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Portugal no Japão
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Portugal no Japão
O nome de Portugal na Ásia tem um eco de história muito forte. Esse eco está envolto em bruma porque as gerações mais jovens já ouviram falar, mas ainda não tiveram a oportunidade de visitar e conhecer. Na televisão japonesa surgem frequentemente programas sobre Portugal. Alguns focam a história de cidades como Lisboa e Porto; outros focam as paisagens lindíssimas, cheias de luz, de Sintra, do cabo da Roca ou de praias algarvias; outros ainda trazem os cheiros e o sabor da nossa gastronomia. Quando os vejo, pergunto-me porque é que toda esta beleza me escapou... Ainda não encontrei resposta.
Muitos jovens japoneses, nos primeiros anos de universidade, escolhem esse canto da Europa com entusiasmo para viverem um ano. Vejo-os regressar bem diferentes e não os reconheço. Sinto que Portugal não foi apenas um país de acolhimento, foi também uma espécie de crisálida onde puderam renascer. O mesmo acontece com os portugueses que vêm para o Japão e escolhem este país como segundo berço. Não são muitos os que aqui permanecem porque quando se chega é fácil, mas com o tempo, as pétalas das famosas cerejeiras japonesas vão caindo e revelam o tronco nu deste país. É uma sociedade complexa e muito exigente. A aparente delicadeza esconde uma firmeza e uma perseverança extraordinárias. Poucos conseguem enfrentar esse espartilho social. Para se sobreviver no Japão não basta fazer bem, tem de ser perfeito, e, como todos sabemos, a perfeição é uma sombra enganadora que nunca se materializa. Li muitas cartas e livros que viajantes estrangeiros escreveram sobre o Japão. Todos eles queriam desvendar o verdadeiro carácter que se esconde por detrás da aparência cuidadosamente elaborada desta sociedade. A meu ver, a maior parte deles falharam. Isto porque o carácter japonês que se esconde atrás da máscara é também parte da máscara. O tronco também faz parte das pétalas de cerejeira. Ambos, em breves dias de primavera, harmonizam o antigo e o moderno. O Japão tem nesta balança da harmonia uma beleza invulgar e fulgurante. É extraordinário ver um templo plurissecular, completamente integrado entre edifícios recentemente construídos, com uma arquitetura de cortar a respiração. Chãos, imaculadamente limpos, em que nos podemos espelhar. Montras que não são simples mostruários, mas pequenos museus de detalhes. Por vezes penso, nas minhas divagações, que para um arquiteto a ideia mais próxima de Paraíso seria Tóquio e o seu labirinto infinito de linhas.
Retomando o tópico das relações Portugal-Japão, parece-me que mais importante do que compreender a contribuição de Portugal para a história do Japão, é entender que esta presença ocidental foi acidental, assim como transformar este "o" em "a" e atribuir às restantes letras que compõem esta palavra um significado completamente diferente. Penso que nenhum português que partiu para o Japão sabia de antemão que ia ser transformado no destino em algo diferente. Acredito também que os primeiros portugueses que se estabeleceram no Japão, aventureiros meio piratas, meio comerciantes, chegaram a este lugar porque não tinham alternativa. Porque era aqui que terminava a diáspora espontânea. Com a fundação de Macau, estes portugueses foragidos consumiram anualmente, durante quase cem anos, a oportunidade de enriquecimento fácil. Tornaram-se intermediários comerciais entre o Japão e a China. Convém não esquecer que foi através dos escritos de António de Galvão, um dos primeiros autores a relatar a chegada dos portugueses ao Japão, que a lenda de Zipangu relatada por Marco Polo a Rustichello da Pisa se tornou realidade. Em poucos anos, o Japão transforma-se num lugar de sonho e de ambição, com o condão de transformar um pobre comerciante num homem rico e respeitado. Com os aventureiros meio piratas, meio comerciantes também embarcarem religiosos, ávidos pela conversão, sedentos pela salvação do outro. Também eles encontrarão no Japão o lugar ideal para a propagação do cristianismo. E a história continua... flui como água... e, tragicamente, ou ironicamente, imita a metáfora de Adão e Eva no Paraíso. Tanto os comerciantes como os religiosos que os seguiram e guiaram não souberam ler os sinais dos tempos... e comeram esse fruto mais maldito do que proibido, composto por intrigas políticas e do fanatismo religioso. As portas do Paraíso fecham-se inesperadamente e as relações entre os portugueses e os japoneses terminam em 1640. Nesse ano, a 3 de agosto, ocorrerão as sessenta e uma decapitações simultâneas dos membros da embaixada portuguesa, entre elas as dos quatro embaixadores. Existirão mais algumas tentativas pontuais de reabertura, mas o Japão ficará oficialmente fechado aos portugueses até ao dia 3 de agosto de 1860, data em que o Tratado de Paz, Amizade e Comércio entre Portugal e o Japão seria celebrado. O primeiro agente diplomático nomeado para residir no Japão seria o macaense José Loureiro.
