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Um orçamento realmente anti-austeridade
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Um orçamento realmente anti-austeridade
O orçamento tem uma elevada carga fiscal. Mas poderia ter, sem problema e com justiça, uma carga fiscal ainda mais elevada.
Escasseia a paciência para o falso debate sobre o orçamento que a direita tem conseguido manter na agenda mediática usando todas as armas de arremesso possíveis e imaginárias e ao qual o Governo, o PS e os outros partidos da esquerda têm respondido de uma forma demasiado defensiva. Porquê “falso debate”? Porque em caso algum a direita avançou uma contestação séria dos objectivos ou das políticas consubstanciadas no orçamento - o que tinha o dever de fazer - e apenas tem tentado colar-lhe rótulos que visam denegrir as novas políticas sem as discutir e, principalmente, sem as comparar com as políticas que a própria direita pôs em prática no governo anterior ou com aquelas que preconiza nas actuais circunstâncias.
Primeiro foi o “debate” sobre os pressupostos do orçamento, que eram irrealistas e inatingíveis - como se um orçamento não fosse um exercício de previsões (arriscadas por definição, principalmente em tempos de agitação das finanças e das economias internacionais), como se um orçamento não fosse uma definição de objectivos políticos (sempre discutíveis, sempre ideológicos e, naturalmente, distintos e opostos aos dos adversários) e como se os pressupostos dos orçamentos do governo PSD-CDS não tivessem sido, mais do que discutíveis, comprovadamente falsos.
Depois foi o “debate” sobre aquilo que seria afinal uma continuação da “austeridade”, devido à manutenção de uma carga fiscal elevada, que a maior parte dos comentadores e jornalistas adoptou como argumento e causa própria sem pruridos de maior.
Antes de mais, pensemos um pouco nas palavras. “Austeridade” foi durante muitos anos um substantivo neutro ou mesmo com tonalidades positivas. Ser austero não era ser alegre e imaginativo mas era ser frugal e prudente, severo e rigoroso, contido e disciplinado, honesto e fiável - tudo qualidades que, se é verdade que podem ser exercidas com excesso e fanatismo, todos concordamos que devem balizar de uma forma geral a acção governativa do Estado. Uma política de austeridade pode assim não ser a mais adequada num determinado momento mas não é (não era) intrinsecamente condenável.
O que acontece é que a direita neoliberal internacional - como está hoje bem estabelecido por múltiplos estudos feitos por inúmeros especialistas e organizações - decidiu, inteligentemente, chamar “austeridade” a uma política que nada tinha de austera e que constou, simplesmente, de uma brutal transferência de rendimentos do factor trabalho para o capital; de um empobrecimento geral dos cidadãos; de um aumento do desemprego de forma a reduzir a capacidade negocial dos trabalhadores e a facilitar a descida de salários; de uma redução brusca da quantidade e da qualidade dos serviços públicos de forma a fragilizar a situação dos mais pobres e a aumentar as receitas dos serviços prestados pelas empresas privadas em particular nas áreas da saúde e da educação; de uma redução dos direitos sociais, económicos e culturais dos cidadãos; de uma redução dos direitos laborais e sindicais de forma a reduzir a capacidade reivindicativa dos trabalhadores; da imposição de uma situação de excepção do ponto de vista legal que fez regredir as conquistas do último século em termos de direitos humanos; de uma redução das prestações sociais de forma a excluir da forma mais radical possível os mais frágeis do exercício da cidadania; de pilhagem do património público, privatizando todas as actividades económicas rentáveis ainda na esfera pública, de forma a reduzir o poder político do Estado e a submetê-lo ao poder económico das empresas privadas; etc.
Porque é que esta política nada tinha de austera? Porque a política chamada de “austeridade”, a par da muito real “austeridade para os pobres”, estabeleceu uma situação de facto de regabofe para os ricos e poderosos, que aumentaram as suas riquezas e poder, que se apropriaram ilicitamente de bens públicos, que viram as suas rendas e privilégios reforçados.
O programa radical que a extrema-direita económica representada em Portugal pelo PSD e pelo CDS (“extrema-direita” porque não há nada mais à direita no espectro da política económica) levou a cabo no nosso país foi assim uma revolução de direita, feita sem mandato popular, com falsos pretextos e com resultados catastróficos em termos sociais e económicos.
O orçamento do actual governo, por isso, não tem nada de austeridade e é, em quase toda a linha, um orçamento anti-austeridade – no sentido abastardado que a direita impôs à palavra – ainda que frugal e prudente.
