçar a adaptação de populações relutantes que anseiam por segurança. Esta estratégia é não apenas desesperada; como é também ilusória porque parece ser evidente que se o planeta for para manter habitável, a competição relativa ao crescimento económico tem de dar lugar à competição sobre a qualidade de vida.
Em resumo, estamos longe de ter desenvolvido um conjunto de preceitos e políticas fiáveis para nos guiarem no sentido de um futuro mais seguro. Não admira, pois, que as populações do Ocidente encarem o futuro com um mau presságio.
Robert Skidelsky é membro da British House of Lords e professor jubilado de Economia Política na Universidade de Warwick.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: David Santiago
18 Novembro 2015, 22:00 por Robert Skidelsky
Negócios
Apesar de as profecias serem falsas, um ponto de partida comum deverá passar pelas expectativas decrescentes. Tal como reporta o Ipsos Mori Social Research Institute: "A assunção de um futuro automaticamente melhor para a próxima geração desapareceu em grande parte do Ocidente."
Em 1918, Oswald Spengler publicou "O Declínio do Ocidente". Hoje a palavra "declínio" é tabu. Os nossos políticos evitam a palavra em favor de "desafios", enquanto os economistas falam de uma "estagnação secular". A linguagem muda, mas a crença de que a civilização ocidental está a viver num tempo (e dinheiro) emprestado é a mesma.
Por que será isto assim? A sabedoria convencional encara esta questão, simplesmente, como uma reacção ao estagnar dos padrões de vida. Mas uma razão mais convincente, que chegou rapidamente ao entendimento das pessoas, prende-se com o falhanço do Ocidente, a seguir à implosão da União Soviética, em estabelecer um ambiente internacional seguro para a perpetuação dos seus valores e modo de vida.
O exemplo mais urgente deste falhanço é a erupção do terrorismo islâmico. Por sua própria iniciativa, o terrorismo dificilmente representa uma ameaça existencial. O que é catastrófico é o colapso das estruturas de Estado em muitos dos países de onde o terrorismo provém.
O mundo islâmico contém 1,6 mil milhões de pessoas, ou 23% da população mundial. Há 100 anos atrás foi uma das regiões mais pacíficas do mundo; hoje é a mais violenta. Isto não é o problema "periférico" que Francis Fukuyama imaginou no seu manifesto de 1989, "O Fim da História". Através do afluxo massivo de refugiados, a desordem no Médio Oriente atinge o coração da Europa.
Este movimento de pessoas tem pouco que ver com o "choque de civilizações" previsto por Samuel Huntington. A verdade mais mundana é que nunca houve nenhum sucessor estável para os defuntos Impérios Otomano, Britânico e Francês que se habituaram a manter a paz no mundo islâmico. Isto deve-se, em grande medida mas não inteiramente, ao falhanço dos colonizadores europeus que, perante o fim do auge dos seus próprios impérios, criaram Estados artificiais em maturação para a dissolução.
Os seus sucessores norte-americanos dificilmente fizeram melhor. Vi recentemente o filme "Charlie Wilson’s War", que relata como os Estados Unidos armaram os "mujahideen" para combaterem os soviéticos no Afeganistão. No final do filme, quando antigos clientes dos Estados Unidos se tornam talibans, Wilson, o político norte-americano que lhes arranjou dinheiro, é citado com a seguinte frase: "Nós conseguimos uma grande vitória, mas contaminámos o final do jogo".
Este "contaminar" é uma linha contínua que se estende ao longo de todas as intervenções dos Estados Unidos desde a Guerra do Vietname. Os Estados Unidos instalam um poder de fogo esmagador, quer directamente, quer equipando e armando grupos oposicionistas, derrubam as estruturas locais de governação e, depois, abandonam o país numa completa bagunça.
É improvável que os legisladores norte-americanos reflictam a aderência de algumas visões ideais do mundo, em que livrarem-se de ditadores é a mesma coisa que criar democracias. Em vez disso, a crença em resultados ideais é um mito necessário à cobertura de uma falta de vontade de recorrer à força de forma suficientemente persistente e inteligente para atingir o resultado pretendido.
Contudo, apesar do muito "hardware" militar detido por uma superpotência, a degradação da vontade em usá-lo é a mesma que a degradação do seu poder efectivo. Depois de certo tempo, deixa de intimidar.
É por isso que a proposta do neoconservador Robert Kagan, de 2003, "Os norte-americanos são de Marte, os Europeus de Vénus", ofereceu um guia tão enganador. A verdade é que a União Europeia foi bem mais além no caminho pacifista do que os Estados Unidos. É um ponto fraco central de um flácido semi-Estado com fronteiras praticamente indefensáveis, onde a retórica humanitária mascara a cobardia. Mas o esporádico, errático e largamente ineficiente recurso à força, por parte dos Estados Unidos, dificilmente pode ser classificado como uma qualidade marciana.
O declínio do Ocidente justapõe-se ao crescimento do Este, designadamente da China. (É difícil dizer se a Rússia está a crescer ou a cair; de qualquer forma, está a perturbar). Encaixar um poder em crescendo num sistema internacional em decadência raramente ocorreu de forma pacífica. Talvez os grandes estadistas do Ocidente e da China possam evitar uma grande guerra; mas isso, em termos históricos, seria um bónus.
A cada vez maior fragilidade da ordem política internacional está a diminuir as perspectivas para a economia global. Esta é a mais lenta recuperação de uma grande crise. As razões para tal são complexas, mas parte da explicação terá de passar pela frágil recuperação do comércio internacional. No passado, a expansão comercial funcionou como principal motor do crescimento mundial. Mas isso permanece agora desfasado da recuperação da produção (que é também modesta) porque aquele tipo de ordem política global acolhedora da globalização está a desaparecer.
Um sintoma disto mesmo tem sido o falhanço em concluir, depois de 14 anos, as negociações da Ronda de Doha sobre comércio. Acordos sobre comércio e políticas monetárias permanecem parados mas assumem, crescentemente, a forma de acordos regionais e bilaterais em vez de acordos multilaterais, deste modo servindo objectivos geopolíticos mais abrangentes. A Parceria Comercial Trans-Pacífico (TTP) liderada pelos Estados Unidos, por exemplo, foi criada contra a China; e a iniciativa chinesa para uma Nova Rota da Seda é uma reacção à sua exclusão da TTP, composta por 12 países.
Talvez estas barganhas regionais venham a provar-se como um passo em frente para um comércio livre mais abrangente. Um mundo dividido em blocos políticos irá tornar-se um mundo de blocos comerciais, sustentado pelo proteccionismo e pela manipulação cambial.
E ainda assim, mesmo que as relações comerciais se tornem cada vez mais politizadas, os nossos líderes continuam a encorajar-nos para que respondamos aos "desafios da globalização", com poucos a questionarem os benefícios da redução de custos em detrimento de uma maior automação. Em ambos os casos, os políticos estão a tentar forçar a adaptação de populações relutantes que anseiam por segurança. Esta estratégia é não apenas desesperada; como é também ilusória porque parece ser evidente que se o planeta for para manter habitável, a competição relativa ao crescimento económico tem de dar lugar à competição sobre a qualidade de vida.
Em resumo, estamos longe de ter desenvolvido um conjunto de preceitos e políticas fiáveis para nos guiarem no sentido de um futuro mais seguro. Não admira, pois, que as populações do Ocidente encarem o futuro com um mau presságio.
Robert Skidelsky é membro da British House of Lords e professor jubilado de Economia Política na Universidade de Warwick.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: David Santiago
18 Novembro 2015, 22:00 por Robert Skidelsky
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