Outro período que marcará as relações Portugal-Japão será o ano de 1916, com a abertura do primeiro curso de Português na futura Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio. Ouvi dizer pelos antigos que era um curso nocturno como a longa noite que separou estes dois países por mais de dois séculos. Sei, por curiosidade que decidi satisfazer, que o primeiro professor luso foi Abrantes Pinto, o qual trabalhou na referida instituição de 1917 a 1965. Hoje, cerca de 200 alunos estudam português, distribuídos por diversos anos, e por cursos de mestrado e doutoramento. Existem muitos outros não contabilizados que apesar de registados noutros cursos também querem aprender português. É sobre esses alunos que eu gostaria de falar. Esses meninos e meninas com cara de adultos são, na sua generalidade, extremamente tímidos e reservados. Dizem-me que gostam de Portugal, da sua cultura e da sua língua. Querem conhecê-lo através de mim. São o meu espelho e a minha ponte. Eles desconhecem que também eu tento conhecer o Japão através deles. É o meu segredo... Foi com eles que aprendi a apaixonar-me por este lugar chamado Japão e, ao mesmo tempo, a amar as oito letras que compõem esta estranha e cada vez mais longínqua palavra chamada "Portugal".
Professor Associado na Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio
28 DE FEVEREIRO DE 2017
00:00
Lúcio de Sousa
Diário de Notícias
Muitos jovens japoneses, nos primeiros anos de universidade, escolhem esse canto da Europa com entusiasmo para viverem um ano. Vejo-os regressar bem diferentes e não os reconheço. Sinto que Portugal não foi apenas um país de acolhimento, foi também uma espécie de crisálida onde puderam renascer. O mesmo acontece com os portugueses que vêm para o Japão e escolhem este país como segundo berço. Não são muitos os que aqui permanecem porque quando se chega é fácil, mas com o tempo, as pétalas das famosas cerejeiras japonesas vão caindo e revelam o tronco nu deste país. É uma sociedade complexa e muito exigente. A aparente delicadeza esconde uma firmeza e uma perseverança extraordinárias. Poucos conseguem enfrentar esse espartilho social. Para se sobreviver no Japão não basta fazer bem, tem de ser perfeito, e, como todos sabemos, a perfeição é uma sombra enganadora que nunca se materializa. Li muitas cartas e livros que viajantes estrangeiros escreveram sobre o Japão. Todos eles queriam desvendar o verdadeiro carácter que se esconde por detrás da aparência cuidadosamente elaborada desta sociedade. A meu ver, a maior parte deles falharam. Isto porque o carácter japonês que se esconde atrás da máscara é também parte da máscara. O tronco também faz parte das pétalas de cerejeira. Ambos, em breves dias de primavera, harmonizam o antigo e o moderno. O Japão tem nesta balança da harmonia uma beleza invulgar e fulgurante. É extraordinário ver um templo plurissecular, completamente integrado entre edifícios recentemente construídos, com uma arquitetura de cortar a respiração. Chãos, imaculadamente limpos, em que nos podemos espelhar. Montras que não são simples mostruários, mas pequenos museus de detalhes. Por vezes penso, nas minhas divagações, que para um arquiteto a ideia mais próxima de Paraíso seria Tóquio e o seu labirinto infinito de linhas.
