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Uma tradição nacional
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Uma tradição nacional
Hoje, atribuir clientelas de Estado ao Bloco e ao PC não parece uma grande contribuição para o debate político.
Rui Ramos diz que o PS, o Bloco e o PC não se definem pela sua preocupação com “os mais desfavorecidos”, mas por tentarem fazer dos “dependentes do Estado” a sua “base de apoio”. Ora esta acusação, além de ser ambígua, foi até agora – e com toda a razão – dirigida aos três partidos do chamado “arco de governação”, que dominaram o regime e as benesses que dele podiam derivar desde o “25 de Novembro”. O PC está hoje reduzido a algumas fortalezas no Alentejo e aos sindicatos dos serviços públicos; e o Bloco, coitado, não manda seriamente em coisa nenhuma. Mas não deixa de ser curioso que Rui Ramos, um historiador, se preocupe com as clientelas da esquerda, seguindo a mais velha tradição política portuguesa. É como se voltasse um filme a preto e branco que já vimos muitas vezes.
Desde a consolidação da monarquia liberal que o jornalismo e a literatura bramiram contra a compra do eleitorado por “favores” do governo, empregos, dinheiro e privilégios. Desde Herculano e Júlio Dinis, que sempre se esquece, até Ramalho, Eça, Fialho e, claro, os “neogarrettianos”, não houve cão nem gato que não condenasse os partidos por se alimentarem de “dependentes do Estado”. Os milhares de páginas que se escreveram contra esta ficção ou, se quiserem, contra esta fraude constituem a mais longa e coerente tradição política portuguesa. A República com a sua violência e o seu compadrio confirmou com vigor tudo aquilo em que o país piamente acreditava. E Salazar, ao contrário da lenda, assentou a sua ditadura num apetite geral de um “pulso forte” que servisse a “nação” e desfizesse as clientelas.
Curiosamente a nova democracia de 1976 levou muito pouco tempo a reconstituir a tradição do liberalismo e da República. Por um lado, apareceram espontaneamente à volta das câmaras grupos de interesse ou de pressão, que já existiam no terreno ou se criaram por força das necessidades da época, e esses grupos acabaram por se ligar aos partidos políticos, às vezes de maneiras sem explicação ou confissão. E, por outro lado, a televisão e os jornais começaram imediatamente a imprecar contra a imoralidade dos partidos na administração central e local: as “bases” do PSD e os “boys” do PS destaparam o formigueiro e o que se viu não foi bonito. Hoje, atribuir clientelas de Estado ao Bloco e ao PC não parece uma grande contribuição para o debate político. O pior são as consequências naturais dessa premissa.
VASCO PULIDO VALENTE
28/02/2016 - 00:05
Público
Rui Ramos diz que o PS, o Bloco e o PC não se definem pela sua preocupação com “os mais desfavorecidos”, mas por tentarem fazer dos “dependentes do Estado” a sua “base de apoio”. Ora esta acusação, além de ser ambígua, foi até agora – e com toda a razão – dirigida aos três partidos do chamado “arco de governação”, que dominaram o regime e as benesses que dele podiam derivar desde o “25 de Novembro”. O PC está hoje reduzido a algumas fortalezas no Alentejo e aos sindicatos dos serviços públicos; e o Bloco, coitado, não manda seriamente em coisa nenhuma. Mas não deixa de ser curioso que Rui Ramos, um historiador, se preocupe com as clientelas da esquerda, seguindo a mais velha tradição política portuguesa. É como se voltasse um filme a preto e branco que já vimos muitas vezes.
Desde a consolidação da monarquia liberal que o jornalismo e a literatura bramiram contra a compra do eleitorado por “favores” do governo, empregos, dinheiro e privilégios. Desde Herculano e Júlio Dinis, que sempre se esquece, até Ramalho, Eça, Fialho e, claro, os “neogarrettianos”, não houve cão nem gato que não condenasse os partidos por se alimentarem de “dependentes do Estado”. Os milhares de páginas que se escreveram contra esta ficção ou, se quiserem, contra esta fraude constituem a mais longa e coerente tradição política portuguesa. A República com a sua violência e o seu compadrio confirmou com vigor tudo aquilo em que o país piamente acreditava. E Salazar, ao contrário da lenda, assentou a sua ditadura num apetite geral de um “pulso forte” que servisse a “nação” e desfizesse as clientelas.
Curiosamente a nova democracia de 1976 levou muito pouco tempo a reconstituir a tradição do liberalismo e da República. Por um lado, apareceram espontaneamente à volta das câmaras grupos de interesse ou de pressão, que já existiam no terreno ou se criaram por força das necessidades da época, e esses grupos acabaram por se ligar aos partidos políticos, às vezes de maneiras sem explicação ou confissão. E, por outro lado, a televisão e os jornais começaram imediatamente a imprecar contra a imoralidade dos partidos na administração central e local: as “bases” do PSD e os “boys” do PS destaparam o formigueiro e o que se viu não foi bonito. Hoje, atribuir clientelas de Estado ao Bloco e ao PC não parece uma grande contribuição para o debate político. O pior são as consequências naturais dessa premissa.
VASCO PULIDO VALENTE
28/02/2016 - 00:05
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