É um orçamento com uma elevada carga fiscal. Mas poderia ter, sem problema e com justiça, uma carga fiscal ainda mais elevada. É que o problema não é quanto se paga de impostos, mas sobre o quê e sobre quem incidem os impostos. Todos sabemos (é a Autoridade Tributária quem o diz) que os mais ricos pagam menos imposto do que deviam. Os impostos do actual orçamento são justos porque aliviam os menos ricos e porque permitem que a economia respire. E é essa a questão. Não se aqui ou ali há mais ou menos duas décimas de imposto.
jvmalheiros@gmail.com
Por José Vítor Malheiros
16/02/2016 - 00:20
Público
Escasseia a paciência para o falso debate sobre o orçamento que a direita tem conseguido manter na agenda mediática usando todas as armas de arremesso possíveis e imaginárias e ao qual o Governo, o PS e os outros partidos da esquerda têm respondido de uma forma demasiado defensiva. Porquê “falso debate”? Porque em caso algum a direita avançou uma contestação séria dos objectivos ou das políticas consubstanciadas no orçamento - o que tinha o dever de fazer - e apenas tem tentado colar-lhe rótulos que visam denegrir as novas políticas sem as discutir e, principalmente, sem as comparar com as políticas que a própria direita pôs em prática no governo anterior ou com aquelas que preconiza nas actuais circunstâncias.
Primeiro foi o “debate” sobre os pressupostos do orçamento, que eram irrealistas e inatingíveis - como se um orçamento não fosse um exercício de previsões (arriscadas por definição, principalmente em tempos de agitação das finanças e das economias internacionais), como se um orçamento não fosse uma definição de objectivos políticos (sempre discutíveis, sempre ideológicos e, naturalmente, distintos e opostos aos dos adversários) e como se os pressupostos dos orçamentos do governo PSD-CDS não tivessem sido, mais do que discutíveis, comprovadamente falsos.
Depois foi o “debate” sobre aquilo que seria afinal uma continuação da “austeridade”, devido à manutenção de uma carga fiscal elevada, que a maior parte dos comentadores e jornalistas adoptou como argumento e causa própria sem pruridos de maior.
Antes de mais, pensemos um pouco nas palavras. “Austeridade” foi durante muitos anos um substantivo neutro ou mesmo com tonalidades positivas. Ser austero não era ser alegre e imaginativo mas era ser frugal e prudente, severo e rigoroso, contido e disciplinado, honesto e fiável - tudo qualidades que, se é verdade que podem ser exercidas com excesso e fanatismo, todos concordamos que devem balizar de uma forma geral a acção governativa do Estado. Uma política de austeridade pode assim não ser a mais adequada num determinado momento mas não é (não era) intrinsecamente condenável.
O que acontece é que a direita neoliberal internacional - como está hoje bem estabelecido por múltiplos estudos feitos por inúmeros especialistas e organizações - decidiu, inteligentemente, chamar “austeridade” a uma política que nada tinha de austera e que constou, simplesmente, de uma brutal transferência de rendimentos do factor trabalho para o capital; de um empobrecimento geral dos cidadãos; de um aumento do desemprego de forma a reduzir a capacidade negocial dos trabalhadores e a facilitar a descida de salários; de uma redução brusca da quantidade e da qualidade dos serviços públicos de forma a fragilizar a situação dos mais pobres e a aumentar as receitas dos serviços prestados pelas empresas privadas em particular nas áreas da saúde e da educação; de uma redução dos direitos sociais, económicos e culturais dos cidadãos; de uma redução dos direitos laborais e sindicais de forma a reduzir a capacidade reivindicativa dos trabalhadores; da imposição de uma situação de excepção do ponto de vista legal que fez regredir as conquistas do último século em termos de direitos humanos; de uma redução das prestações sociais de forma a excluir da forma mais radical possível os mais frágeis do exercício da cidadania; de pilhagem do património público, privatizando todas as actividades económicas rentáveis ainda na esfera pública, de forma a reduzir o poder político do Estado e a submetê-lo ao poder económico das empresas privadas; etc.
Porque é que esta política nada tinha de austera? Porque a política chamada de “austeridade”, a par da muito real “austeridade para os pobres”, estabeleceu uma situação de facto de regabofe para os ricos e poderosos, que aumentaram as suas riquezas e poder, que se apropriaram ilicitamente de bens públicos, que viram as suas rendas e privilégios reforçados.
O programa radical que a extrema-direita económica representada em Portugal pelo PSD e pelo CDS (“extrema-direita” porque não há nada mais à direita no espectro da política económica) levou a cabo no nosso país foi assim uma revolução de direita, feita sem mandato popular, com falsos pretextos e com resultados catastróficos em termos sociais e económicos.
O orçamento do actual governo, por isso, não tem nada de austeridade e é, em quase toda a linha, um orçamento anti-austeridade – no sentido abastardado que a direita impôs à palavra – ainda que frugal e prudente.
É um orçamento com uma elevada carga fiscal. Mas poderia ter, sem problema e com justiça, uma carga fiscal ainda mais elevada. É que o problema não é quanto se paga de impostos, mas sobre o quê e sobre quem incidem os impostos. Todos sabemos (é a Autoridade Tributária quem o diz) que os mais ricos pagam menos imposto do que deviam. Os impostos do actual orçamento são justos porque aliviam os menos ricos e porque permitem que a economia respire. E é essa a questão. Não se aqui ou ali há mais ou menos duas décimas de imposto.
jvmalheiros@gmail.com
Por José Vítor Malheiros
16/02/2016 - 00:20
Público
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