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A desigualdade começa no mercado de trabalho
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A desigualdade começa no mercado de trabalho
Da OIT ao FMI, são cada vez mais os estudos que mostram que as instituições do mercado de trabalho e a organização sindical são fundamentais para a coesão social
Regresso ao tema da semana passada, a desigualdade crescente, para me referir à questão das suas causas fundamentais, que tem sido objecto de alguns acesos debates, inclusive em contexto académico. São muitos os factores que têm concorrido para reforçar o aumento da desigualdade na maioria das sociedades nas décadas mais recentes e é difícil isolar o impacto de cada um deles, pelo que não surpreende que, como tantas vezes sucede em Economia, a tendência para salientar um ou outro conjunto de causas seja em parte determinada por questões ideológicas.
A grande linha divisória pode ser traçada entre quem sublinha sobretudo os factores exógenos, ou que de algum modo estão “fora do nosso controlo”, como sejam a automação crescente, a globalização ou a evolução demográfica, por um lado; e, por outro lado, quem salienta antes os factores eminentemente políticos e susceptíveis de alteração e regulação à escala nacional, como sejam a progressividade fiscal, o carácter redistributivo dos apoios sociais ou as instituições do mercado de trabalho.
Dado o viés tendencialmente conservador (ou liberal, que é o nome que os conservadores têm quando falamos de economia) da maioria das instituições produtoras de pensamento e análise económicos ortodoxos, o discurso que emana destas instituições sobre a desigualdade, quando esta chega a ser problematizada, privilegia habitualmente o primeiro tipo de factores que referi em cima. Como se compreende facilmente, quanto mais a desigualdade crescente for vista como um resultado de causas fora do nosso controlo, menor será a pressão política para que se faça algo para contrariá-la através dos factores que são susceptíveis de controlo político.
Neste contexto, não deixa de ser surpreendente encontrar um estudo recente elaborado por duas economistas do FMI que, ao revisitar a questão dos factores determinantes do aumento da desigualdade desde a década de 1980, “enfatiza o papel das instituições do mercado de trabalho”, nomeadamente o declínio das taxas de sindicalização. Uma conclusão importante a que chegam é que a maior ou menor redução da taxa de sindicalização entre 1980 e 2011 em cada país explica cerca de 40% do aumento médio da percentagem do rendimento apropriado pelos 10% mais ricos da população desse país. Por outras palavras, quanto maior a redução dos níveis de sindicalização, maior o aumento da desigualdade. O nexo causal é fácil de compreender: quanto mais isolados e atomizados se encontram os trabalhadores na sua relação com os empregadores, maior o desequilíbrio de poder em favor destes últimos e maior a capacidade destes se apropriarem de uma maior proporção do produto social.
Se este estudo é digno de nota por estar associado a uma instituição particularmente inesperada como é o FMI, vem na verdade juntar-se a um conjunto significativo de trabalhos produzidos por instituições menos conotadas com a ortodoxia económica, como é o caso da OIT, que ainda no início deste ano lançou mais um relatório demonstrando de forma robusta a relação entre a actuação dos sindicatos e a contratação colectiva, por um lado, e a desigualdade de rendimento, por outro. Também aqui, a lição a retirar é clara: se se quer realmente combater a desigualdade, deve-se começar por reforçar a negociação e contratação colectivas.
E é com estes resultados e conclusões em mente que vale a pena regressar ao caso do nosso país, onde, tal como previsto no caso geral, o agravamento da desigualdade nos útimos anos tem tido lugar a par do declínio gradual dos níveis de sindicalização e, especialmente, de um conjunto amplo e deliberado de medidas com o objectivo de destruir a contratação colectiva. Os resultados, que têm sido examinados em detalhe nos trabalhos de Maria da Paz Campos Lima, especialista no tema, foram impressionantes: entre 2008 e 2015, o número de trabalhadores cobertos por instrumentos de negociação colectiva reduziu-se de quase dois milhões para pouco mais de duzentos mil. Só de 2012 para 2013, essa cobertura caíu de 1,2 milhões para cerca de trezentos mil.
Tem vindo a ganhar terreno na sociedade portuguesa o discurso conservador que pretende retratar os sindicatos como meros defensores de interesses particulares e a negociação colectiva como um anacronismo gerador de rigidez. A realidade mostra que são instituições absolutamente centrais para contrariar o desequilíbrio de poder no mercado de trabalho e para combater a desigualdade, promovendo por essa via a coesão social e o bem comum. É chegado o tempo de demonstrar a iniquidade desse discurso conservador e de repor o equilíbrio nas relações laborais. É um dos mais importantes domínios em que se espera que o novo governo faça o que dele se espera para reparar o muito que tem vindo a ser destruído.
