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O juízo da história
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O juízo da história
Antes do mais, uma declaração de interesses – sou amigo de Marcelo Rebelo de Sousa à longa data. Com ele enfrentei desafios, manifestei discordâncias, percorremos caminhos nem sempre fáceis. Tivemos também algumas divergências pessoais. Deus quis que em cerca de duas décadas a distância nos separasse e tivesse perdido a sua opinião assertiva e as suas ideias congregadoras. É a vida!
Não foi para mim qualquer surpresa a forma como Marcelo encarou estas eleições. Desde logo pela sua popularidade que não se confunde só com notoriedade mas também pelo seu sucesso de relacionamento com o eleitor. Marcelo não ganhou porque esteve na televisão. Mais do que isso. Ele tem uma capacidade nata de se explicar, um jeito próprio para estabelecer cumplicidades. E, essencialmente, porque não se deixou empurrar para a direita. Não permitiu que a discussão aquecesse. Foi afável, travou a crispação e evitou o ataque.
Ganhou porque a sua campanha foi o que foi. Sendo, para o objectivo que visava uma campanha excelente, quase perfeita.
Marcelo ganhou porque é um homem inteligente e com sentido de oportunidade e percebeu que o país não se divide da forma como os partidos gostariam que se dividisse, uma espécie de tudo ou nada, sim ou não, os bons de um lado os maus do outro. O seu sentido de oportunidade conjugado com uma estratégia ímpar derrotou toda a esquerda que se uniu para denegrir a imagem do Professor.
A vitória de Marcelo assentou no pragmatismo, na sensatez, na independência em relação aos aparelhos partidários, da sua leitura atenta da disposição dos eleitores.
O exercício do poder, cada vez mais difícil nas sociedades contemporâneas, exige dedicação, despreendimento e sentido de serviço. Temos todos consciência que os estudos e indicadores disponíveis apontam para um significativo divórcio entre as sociedades e os seus eleitores e para uma crescente apreciação negativa da imagem global dos políticos.
“Desta vez o povo ordenou e acreditou na abertura de um novo ciclo de renovação da esperança e da proximidade”, escreveu Marcelo numa mensagem dirigida aos portugueses de agradecimento pela confiança manifestada. Nela, o novo presidente eleito considera que este novo ciclo “é da maior importância, ao prepararmos o país para a saída da crise”. O futuro chefe do Estado acrescentou ainda que “todas as portuguesas e todos os portugueses contam e contarão sempre com o meu afeto”. Marcelo prometeu ainda “dar tudo e o melhor pelo país, uma vez que Portugal merece o meu melhor e o melhor de todos nós”.
Ao fazer estas considerações o novo presidente eleito não deseja antecipar-se ou orientar o juízo da História. Só ele terá a isenção e a distância que agora nos faltam.
Ora, Marcelo Rebelo de Sousa, durante a sua campanha, não ocultou a crise que atravessamos. Soube reposicionar-se num quadro mais ou menos amplo das grandes mutações que já conhecemos, apreender este ciclo que agora acaba e a nova ordem que se abre diante de nós. Neste período critico em que os desafios são cruciais e em que o pior é possível, nunca devemos olvidar que o improvável pode sempre acontecer.
Mesmo quando tudo concorre para a catástrofe, a complexidade real pode gerar situações inesperadas.
Por isso o apelo de Marcelo muitas vezes repetido para nos mantermos prontos para acolher o improvável, para nos mantermos atentos à utilização positiva desta crise, vejamo-la como uma oportunidade para uma nova relação com o poder democrático, com a riqueza monetária e por fim com o sentido. A “pornocracia”, essa espécie de potência superior e potencialmente despótica, pode ceder lugar a uma relação com o mistério que abre permanentemente o possível e a relação com o outro em que o outro existe plenamente e em que não é somente tolerado, em que eu preciso da existência do outro, da sua diferença. Esta mudança de atitude diz respeito á nossa própria vida. Trata-se de sair do par excitação/depressão, um par infernal, tanto pessoal como social – a excitação apela à depressão e para sair desta precisa de uma nova excitação – para chegar a outro par, o da intensidade/serenidade, para se sentir plenamente vivo, para estar numa qualidade de presença em que a serenidade se torna finalmente possível. Foi isto que o comum dos comentadores chamou uma campanha de afetos. É isto que caracteriza a alegria de viver. E a alegria de viver é então uma aposta plenamente politica: precisamos nos ajudar uns aos outros porque viver a humanidade é um ofício, no sentido forte e pleno do termo como “mistério misterioso”. De facto, existe uma articulação entre os exercícios da transformação pessoal e os da transformação social e é preciso deixar de opô-los. Precisamos de trabalhar estes dois polos, a humanidade só poderá conseguir enfrentar desafios colossais e evitar seu descarrilamento caso se mostre capaz de efectuar este trabalho sobre si mesma, caso consiga utilizar estes desafios como uma oportunidade para uma revelação, para um salto na sua qualidade de ser, na sua qualidade de consciência. O que está em jogo é, na realidade, um “crescimento em humanidade”.
Marcelo compreendeu e por isso venceu!
José A. Roque Martins
Diário de Notícias da Madeira
Sexta, 5 de Fevereiro de 2016
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