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Mensagem por Admin Ter Jan 19, 2016 2:14 pm

Durante os anos 30 do século passado, na prisão em que o regime de Mussolini o mantinha, Antonio Gramsci via-se obrigado a orientar à distância a educação dos filhos: “Os rapazes precisam de contrair certos hábitos de diligência, exactidão, compostura – também física – e de concentração psíquica sobre determinadas matérias, o que sem uma repetição mecânica de disciplinas e métodos apropriados não poderá adquirir-se”.

Gramsci era um intelectual empenhado e o acompanhamento dos filhos serviu-lhe de pretexto para a crítica das modas políticas na área da educação. “O conceito de escola nova está na sua fase romântica, com um exagero na substituição dos métodos ‘mecânico’ pelos ‘naturais’. Antigamente, os alunos ao menos alcançavam uma certa bagagem de factos concretos. Agora, já não há nenhuma bagagem para pôr em ordem. O aspecto mais paradoxal de tudo isto é que a escola nova é apresentada como democrática quando, na realidade, está destinada a perpetuar as diferenças sociais”. 

Gramsci, a quinta-essência do pensamento marxista, tem sido apropriado pelos defensores das ideias tradicionais de ensino (em Portugal, aquelas citações constam, por exemplo, de “O ‘Eduquês’ em Discurso Directo”, o livro de 2006 do ex-ministro Nuno Crato). É certo que os fins políticos deste não coincidem com os de Gramsci, para quem a instrução das classes desfavorecidas era uma condição da sua revolta contra o capitalismo (era preciso que os filhos das famílias pobres tivessem as mesmas armas técnicas e intelectuais que os filhos das famílias ricas, para poderem compreender as lógicas de poder do sistema tradicional a combater). Seja como for, e independentemente das suas justificações, a lição de Gramsci permanece viva e é adequada à discussão presente sobre a escola pública em Portugal. Só a escola exigente é verdadeiramente democrática, porque a deterioração do ensino estatal é mais perigosa para os pobres do que para os ricos. Só estes têm em casa os meios de procurar alternativas sólidas de ensino.

A esquerda parlamentar e sindical que obrigou o Governo a acabar com os exames no 6º e 9º anos de escolaridade foi sempre, por princípio, contra a realização de exames, argumentando que estes são uma forma de discriminação social e orientam o sistema segundo um método “mecânico” de aprendizagem. É lamentável que o Ministério da Educação, tão desprovido de autoridade e peso político, se tenha deixado cair nesta armadilha ideológica. Como explica o Conselho Nacional de Educação - que o Ministério olimpicamente ignora -, não só a existência de exames “a contar” é a melhor forma de testar e aperfeiçoar o próprio sistema (melhor do que as provas de mera aferição, que nem os alunos nem os professores nem os pais levam suficientemente a sério), como a sua natureza discriminatória é um mito, sendo bastante residual o número de reprovações determinadas por chumbos nos exames.

Por outro lado, a crítica da aprendizagem “mecânica” não faz sentido quando a escola é apenas uma parte da vida dos alunos. Para além dela – e mesmo dentro dela – existe muito espaço para o desenvolvimento espontâneo da personalidade. O que não se pode recusar é que qualquer modelo de ensino seja, em parte, definido pela transmissão de conhecimentos e que em todas as comunidades, em todas as circunstâncias históricas, existe uma sabedoria fundamental que deve fazer parte do património comum. Quanto mais generalizada for essa sabedoria, mais democrática é a comunidade. Ao querer que os alunos “floresçam naturalmente”, sem noções de exigência e hierarquia, a esquerda portuguesa está a trair os mais pobres, aqueles que todos os dias jura defender.

00:05 h
Francisco Mendes da Silva
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