Os neurónios a mais e a falta deles

Em visita à Suíça, Marcelo Rebelo de Sousa foi a um laboratório que estuda o cérebro. Um cientista falou-lhe dos neurónios, como funcionam: eles são biliões e só agem por consenso. Marcelo, que aproveita tudo para croquetes, agarrou logo na ideia e disse-a aos jornais: "Passo a vida a defender consensos e aparentemente os especialistas do cérebro dão-me razão." Marcelo pode ter muitos defeitos menos o da falta de biliões de neurónios e, no entanto, escapou-lhe aquele "aparentemente" que lhe estraga a ideia. Ele estava a defender uma causa justa, a sua, caiu-lhe no regaço uma bela fórmula, a dos especialistas do cérebro, misturou-as como era previsível nele e estragou tudo com o infeliz advérbio de modo. Deveria ter feito a frase sem mas nem meio mas. Nele, porque é simpático e caloroso, aceitamos quase sempre o otimismo. Mais, até devíamos agradecer (o otimismo é tão raro neste país de velhos ranzinzas). Mas se Marcelo pôs dúvidas - "aparentemente", disse ele - sobre a confluência do seu pensamento e as investigações do campus de biotecnologia de Genebra, aproveitamos logo para agarrar na hipótese pior: "Humm, isso do consenso político não tem prova laboratorial..." E, se calhar, a dúvida é justa. É que as propostas de Marcelo partem de um pressuposto irrealista: ele não conta com gente sem neurónios. Talvez com tubos de ensaio, ácidos, bases e sais isto vá lá - que tal montar um laboratório no Palácio de Belém?

18 DE OUTUBRO DE 2016
00:00
Ferreira Fernandes
Diário de Notícias