Fora do tempo

Quem queira ser ou manter-se como líder político deve ter uma superior noção do Kairos, o momento certo para agir adequadamente, na rica expressão da cultura grega clássica. As indignadas questões levantadas por Passos Coelho a propósito da alegada intervenção de António Costa na recomposição do setor bancário nacional mereceram uma tremenda e justificada chuva de críticas de todos os setores de opinião. Os portugueses não esquecem a figura de Passos Coelho, em trajo estival algarvio, lavando as mãos de qualquer responsabilidade, enquanto o BES, ou seja, 20% de todo o nosso sistema financeiro, ardia sem remédio. Nem o desastroso resultado da sua estratégia de protelar decisões no caso Banif. Ao atacar Costa, como já foi dito por outros, Passos atacou também Marcelo e a sua afirmação, depois de um encontro com o rei Felipe VI, de que a presença do capital espanhol em Portugal é importante, mas não deve ser exclusiva. Uma das maiores ameaças à viabilidade de Portugal, em 1975, consistiu no facto de haver demasiada gente a pensar que o calendário juliano da Petrogrado de 1917 se poderia repetir em Lisboa. Passos partilha hoje essa patologia da intempestividade. Ele pensa em 1980, quando a realidade se parece mais com o pós--1929. Na verdade, o tempo que vivemos não se inspira nos mercados puros de Hayek nem no ultraliberalismo de Thatcher ou Reagan. Temos de ter a lucidez de admitir que o doloroso e indesejável cenário da fragmentação da UE, com a renacionalização de políticas e os protecionismos inerentes, é cada vez mais provável. No arquipélago europeu que se seguiria, a Ibéria seria uma incontornável realidade plural, com regras a definir. Prevenir desde já uma deriva hegemónica parece ser, mesmo que o pior cenário seja evitado, a política acertada.

22 DE MARÇO DE 2016
00:00
Viriato Soromenho Marques
Diário de Notícias