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A científica precariedade
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A científica precariedade
As universidades devem ter voz activa na definição de políticas científicas e na orientação da carreira dos investigadores que nelas residem.
Nos últimos anos, temos assistido a repetidas a manifestações ou declarações de investigadores sobre as condições do emprego científico em Portugal. Vemos ao mesmo tempo repetidas declarações mais ou menos piedosas ou exasperadas de políticos ou de cidadãos sobre a fuga de pessoas altamente qualificadas do nosso país. Por desconhecimento ou por interesse, os primeiros não acham útil esclarecer a generalidade dos portugueses – para os quais, de resto, a questão científica é irrelevante em comparação com a realidade em que vivem – sobre as razões que nos trouxeram aqui e que não são imputáveis exclusivamente à presente crise económica. A vantagem desta crise foi, de facto, pôr a nu um conjunto de problemas pré-existentes cuja discussão e solução se tornaram agora inadiáveis.
A criação do sistema científico português assentou em larga medida na construção de uma carreira de investigação baseada em trabalho precário, quer através da utilização intensiva da figura de bolseiro, quer através da criação de contratos de investigador a termo certo. Quer isto dizer que os investigadores que entram na carreira deveriam saber que pouco há a esperar do futuro e que portanto a sua passagem pela área de investigação tem um fim anunciado. Ao mesmo tempo as instituições em que são integrados precisam em absoluto do seu trabalho e do know-how por eles criado ou adquirido para manter a actividade de investigação, e portanto tentam por todos os meios mantê-los numa carreira que nunca o chega a ser.
Esta inconsistência é, em primeira análise, o que justifica a presença de investigadores com idades perto – ou mesmo acima – dos 40 anos que hoje encontramos cada vez com mais frequência nos concursos para bolseiros da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. É importante frisar que estes investigadores estão numa posição absolutamente insustentável por estarem actualmente a ser afastados de uma actividade para a qual foram treinados e por não terem uma realidade alternativa empresarial ou de ensino na qual se possam integrar. Este modelo de financiamento criou, na verdade, uma classe de párias altamente qualificados.
A primeira conclusão é que urge mudar o objectivo e o modo de contratação de pessoal científico. A realidade dos países desenvolvidos é que apenas cerca de 10% dos investigadores jovens obtém uma posição permanente na carreira de investigação. Mas os restantes 90%, enquanto estão nessa carreira, sejam estudantes de doutoramento, sejam investigadores pós-doutorados, têm um contrato de trabalho como qualquer outro trabalhador: pagam impostos, descontam para a segurança social e têm os restantes deveres e direitos de qualquer outro trabalhador. Têm, em particular, direito a um subsídio de desemprego que lhes permite assegurar um período de transição igual ao de qualquer outro cidadão quando tiver de mudar de emprego. Isto tem de ser urgentemente a realidade também para os investigadores portugueses.
Mas há, paralelamente, algo muito importante a resolver. Na verdade os jovens (e menos jovens) investigadores podem constituir o vector mais imediato e eficaz de promover a tão desejada transferência de saber e tecnologia do meio académico para o meio empresarial, criando as condições para que a inovação seja efectivamente uma realidade diária no nosso tecido económico. Isto asseguraria, simultaneamente, aos jovens investigadores que a actividade de investigação não é um beco sem saída, uma ideia que infelizmente cada vez mais se enraíza na mente dos nossos jovens universitários e que os afasta da área de investigação, com todos os efeitos nocivos que isso comporta.
Neste processo de aproximação das empresas ao meio académico, as universidades estão numa posição privilegiada, mas que não tem sido por elas integralmente assumida. Estas instituições, que nenhuma influência têm na definição da política científica, fornecem todavia na maioria dos casos a matéria-prima humana para as unidades de investigação e recebem investigadores no seu seio através dos centros de investigação nelas sediados. Os investigadores são meros utilizadores de espaço, que só interessam por constituírem um meio alternativo de financiamento da universidade.
Urge mudar este estado de coisas, passando as universidades a ter voz activa na definição de políticas científicas e na orientação da carreira dos investigadores que nelas residem. Na ausência de uma política de contratação para os quadros universitários, isso pode assumir várias formas: preparação dos investigadores em áreas de empreendedorismo ou de gestão usando os recursos das próprias instituições, criação de fora de contacto entre o meio empresarial e a academia com vista a promover o contacto dos investigadores com potenciais contratadores da indústria ou de serviços, ou uma política agressiva de promoção dos investigadores que assim o desejem junto de empresas ou de projectos empresariais junto de investigadores. Isto para não falar na reactivação da carreira de investigação que é urgente reanimar e rejuvenescer.
O que não pode é continuar o status quo actual no que à investigação diz respeito sob pena de vermos desaparecer a breve prazo o esforço de três décadas para criar um tecido de investigação de excelência em Portugal. Devemos continuar a política de angariação de investigadores de excelência por forma a manter e aumentar o nível de qualidade que já existe no nosso país. Isso só é possível se todos, investigadores nacionais e estrangeiros, não mantiverem a noção de que a sua carreira não tem futuro quando aqui chegam. De outro modo teremos deitado fora o esforço e dedicação de toda uma geração de investigadores e todo o financiamento investido pelo Estado, que mais uma vez gastou dinheiro em pura perda condenando-nos a todos a uma eterna subalternidade aos centros de decisão europeus.
