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Antes de Abril, o mês mais cruel
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Antes de Abril, o mês mais cruel
Pobre Alencar, o de ‘Os Maias’, que no cúmulo da sua velhice compunha versos sobre amores que não teve e que – por isso mesmo – nunca teria de volta: “Abril chegou, sê minha!, dizia o vento à rosa…”
Os meus benevolentes leitores não recordam a passagem, mas ela teve lugar em Sintra, num domingo perdido. Abril chegou, Abril passou, e as coisas não mudaram para Alencar, não mudaram para nenhum dos personagens de romance que ande em busca de amores passados. Ao velho Doutor Homem, meu pai, desagradavam estes exemplos de poesia lacrimal folheada como uma estação do ano. Sobre Abril ele recordava sobretudo T. S. Eliot – "Abril é o mês mais cruel..." –, passagem que sempre me atemorizou, porque sempre a achei muito verdadeira.
Estes últimos dias de sol deixaram sobre a poeira dos pinhais de Moledo a ameaça de Abril, o mês cruel. Os velhos compreendem a ameaça, mais do que os jovens: a acalmia do mar galego (que perde algum do seu escuro profundo, e o esverdeado se transforma lentamente num azul luminoso e brilhante), o colorido de Santa Tecla, as estradas beneficiadas com a chegada das mimosas – e os hibiscos, com o seu toque oriental, nas floreiras da varanda. O que é uma renovação da natureza e um sinal de que a vida continua, lembra – aos velhos – o dever de homenagear o que nos resta. É isso a idade: não os anos que passaram, mas o tempo que nos espera.
A minha sobrinha Maria Luísa acha despropositada esta melancolia e prefere atribuí-la a uns restos de adolescência que de tempos a tempos regressam para me lembrar que, apesar da saúde de que gozo entre o mar e a serra do Alto Minho, sou quase contemporâneo do Titanic.
Todos os anos, em Março, a família apercebe-se do meu aniversário como de uma espécie de obrigação curricular e os meus sobrinhos devem perguntar-se a quantos aniversários do Tio António assistiram ou, em sendo mais práticos, para quantos almoços de aniversário foram convidados. A diferença tem razão de ser: Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, prepara o cardápio de aniversário com uma solenidade cheia de propósitos malignos, tais como o abastecimento de colesterol e de outros elementos tão festivos como perigosos para um velho. O Dr. Paulo, que este ano se junta ao número de convidados, acha que vale a pena correr o risco. Ele chora há semanas pelo arroz de pato de Dona Elaine.
13.03.2016 00:30
ANTÓNIO SOUSA HOMEM
Correio da Manhã
Os meus benevolentes leitores não recordam a passagem, mas ela teve lugar em Sintra, num domingo perdido. Abril chegou, Abril passou, e as coisas não mudaram para Alencar, não mudaram para nenhum dos personagens de romance que ande em busca de amores passados. Ao velho Doutor Homem, meu pai, desagradavam estes exemplos de poesia lacrimal folheada como uma estação do ano. Sobre Abril ele recordava sobretudo T. S. Eliot – "Abril é o mês mais cruel..." –, passagem que sempre me atemorizou, porque sempre a achei muito verdadeira.
Estes últimos dias de sol deixaram sobre a poeira dos pinhais de Moledo a ameaça de Abril, o mês cruel. Os velhos compreendem a ameaça, mais do que os jovens: a acalmia do mar galego (que perde algum do seu escuro profundo, e o esverdeado se transforma lentamente num azul luminoso e brilhante), o colorido de Santa Tecla, as estradas beneficiadas com a chegada das mimosas – e os hibiscos, com o seu toque oriental, nas floreiras da varanda. O que é uma renovação da natureza e um sinal de que a vida continua, lembra – aos velhos – o dever de homenagear o que nos resta. É isso a idade: não os anos que passaram, mas o tempo que nos espera.
A minha sobrinha Maria Luísa acha despropositada esta melancolia e prefere atribuí-la a uns restos de adolescência que de tempos a tempos regressam para me lembrar que, apesar da saúde de que gozo entre o mar e a serra do Alto Minho, sou quase contemporâneo do Titanic.
Todos os anos, em Março, a família apercebe-se do meu aniversário como de uma espécie de obrigação curricular e os meus sobrinhos devem perguntar-se a quantos aniversários do Tio António assistiram ou, em sendo mais práticos, para quantos almoços de aniversário foram convidados. A diferença tem razão de ser: Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, prepara o cardápio de aniversário com uma solenidade cheia de propósitos malignos, tais como o abastecimento de colesterol e de outros elementos tão festivos como perigosos para um velho. O Dr. Paulo, que este ano se junta ao número de convidados, acha que vale a pena correr o risco. Ele chora há semanas pelo arroz de pato de Dona Elaine.
13.03.2016 00:30
ANTÓNIO SOUSA HOMEM
Correio da Manhã
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