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Regalias nos transportes e os nossos impostos
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Regalias nos transportes e os nossos impostos
Filipe Casaca
Há duas semanas, afirmei aqui não compreender por que os trabalhadores da CP e respetivos familiares viram reposta a 1 de janeiro a regalia de viajarem gratuitamente nos comboios da empresa, que tinha sido suspensa em 2013.
Choveram de imediato no meu e-mail múltiplos comentários. Na sua maioria, diziam que eu, pobre ‘jornaleira’ (entre outros epítetos mais ferozes), não investiguei devidamente e deveria saber várias coisas: que não se trata de uma regalia mas sim parte integrante da remuneração dos trabalhadores, proposta pela própria empresa para honrar os “termos do regulamento de concessões existente há mais de um século”; que muitos outros profissionais da esfera pública - como funcionários dos tribunais, juízes, polícias e deputados - também andam nos transportes públicos sem pagar; que eu devo desconhecer o que é trabalhar no duro, como acontece com os funcionários da CP, obrigados com frequência a prestar serviço em condições muito difíceis que ninguém imagina.
Em suma, em vez de criticar, eu deveria era defender os direitos dos trabalhadores. Houve ainda quem questionasse em tom zombeteiro se eu compro o SOL ou é oferta da casa.
À parte a irritante mania de cada um, ou cada corporação, achar sempre que trabalha mais do que os outros, sempre esclareço que compro o SOL todos os sábados e que os trabalhadores deste jornal deslocam-se a expensas próprias para o trabalho.
Nada me move contra os direitos dos trabalhadores ou as regalias que possam obter da entidade patronal. E também discordo que profissionais como os acima referidos, de magistrados a deputados, gozem de livre trânsito nos transportes públicos - embora isso possa justificar-se nalgumas situações e deva ser decidido caso a caso. Mas nunca como prática generalizada de borla coletiva, similar à que reclamam na CP para os seus familiares.
Mas não é disso que se trata aqui. Valia a pena que, em vez de insultos, os indignados reclamantes respondessem a algumas questões. Se essa regalia é apenas uma forma de remuneração complementar, por que não é tributada com impostos? Quando contrata um trabalhador, afinal a CP está a contratar a família inteira? E quanto custa anualmente isso à empresa? Zero?
Volto a dizer: se a CP fosse uma empresa privada, ninguém tinha que ver com as regalias dos seus trabalhadores. Ou se os preços pagos pelos utilizadores dos seus serviços não fossem tão elevados, se não compensasse mais hoje viajar de carro (e, nalguns casos, até de avião) do que de comboio e se o Estado não tivesse todos os anos de cobrir dezenas de milhões do défice de exploração da CP e demais empresas do grupo.
Como é de dinheiro público e da concessão de um serviço público que estamos a falar, que me desculpem todos os funcionários, no ativo ou reformados, respetivos cônjuges e filhos até aos 25 anos: ninguém gosta de ver os nossos impostos sequestrados por compromissos assumidos há décadas pelo Estado apenas para serenar certas corporações e em nome de uma tradição já sem adesão à realidade das modernas sociedades. E que isso aconteça enquanto ao comum dos contribuintes se exige que pague mais pelos serviços públicos, trabalhe mais horas e aguente ser despedido se for o caso.
paula.azevedo@sol.pt
Ana Paula Azevedo | 26/01/2016 15:08
SOL
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