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Uma história portuguesa
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Uma história portuguesa
Bastaram meia dúzia de gritos para que se esquecesse a necessidade de atrair deputados com uma profissão honrada ou meios de uma vida para lá da política.
Em Portugal quase nunca é possível discutir um problema com lógica e prudência. Vejam só este exemplo. Durante anos, não houve “notabilidade” do regime que não se queixasse das qualidades dos deputados que iam chegando à Assembleia da República. Que eram cada vez piores, mais dependentes dos partidos, mais corruptos, menos dignos do voto do nosso bom e patriótico povo. Os “velhos” que ainda se lembravam da Constituinte comparavam a esplêndida gente da sua geração com os “miúdos” sem instrução e sem sentido da sua responsabilidade que ocupavam agora as veneráveis cadeiras de S. Bento. Apareceu então uma tese: ninguém devia representar o eleitorado, se não tivesse cá fora uma profissão ou meios de vida que o defendessem do pântano parlamentar.
Esta tese ficou estabelecida e foi zelosamente propalada pelas grandes figuras do regime. Não se pensou – por aqui não se pensa muito – que uma carreira de médico, de engenheiro ou de arquitecto exigia uma concentração e uma assiduidade inconciliáveis com uma carreira política. Ao princípio, a Assembleia estabelecera um “subsídio de integração” ou, em troca, uma “subvenção vitalícia”. A demagogia dos partidos e a seguir a ignorância de Sócrates consideraram este arranjo imoral e acabaram com ele. E assim, pessoas com três, quatro ou cinco mandatos na Assembleia foram escorraçadas, sem uma profissão (que tinham interrompido e já não podiam recomeçar) e sem um rendimento que lhes permitisse uma existência confortável e digna. Perante esta situação, um pequeno grupo de políticos resolveu requerer ao Tribunal Constitucional a reposição dos direitos originais dos deputados.
Isto provocou um escândalo nacional. O ódio aos políticos foi levantado contra os cidadãos, que se haviam sacrificado na Assembleia e nas primeiras legislaturas para legar a Portugal uma República decente e ordeira. E simultaneamente bastaram meia dúzia de gritos para que se esquecesse a necessidade de atrair deputados com uma profissão honrada ou meios de uma vida para lá da política. Hoje o assunto está arrumado a favor de uma carreira nos partidos, com a intriga e a duplicidade que ela sempre implica, de um serviço fiel a um dos bonzos que pontificam no PS e no PSD, e não tardarão a pontificar no Bloco, e de uma incompetência generalizada dos representantes da nação que nos pastoreiam.
Por Vasco Pulido Valente
24/01/2016 - 07:01
Público
Em Portugal quase nunca é possível discutir um problema com lógica e prudência. Vejam só este exemplo. Durante anos, não houve “notabilidade” do regime que não se queixasse das qualidades dos deputados que iam chegando à Assembleia da República. Que eram cada vez piores, mais dependentes dos partidos, mais corruptos, menos dignos do voto do nosso bom e patriótico povo. Os “velhos” que ainda se lembravam da Constituinte comparavam a esplêndida gente da sua geração com os “miúdos” sem instrução e sem sentido da sua responsabilidade que ocupavam agora as veneráveis cadeiras de S. Bento. Apareceu então uma tese: ninguém devia representar o eleitorado, se não tivesse cá fora uma profissão ou meios de vida que o defendessem do pântano parlamentar.
Esta tese ficou estabelecida e foi zelosamente propalada pelas grandes figuras do regime. Não se pensou – por aqui não se pensa muito – que uma carreira de médico, de engenheiro ou de arquitecto exigia uma concentração e uma assiduidade inconciliáveis com uma carreira política. Ao princípio, a Assembleia estabelecera um “subsídio de integração” ou, em troca, uma “subvenção vitalícia”. A demagogia dos partidos e a seguir a ignorância de Sócrates consideraram este arranjo imoral e acabaram com ele. E assim, pessoas com três, quatro ou cinco mandatos na Assembleia foram escorraçadas, sem uma profissão (que tinham interrompido e já não podiam recomeçar) e sem um rendimento que lhes permitisse uma existência confortável e digna. Perante esta situação, um pequeno grupo de políticos resolveu requerer ao Tribunal Constitucional a reposição dos direitos originais dos deputados.
Isto provocou um escândalo nacional. O ódio aos políticos foi levantado contra os cidadãos, que se haviam sacrificado na Assembleia e nas primeiras legislaturas para legar a Portugal uma República decente e ordeira. E simultaneamente bastaram meia dúzia de gritos para que se esquecesse a necessidade de atrair deputados com uma profissão honrada ou meios de uma vida para lá da política. Hoje o assunto está arrumado a favor de uma carreira nos partidos, com a intriga e a duplicidade que ela sempre implica, de um serviço fiel a um dos bonzos que pontificam no PS e no PSD, e não tardarão a pontificar no Bloco, e de uma incompetência generalizada dos representantes da nação que nos pastoreiam.
Por Vasco Pulido Valente
24/01/2016 - 07:01
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