16.12.2015 7h00
ALEXANDRE ABREU
Expresso
Regresso ao tema da semana passada, a desigualdade crescente, para me referir à questão das suas causas fundamentais, que tem sido objecto de alguns acesos debates, inclusive em contexto académico. São muitos os factores que têm concorrido para reforçar o aumento da desigualdade na maioria das sociedades nas décadas mais recentes e é difícil isolar o impacto de cada um deles, pelo que não surpreende que, como tantas vezes sucede em Economia, a tendência para salientar um ou outro conjunto de causas seja em parte determinada por questões ideológicas.
A grande linha divisória pode ser traçada entre quem sublinha sobretudo os factores exógenos, ou que de algum modo estão “fora do nosso controlo”, como sejam a automação crescente, a globalização ou a evolução demográfica, por um lado; e, por outro lado, quem salienta antes os factores eminentemente políticos e susceptíveis de alteração e regulação à escala nacional, como sejam a progressividade fiscal, o carácter redistributivo dos apoios sociais ou as instituições do mercado de trabalho.
Dado o viés tendencialmente conservador (ou liberal, que é o nome que os conservadores têm quando falamos de economia) da maioria das instituições produtoras de pensamento e análise económicos ortodoxos, o discurso que emana destas instituições sobre a desigualdade, quando esta chega a ser problematizada, privilegia habitualmente o primeiro tipo de factores que referi em cima. Como se compreende facilmente, quanto mais a desigualdade crescente for vista como um resultado de causas fora do nosso controlo, menor será a pressão política para que se faça algo para contrariá-la através dos factores que são susceptíveis de controlo político.
Neste contexto, não deixa de ser surpreendente encontrar um estudo recente elaborado por duas economistas do FMI que, ao revisitar a questão dos factores determinantes do aumento da desigualdade desde a década de 1980, “enfatiza o papel das instituições do mercado de trabalho”, nomeadamente o declínio das taxas de sindicalização. Uma conclusão importante a que chegam é que a maior ou menor redução da taxa de sindicalização entre 1980 e 2011 em cada país explica cerca de 40% do aumento médio da percentagem do rendimento apropriado pelos 10% mais ricos da população desse país. Por outras palavras, quanto maior a redução dos níveis de sindicalização, maior o aumento da desigualdade. O nexo causal é fácil de compreender: quanto mais isolados e atomizados se encontram os trabalhadores na sua relação com os empregadores, maior o desequilíbrio de poder em favor destes últimos e maior a capacidade destes se apropriarem de uma maior proporção do produto social.
Se este estudo é digno de nota por estar associado a uma instituição particularmente inesperada como é o FMI, vem na verdade juntar-se a um conjunto significativo de trabalhos produzidos por instituições menos conotadas com a ortodoxia económica, como é o caso da OIT, que ainda no início deste ano lançou mais um relatório demonstrando de forma robusta a relação entre a actuação dos sindicatos e a contratação colectiva, por um lado, e a desigualdade de rendimento, por outro. Também aqui, a lição a retirar é clara: se se quer realmente combater a desigualdade, deve-se começar por reforçar a negociação e contratação colectivas.
E é com estes resultados e conclusões em mente que vale a pena regressar ao caso do nosso país, onde, tal como previsto no caso geral, o agravamento da desigualdade nos útimos anos tem tido lugar a par do declínio gradual dos níveis de sindicalização e, especialmente, de um conjunto amplo e deliberado de medidas com o objectivo de destruir a contratação colectiva. Os resultados, que têm sido examinados em detalhe nos trabalhos de Maria da Paz Campos Lima, especialista no tema, foram impressionantes: entre 2008 e 2015, o número de trabalhadores cobertos por instrumentos de negociação colectiva reduziu-se de quase dois milhões para pouco mais de duzentos mil. Só de 2012 para 2013, essa cobertura caíu de 1,2 milhões para cerca de trezentos mil.
Tem vindo a ganhar terreno na sociedade portuguesa o discurso conservador que pretende retratar os sindicatos como meros defensores de interesses particulares e a negociação colectiva como um anacronismo gerador de rigidez. A realidade mostra que são instituições absolutamente centrais para contrariar o desequilíbrio de poder no mercado de trabalho e para combater a desigualdade, promovendo por essa via a coesão social e o bem comum. É chegado o tempo de demonstrar a iniquidade desse discurso conservador e de repor o equilíbrio nas relações laborais. É um dos mais importantes domínios em que se espera que o novo governo faça o que dele se espera para reparar o muito que tem vindo a ser destruído.
16.12.2015 7h00
ALEXANDRE ABREU
Expresso
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