Professor do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico
JOÃO SEIXAS, GEÓGRAFO
10/02/2016 - 06:30
Público
Nos últimos anos, temos assistido a repetidas a manifestações ou declarações de investigadores sobre as condições do emprego científico em Portugal. Vemos ao mesmo tempo repetidas declarações mais ou menos piedosas ou exasperadas de políticos ou de cidadãos sobre a fuga de pessoas altamente qualificadas do nosso país. Por desconhecimento ou por interesse, os primeiros não acham útil esclarecer a generalidade dos portugueses – para os quais, de resto, a questão científica é irrelevante em comparação com a realidade em que vivem – sobre as razões que nos trouxeram aqui e que não são imputáveis exclusivamente à presente crise económica. A vantagem desta crise foi, de facto, pôr a nu um conjunto de problemas pré-existentes cuja discussão e solução se tornaram agora inadiáveis.
A criação do sistema científico português assentou em larga medida na construção de uma carreira de investigação baseada em trabalho precário, quer através da utilização intensiva da figura de bolseiro, quer através da criação de contratos de investigador a termo certo. Quer isto dizer que os investigadores que entram na carreira deveriam saber que pouco há a esperar do futuro e que portanto a sua passagem pela área de investigação tem um fim anunciado. Ao mesmo tempo as instituições em que são integrados precisam em absoluto do seu trabalho e do know-how por eles criado ou adquirido para manter a actividade de investigação, e portanto tentam por todos os meios mantê-los numa carreira que nunca o chega a ser.
Esta inconsistência é, em primeira análise, o que justifica a presença de investigadores com idades perto – ou mesmo acima – dos 40 anos que hoje encontramos cada vez com mais frequência nos concursos para bolseiros da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. É importante frisar que estes investigadores estão numa posição absolutamente insustentável por estarem actualmente a ser afastados de uma actividade para a qual foram treinados e por não terem uma realidade alternativa empresarial ou de ensino na qual se possam integrar. Este modelo de financiamento criou, na verdade, uma classe de párias altamente qualificados.
A primeira conclusão é que urge mudar o objectivo e o modo de contratação de pessoal científico. A realidade dos países desenvolvidos é que apenas cerca de 10% dos investigadores jovens obtém uma posição permanente na carreira de investigação. Mas os restantes 90%, enquanto estão nessa carreira, sejam estudantes de doutoramento, sejam investigadores pós-doutorados, têm um contrato de trabalho como qualquer outro trabalhador: pagam impostos, descontam para a segurança social e têm os restantes deveres e direitos de qualquer outro trabalhador. Têm, em particular, direito a um subsídio de desemprego que lhes permite assegurar um período de transição igual ao de qualquer outro cidadão quando tiver de mudar de emprego. Isto tem de ser urgentemente a realidade também para os investigadores portugueses.
Mas há, paralelamente, algo muito importante a resolver. Na verdade os jovens (e menos jovens) investigadores podem constituir o vector mais imediato e eficaz de promover a tão desejada transferência de saber e tecnologia do meio académico para o meio empresarial, criando as condições para que a inovação seja efectivamente uma realidade diária no nosso tecido económico. Isto asseguraria, simultaneamente, aos jovens investigadores que a actividade de investigação não é um beco sem saída, uma ideia que infelizmente cada vez mais se enraíza na mente dos nossos jovens universitários e que os afasta da área de investigação, com todos os efeitos nocivos que isso comporta.
Neste processo de aproximação das empresas ao meio académico, as universidades estão numa posição privilegiada, mas que não tem sido por elas integralmente assumida. Estas instituições, que nenhuma influência têm na definição da política científica, fornecem todavia na maioria dos casos a matéria-prima humana para as unidades de investigação e recebem investigadores no seu seio através dos centros de investigação nelas sediados. Os investigadores são meros utilizadores de espaço, que só interessam por constituírem um meio alternativo de financiamento da universidade.
Urge mudar este estado de coisas, passando as universidades a ter voz activa na definição de políticas científicas e na orientação da carreira dos investigadores que nelas residem. Na ausência de uma política de contratação para os quadros universitários, isso pode assumir várias formas: preparação dos investigadores em áreas de empreendedorismo ou de gestão usando os recursos das próprias instituições, criação de fora de contacto entre o meio empresarial e a academia com vista a promover o contacto dos investigadores com potenciais contratadores da indústria ou de serviços, ou uma política agressiva de promoção dos investigadores que assim o desejem junto de empresas ou de projectos empresariais junto de investigadores. Isto para não falar na reactivação da carreira de investigação que é urgente reanimar e rejuvenescer.
O que não pode é continuar o status quo actual no que à investigação diz respeito sob pena de vermos desaparecer a breve prazo o esforço de três décadas para criar um tecido de investigação de excelência em Portugal. Devemos continuar a política de angariação de investigadores de excelência por forma a manter e aumentar o nível de qualidade que já existe no nosso país. Isso só é possível se todos, investigadores nacionais e estrangeiros, não mantiverem a noção de que a sua carreira não tem futuro quando aqui chegam. De outro modo teremos deitado fora o esforço e dedicação de toda uma geração de investigadores e todo o financiamento investido pelo Estado, que mais uma vez gastou dinheiro em pura perda condenando-nos a todos a uma eterna subalternidade aos centros de decisão europeus.
Professor do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico
JOÃO SEIXAS, GEÓGRAFO
10/02/2016 - 06:30
Público
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