Retomando o tópico das relações Portugal-Japão, parece-me que mais importante do que compreender a contribuição de Portugal para a história do Japão, é entender que esta presença ocidental foi acidental, assim como transformar este "o" em "a" e atribuir às restantes letras que compõem esta palavra um significado completamente diferente. Penso que nenhum português que partiu para o Japão sabia de antemão que ia ser transformado no destino em algo diferente. Acredito também que os primeiros portugueses que se estabeleceram no Japão, aventureiros meio piratas, meio comerciantes, chegaram a este lugar porque não tinham alternativa. Porque era aqui que terminava a diáspora espontânea. Com a fundação de Macau, estes portugueses foragidos consumiram anualmente, durante quase cem anos, a oportunidade de enriquecimento fácil. Tornaram-se intermediários comerciais entre o Japão e a China. Convém não esquecer que foi através dos escritos de António de Galvão, um dos primeiros autores a relatar a chegada dos portugueses ao Japão, que a lenda de Zipangu relatada por Marco Polo a Rustichello da Pisa se tornou realidade. Em poucos anos, o Japão transforma-se num lugar de sonho e de ambição, com o condão de transformar um pobre comerciante num homem rico e respeitado. Com os aventureiros meio piratas, meio comerciantes também embarcarem religiosos, ávidos pela conversão, sedentos pela salvação do outro. Também eles encontrarão no Japão o lugar ideal para a propagação do cristianismo. E a história continua... flui como água... e, tragicamente, ou ironicamente, imita a metáfora de Adão e Eva no Paraíso. Tanto os comerciantes como os religiosos que os seguiram e guiaram não souberam ler os sinais dos tempos... e comeram esse fruto mais maldito do que proibido, composto por intrigas políticas e do fanatismo religioso. As portas do Paraíso fecham-se inesperadamente e as relações entre os portugueses e os japoneses terminam em 1640. Nesse ano, a 3 de agosto, ocorrerão as sessenta e uma decapitações simultâneas dos membros da embaixada portuguesa, entre elas as dos quatro embaixadores. Existirão mais algumas tentativas pontuais de reabertura, mas o Japão ficará oficialmente fechado aos portugueses até ao dia 3 de agosto de 1860, data em que o Tratado de Paz, Amizade e Comércio entre Portugal e o Japão seria celebrado. O primeiro agente diplomático nomeado para residir no Japão seria o macaense José Loureiro.
Outro período que marcará as relações Portugal-Japão será o ano de 1916, com a abertura do primeiro curso de Português na futura Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio. Ouvi dizer pelos antigos que era um curso nocturno como a longa noite que separou estes dois países por mais de dois séculos. Sei, por curiosidade que decidi satisfazer, que o primeiro professor luso foi Abrantes Pinto, o qual trabalhou na referida instituição de 1917 a 1965. Hoje, cerca de 200 alunos estudam português, distribuídos por diversos anos, e por cursos de mestrado e doutoramento. Existem muitos outros não contabilizados que apesar de registados noutros cursos também querem aprender português. É sobre esses alunos que eu gostaria de falar. Esses meninos e meninas com cara de adultos são, na sua generalidade, extremamente tímidos e reservados. Dizem-me que gostam de Portugal, da sua cultura e da sua língua. Querem conhecê-lo através de mim. São o meu espelho e a minha ponte. Eles desconhecem que também eu tento conhecer o Japão através deles. É o meu segredo... Foi com eles que aprendi a apaixonar-me por este lugar chamado Japão e, ao mesmo tempo, a amar as oito letras que compõem esta estranha e cada vez mais longínqua palavra chamada "Portugal".
Professor Associado na Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio
28 DE FEVEREIRO DE 2017
00:00
Lúcio de Sousa
Diário de Notícias
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