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Mensagem por Admin Qui Dez 17, 2015 7:06 pm

Andavas preocupado e afinal só tinhas de olhar para o tapete estendido desde os teus pés até ao horizonte idílico que teceram para ti. 

Uns voltaram para Portugal, outros continuam em Londres, uns fizeram daqui escala para todo o mundo, a outros perdi o rasto. 

Perdi a conta a quantos portugueses dei as boas vindas nesta casa. Amigos que já o eram, amigos que se o tornaram, alguns de passagem, amigos de amigos, de férias, em trabalho mas sobretudo novos emigrantes. 

Ainda as suas malas não tinham tocado o chão e a todos eu dava conselhos, num rito de iniciação a que só eu dava importância. Conselhos que iam além do apanhas o autocarro ali e o metro acolá. Conselhos que ninguém me pedia, mas que eu necessitava dar. Uma validação de que, em tanto tempo emigrado, adquiri uma série de conhecimentos preciosos e raros que me distinguem de ti que acabaste de chegar. Se assim não fosse entraria no pânico de sentir o duplo saldo negativo de não só não ter nada de especial para dizer acerca da vivência londrina, como ainda cairia no abismo de tudo o que entretanto não vivi no meu país.
 
Por isso ouve-me com moderada atenção. Não existe uma fórmula infalível. Vi gente conseguir o trabalho que queria passado uma semana, outros nem por isso. Há quem tenha encontrado o trabalho predilecto no lado oposto da cidade e outros ao virar da esquina. Vi gente fazer tudo ao contrário do que é suposto e vingar. E outros seguirem todas as regras e ficarem a queixar-se disso. Nestes últimos, notei sempre aquele sentimento de frustração de que o mundo lhes está permanentemente em falta. Um sentimento muitas vezes imprimido parentalmente nas nossas cabeças naquele momento de aflição pré-adulta do: Agora tenho de começar a pensar por mim próprio? Em que os pais esfregam com vigor o Vicks Vaporub na nossa ansiedade, clamando: Estuda com afinco filho, tira um curso superior se queres trabalho garantido e um dia ser alguém! Uff, que alívio. Andavas tu preocupado e afinal só tinhas de olhar para o tapete estendido desde os teus pés até ao horizonte idílico que teceram para ti. 
 
O mundo não tem nada contra ti mas tanto aqui como em Portugal ninguém te deve nada. Quando emigras não te são dadas novas cartas com que jogar. O monte foi baralhado de forma completamente diferente, mas as cartas são as mesmas. É até muito provável que consigas o trabalho que queres, aqui. Um conceito quase utópico para a maioria em Portugal. Mas e depois? Qual é o objectivo depois de arranjar trabalho? Ficar 6 meses, 5 anos, 8, logo se vê? 

Poupar? Progredir na carreira? Aprender? Ser feliz? Quando estamos desesperados à procura de trabalho, o instinto de sobrevivência torna o resto irrelevante e deixa as perguntas para depois. Mas esse depois, felizmente, um dia vai surgir. Depois de encheres o frigorífico, depois de deixares de olhar para o saldo bancário pelo canto do olho. Um dia vais acordar e sem preocupações deixarás de perguntar: O que preciso? Para ao invés fazeres finalmente a pergunta da qual achavas que os teus pais te estavam a salvar: O que é que eu quero? Eu diria que talvez não seja necessário mudar de país para começares a habituar-te a essa pergunta. Tão pouco um curso superior.
 
Olá André, sei que é inesperado, decidimos enquanto estavas de férias. Decidiram o quê? A Tua promoção. Foste promovido. Promovido? Sim, o departamento é teu. Estás a brincar? Sou a tua chefe, não ia brincar com uma coisa destas. Por favor diz-me que estás a brincar. Sabes que estou em crise, ainda no outro dia tive um ataque de pânico no metro, estou a pensar regressar a Lisboa, não preciso da responsabilidade de chefiar um departamento, não agora. Tarde demais, os americanos já aprovaram. Que pesadelo, estava tão bem a editar e filmar de vez em quando. Agora vou passar o tempo entre reuniões e ficheiros compartilhados. Pensa bem André, o que queres mais? 

Quero decidir que não quero uma promoção. Então mas o que é feito do teu andar sempre à deriva dos acontecimentos? Eu era assim? Era parte do teu charme. 
 
Acordei há pouco. É cedo o suficiente para começar a ouvir comboios madrugadores a passar junto à casa que estremece com precisão ferroviária. Estou de novo no bairro de Putney, na primeira casa onde vim parar há 8 anos atrás. Vim visitar amigos que entretanto ficaram a viver aqui e fiquei para jantar, o vinho chileno tratou do resto. 

Levanto-me e tento acordar alguém, em vão. Vou sair e comprar o pequeno almoço. Ouço a porta bater atrás de mim e lembro-me que que já não tenho as chaves desta casa. Posso simplesmente ir embora.
 
Que faço? Viro à esquerda? À direita? Sigo em frente, chego à secção internacional da biblioteca local e procuro livros em português, mas encontro apenas a versão inglesa do Conto da Ilha Desconhecida, you have to leave the island in order to see the island, we can't see ourselves unless we become free of ourselves*. É a primeira vez que leio Saramago. É a ele que devo a dimensão da decisão que tomei. Passaram-se anos, é impossível fazer uma pausa na vida, esta continua sem mim e em mim. Esta ilha moldou-me. Circundou-me e circunscreveu as linhas que me definem. Estou há 8 anos em Londres. Tenho mais anos de vida adulta e profissional em Inglaterra do que em Portugal. Não posso mudar isso, não posso andar para trás, mas o que se segue sou eu que decido, sem pressas, sem pressões. Sei o que quero, quero desemigrar.
 
* "é necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos vemos se não nos saímos de nós, (...)" in Conto da ilha desconhecida (1998), de José Saramago
 
 Está na altura de fazer uma pausa. Volto em Janeiro. Até lá.

André Torres 
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