Pontapear o real

A identificação entre o terrorismo fundamentalista islâmico e o fluxo de refugiados que chega à Europa é uma das falácias mais idiotas que, repetidamente, é efetuada. Infelizmente, o que antes se dizia apenas nas cervejarias frequentadas pelos extremistas de direita, aparece, agora, no discurso oficial das chancelarias. O governo polaco aproveitou os atentados de Bruxelas de 22 de março para recusar receber a sua quota de sete mil refugiados, previamente acordada. O mesmo já tinha feito o governo húngaro, invocando a defesa da identidade cristã europeia, contra os refugiados que, na perspetiva das autoridades de Budapeste, são vagas de invasores islâmicos. O que choca nestas afirmações não é o lugar político de onde partem, mas a indigência mental que espelham. Ignoram que o terrorismo islâmico se exerce, essencialmente, no âmbito da guerra mundial entre xiitas e sunitas, que a política externa ocidental nunca compreendeu. Mas ignoram, também, que uma parte das famílias de refugiados que chegam à Europa são vítimas da grande perseguição às comunidades cristãs do Médio Oriente, que se incrementou exponencialmente desde o derrube de Saddam. Com efeito, em 2003 viviam 1,5 milhões de cristãos no Iraque. Hoje serão menos de 300 mil. O mesmo ocorre na Síria, onde os cristãos são massacrados pelo ISIS. A política incompetente de Blair, Sarkozy, Cameron e Hollande contribuiu não só para criar o gigantesco problema humanitário que temos entre mãos na questão dos refugiados, como tornou imensamente mais vulneráveis as comunidades cristãs em países que quisemos "democratizar" a ferro e fogo. Quando a política pontapeia a realidade, a vítima que se segue é sempre a inteligência. Já dizia Schiller (1759-1805): "Contra a estupidez humana até os deuses lutam em vão."

29 DE MARÇO DE 2016
00:04
Viriato Soromenho Marques
Diário de Notícias