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A viúva é negra ou espanhola?

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Mensagem por Admin Ter Mar 29, 2016 11:19 am

1. A 10 de agosto de 1984 nasceu a Associação Portuguesa de Bancos (APB), que, como agora, reúne praticamente todos os bancos do sistema. Lembro este facto só para lembrar, 30 anos depois, que apenas dois dos fundadores sobrevivem: a Caixa Geral de Depósitos e o Montepio Geral. Um controlado pelo Estado, outro invendável porque pertence a uma associação mutualista.

Dito de outra forma. Nas últimas três décadas, três quartos do sistema financeiro português que existia à beira do processo de privatizações desapareceram numa venda, numa fusão ou simplesmente numa fogueira. E do que foi vendido, nada resta em mãos nacionais, porque os patriotas que compraram ao Estado não resistiram ao primeiro cheque, cantaram o hino nacional, dobraram a bandeira portuguesa debaixo dos braços e venderam ao mais generoso dos compradores.

Chama-se a isto capitalismo, que parece ter sido a escolha que o país fez lá atrás - e, aliás, com fundadas razões, porque o colapso do socialismo viria a confirmar que as alternativas não existiam. As primeiras reuniões da APB eram dominadas por gestores nomeados por ministros, uma vez que nessa altura a banca estava ainda toda nacionalizada. E em prejuízos crónicos.

A seguir também conhecemos a história. A Europa connosco, Portugal e Espanha lá dentro, a euroeuforia, laissez faire, laissez passer, capital estrangeiro a circular e a investir, outro a só comprar. E de cada vez que o Estado vendia uma empresa ou um banco, no auge do cavaquismo, a conversa era sempre a mesma: protecionismo, estrangeiros discriminados, privilégio dado aos portugueses.

E, como só Jardim Gonçalves ousava criar algo de raiz e em grande, seguido apenas por Horácio Roque com o seu Banif à distância, praticamente todo o sistema bancário nacional passou a ser privado e a falar português: Champalimaud, Roquette, Espírito Santo e Mello foram entre as famílias expropriadas pela Revolução as que, a partir da segunda metade da década de 80, foram ocupando um lugar que antes lhes pertencera.

O que, à data e até certo ponto, se compreendia. Portugal tinha decapitado os seus grupos privados, não havia capital nem atividade empresarial com relevância, e esta "preferência" pelos investidores portugueses constituía uma forma de recuperar o tempo perdido.

Mas uma geração depois - e é só e apenas de uma geração que estamos a falar - a coisa mais simpática que se pode dizer desta gente é que falharam todos. Não fizeram um grande trabalho. As velhas famílias e as novas. As famílias que se uniram pela finança e ficaram separadas por um &.

Para memória futura, aqui jazem os seguintes bancos que, em agosto de 1984, se associaram para enfrentar o capitalismo financeiro e os anos de prosperidade prometida pela integração europeia: Banco Borges & Irmão, Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, Banco Fonsecas & Burnay, Banco Pinto e Sotto Mayor, Banco Português do Atlântico, Banco Nacional Ultramarino, Banco de Fomento Nacional, União de Bancos Portugueses, Crédito Predial Português.

A todos só não desejamos "paz à sua alma" porque de alguns herdámos contas que, enquanto contribuintes, ainda estamos e continuaremos a pagar. Ardem no Inferno os que roubaram, porque roubar atenta contra o sétimo dos dez mandamentos, porque desde Moisés sabemos que não merece o Céu quem se apropria do que não é seu.

2. Para a lista ficar completa, e além dos já referidos sobreviventes CGD e Montepio, também existiram os ilhéus Banco Comercial dos Açores e a Caixa Económica do Funchal (que desapareceram) e os estrangeiros Loyds Bank, Credit Franco-Portugais e Bank of London and South America (que há muito zarparam e não deixaram rasto).

Outros protagonistas foram chegando. E não é esta a primeira vez que se fala do perigo de espanholização da banca nacional. Foram vistos ainda nos anos 90, quando António Champalimaud recebeu "uma pipa de massa" (dixit) de Emílio Botín e o seu império conquistado pelo Santander. Reapareceram, com outros matizes, no célebre Manifesto dos 40, em defesa dos Centros de Decisão Nacional, já em pleno século XXI.

Foram eles, pode a esta distância dizer-se assim, os maiores mentores de um modelo que condenou Portugal a um ciclo de declínio persistente, que o país tem pago com recessão e venda massiva de ativos ao exterior. Esta é a razão fundamental do nosso ajustamento - e não tanto o défice público estrutural, que evidentemente acelerou a caminhada para o precipício - e a morte do nosso capitalismo.

A banca, epicentro dessa lengalenga dos "campeões nacionais", tornou-se ela mesmo uma trituradora de capital, empobrecendo investidores ingénuos, contribuindo ativamente no colapso da bolsa e no fim da ilusão do capitalismo popular. A promiscuidade que, em larga escala, foi promovida entre acionistas e quem lhes pedia crédito fez o resto no rasto de destruição de valor que conhecemos.

Como acertava Paulo Ferreira no Observador, aqueles que temem a "espanholização da banca" deviam lembrar-se do que nos tem, nestes anos todos, custado a "portugalização" da banca. Passando por cima de divagações morais ou julgamentos de outra natureza, esta viagem que acabei de vos propor à história recente da banca portuguesa serve fundamentalmente para:

a) Condescender com o voluntarismo do Presidente da República;

b) Reavivar a memória do primeiro-ministro;

c) Lembrar que as intervenções governamentais em negócios privados foram inúteis e inconsequentes;

d) Avisar os novos peregrinos que os anteriores, depois de pedir proteção e favores, assinaram antes manifestos mas agora não: muitos porque estão falidos, alguns porque estão presos, outros porque venderam eles próprios os bancos que tinham. A angolanos e espanhóis.

29 DE MARÇO DE 2016
00:03
Sérgio Figueiredo
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