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O suicídio é constitucional
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O suicídio é constitucional
De vez em quando, o povo descobre com espanto que os políticos - os exactos políticos que uma parte do povo ainda tolera em comícios, "arruadas" e urnas de voto - defendem os próprios interesses e não o mítico bem comum. Agora temos o pífio escândalo das subvenções vitalícias aos deputados, com trinta destes senhores (e senhoras), na vasta maioria socialistas, a protestarem o "corte" junto do Tribunal Constitucional. O TC deu-lhes razão, sob o misterioso argumento do "princípio da confiança" e o divertido argumento de que ex-políticos não devem ser um encargo para as respectivas famílias (à imagem dos doentes graves, presume-se). Ficam, pois, ao cuidado do contribuinte e ficam muito bem.
O que fica péssimo é a sugestão de santidade dos partidos que, como o BE e o PCP, criticam as subvenções. Por acaso, o BE não possui um único deputado em condições formais de receber as ajudinhas, o que lembra o sujeito que recusa o prémio do Euromilhões sem sequer ter registado uma aposta. E o PCP aceita as ajudinhas para financiar a luta pelos trabalhadores, e lembra o vencedor do Euromilhões que promete usar o prémio para combater o vício do jogo. A título de punch line, BE e PCP condenam em teoria a atitude concreta de abundantes membros da bancada parlamentar a que se aliaram e de pelo menos dois ministros do governo que apoiam. Não sei se os políticos são todos iguais: sei que alguns simulam mal e porcamente a diferença.
Sobretudo em certa área ideológica, aliás, as diferenças são hoje um bem escasso. Enquanto as indignações do Facebook se distraem com os trocos das subvenções, a Frente Popular espatifa o que resta do país com uma pujança difícil, embora não impossível, de prever. Com típico primitivismo, Catarina Martins diz que Bruxelas não percebeu que a esquerda ganhou as eleições. Portugal começa a perceber. Não foi só a campanha das "presidenciais" a demonstrar que o PS actual - leia-se o PS que conta - é mais do que um parceiro circunstancial dos extremistas: 50 dias de governo bastaram para exibir a jovialidade com que o PS abraçou o extremismo. Pode-se discutir se é o oportunismo ou a cegueira ideológica a promover a semelhança de tudo o que se move para lá de, digamos, Francisco Assis. O que não se discute é a desgraçada miséria que, a breve prazo, o arranjinho convocará. Pelos vistos, o suicídio é constitucional.
Domingo, 17 de Janeiro
As fitas que as elites fazem
É com preocupação que assisto ao desespero dos industriais de calçado do Norte, que este ano têm oito feiras do sector em Milão e, por decisão da nova TAP, vão deixar de ter voos directos do Porto. Já era grave que os empresários de S. João da Madeira, por exemplo, não dispusessem de aeroporto local a fim de voar sem escalas nem transtornos para os eventos que bem entendessem. Aliás, era gravíssimo que qualquer cidadão nacional tivesse de se afastar mais do que quatro quilómetros do seu lar de modo a apanhar um avião - eu próprio moro a 7,3 km de Pedras Rubras, perdão, do Sá Carneiro e nunca calei a minha revolta. Mas isto agora é inadmissível, e a confirmação das desgraças decorrentes da privatização da nossa "companhia de bandeira".
Não tarda, a TAP desata a apostar louca e exclusivamente nas rotas que dão lucro e não naquelas que servem os verdadeiros interesses dos portugueses, quase sempre vinculados ao prejuízo. É assim que fenecem as civilizações. O que espera o governo para nos devolver a empresa? A propósito: caso revertam a negociata a tempo, acrescento que me convém ir ao III Encontro Internacional de Colunistas, em Kinshasa, na próxima terça. Lá para as onze da manhã o Airbus que aterre no descampado aqui em frente. Se me atrasar um bocadinho é porque estou a acabar o pequeno-almoço. Ou a calçar os sapatos, made in Portugal como tudo o que é lindo.
Quinta-feira, 21 de Janeiro
Os inimigos dos trabalhadores
Quem diria que a maioria de extrema-esquerda iria liderar o maior ataque ao sector público desde que D. Afonso enxotou a mãezinha? Tudo começou com as ameaças de anulação das privatizações dos transportes, sinal evidente de que o poder político não confia que os respectivos assalariados possuam competência para merecer emprego e salário de proprietários atentos ao lucro e a pormenores afins. O ministro Arménio Carlos está a chamar incapazes às pessoas.
A ofensiva prosseguiu com a crítica do alegado ministro da Educação, ou do seu chefe directo Mário Nogueira, à "cultura da nota", sinal claro de que ninguém por ali acredita que as escolas estatais sirvam para instruir um desgraçado a sequer abotoar a camisa. E uma deixa para os pais realmente preocupados e abonados correrem a inscrever a prole no ensino dito particular.
Para já, o enxovalho culminou na afirmação, a cargo da "maioria" parlamentar em peso, de que a redução do horário semanal para as 35 horas não só não implica custos económicos como não influencia a produtividade. Sem grandes rodeios, proclama-se que o rendimento dos funcionários públicos é independente daquilo que eles produzem e sobretudo que os funcionários públicos não produzem nada de substancial, pelo que tanto faz labutarem 40 horas, 35 ou meia.
No mínimo, está-se a dar razão aos lacaios do neoliberalismo. No máximo, está-se a criar condições para que os trabalhadores do Estado saiam à rua a reivindicar o direito de serem tratados enquanto adultos responsáveis. A menos que, por absurdo, não se sintam uma coisa nem outra.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
24 DE JANEIRO DE 2016
00:02
Alberto Gonçalves
Diário de Notícias
O que fica péssimo é a sugestão de santidade dos partidos que, como o BE e o PCP, criticam as subvenções. Por acaso, o BE não possui um único deputado em condições formais de receber as ajudinhas, o que lembra o sujeito que recusa o prémio do Euromilhões sem sequer ter registado uma aposta. E o PCP aceita as ajudinhas para financiar a luta pelos trabalhadores, e lembra o vencedor do Euromilhões que promete usar o prémio para combater o vício do jogo. A título de punch line, BE e PCP condenam em teoria a atitude concreta de abundantes membros da bancada parlamentar a que se aliaram e de pelo menos dois ministros do governo que apoiam. Não sei se os políticos são todos iguais: sei que alguns simulam mal e porcamente a diferença.
Sobretudo em certa área ideológica, aliás, as diferenças são hoje um bem escasso. Enquanto as indignações do Facebook se distraem com os trocos das subvenções, a Frente Popular espatifa o que resta do país com uma pujança difícil, embora não impossível, de prever. Com típico primitivismo, Catarina Martins diz que Bruxelas não percebeu que a esquerda ganhou as eleições. Portugal começa a perceber. Não foi só a campanha das "presidenciais" a demonstrar que o PS actual - leia-se o PS que conta - é mais do que um parceiro circunstancial dos extremistas: 50 dias de governo bastaram para exibir a jovialidade com que o PS abraçou o extremismo. Pode-se discutir se é o oportunismo ou a cegueira ideológica a promover a semelhança de tudo o que se move para lá de, digamos, Francisco Assis. O que não se discute é a desgraçada miséria que, a breve prazo, o arranjinho convocará. Pelos vistos, o suicídio é constitucional.
Domingo, 17 de Janeiro
As fitas que as elites fazem
É com preocupação que assisto ao desespero dos industriais de calçado do Norte, que este ano têm oito feiras do sector em Milão e, por decisão da nova TAP, vão deixar de ter voos directos do Porto. Já era grave que os empresários de S. João da Madeira, por exemplo, não dispusessem de aeroporto local a fim de voar sem escalas nem transtornos para os eventos que bem entendessem. Aliás, era gravíssimo que qualquer cidadão nacional tivesse de se afastar mais do que quatro quilómetros do seu lar de modo a apanhar um avião - eu próprio moro a 7,3 km de Pedras Rubras, perdão, do Sá Carneiro e nunca calei a minha revolta. Mas isto agora é inadmissível, e a confirmação das desgraças decorrentes da privatização da nossa "companhia de bandeira".
Não tarda, a TAP desata a apostar louca e exclusivamente nas rotas que dão lucro e não naquelas que servem os verdadeiros interesses dos portugueses, quase sempre vinculados ao prejuízo. É assim que fenecem as civilizações. O que espera o governo para nos devolver a empresa? A propósito: caso revertam a negociata a tempo, acrescento que me convém ir ao III Encontro Internacional de Colunistas, em Kinshasa, na próxima terça. Lá para as onze da manhã o Airbus que aterre no descampado aqui em frente. Se me atrasar um bocadinho é porque estou a acabar o pequeno-almoço. Ou a calçar os sapatos, made in Portugal como tudo o que é lindo.
Quinta-feira, 21 de Janeiro
Os inimigos dos trabalhadores
Quem diria que a maioria de extrema-esquerda iria liderar o maior ataque ao sector público desde que D. Afonso enxotou a mãezinha? Tudo começou com as ameaças de anulação das privatizações dos transportes, sinal evidente de que o poder político não confia que os respectivos assalariados possuam competência para merecer emprego e salário de proprietários atentos ao lucro e a pormenores afins. O ministro Arménio Carlos está a chamar incapazes às pessoas.
A ofensiva prosseguiu com a crítica do alegado ministro da Educação, ou do seu chefe directo Mário Nogueira, à "cultura da nota", sinal claro de que ninguém por ali acredita que as escolas estatais sirvam para instruir um desgraçado a sequer abotoar a camisa. E uma deixa para os pais realmente preocupados e abonados correrem a inscrever a prole no ensino dito particular.
Para já, o enxovalho culminou na afirmação, a cargo da "maioria" parlamentar em peso, de que a redução do horário semanal para as 35 horas não só não implica custos económicos como não influencia a produtividade. Sem grandes rodeios, proclama-se que o rendimento dos funcionários públicos é independente daquilo que eles produzem e sobretudo que os funcionários públicos não produzem nada de substancial, pelo que tanto faz labutarem 40 horas, 35 ou meia.
No mínimo, está-se a dar razão aos lacaios do neoliberalismo. No máximo, está-se a criar condições para que os trabalhadores do Estado saiam à rua a reivindicar o direito de serem tratados enquanto adultos responsáveis. A menos que, por absurdo, não se sintam uma coisa nem outra.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
24 DE JANEIRO DE 2016
00:02
Alberto Gonçalves
Diário de Notícias
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