Um país excitado, bipolarizado e irracional

A última vez que isto aconteceu foi na época Outono/Inverno 1985-1986. Na altura a esquerda gritava que, caso Freitas do Amaral fosse eleito Presidente da República, vinha aí “o fascismo”. Pobre professor Freitas do Amaral, hoje tão bem recebido nas famílias políticas daqueles que há 30 anos lhe chamavam “fascista”. 

Três décadas depois, a bipolarização regressou aos níveis de stresse e ansiedade desses tempos. A discussão está ao nível de chamar ao professor Freitas do Amaral “fascista”.

O primeiro-ministro, numa febre exaltada rara nele, propôs ontem uma revisão constitucional para antecipar as eleições legislativas, por forma a impedir “o golpe político”. É natural que o primeiro-ministro esteja frustrado por, depois de ter visto a coligação obter uns inesperados 38% nas legislativas, não ter conseguido obter uma maioria parlamentar que lhe permitisse aprovar o programa do seu governo. A frustração é natural, a acusação de “golpe político” é um absurdo. O que o PS está a fazer – com o apoio do Bloco de Esquerda e do PCP – está na Constituição da República que todos juraram. A ideia de que as coisas são ilegítimas porque nunca aconteceram é um desconchavo. Se está na lei fundamental, é legítima. O que ontem disse Passos Coelho é o equivalente a chamar fascista ao professor Freitas do Amaral.

O problema da bipolarização excessiva é que cria um clima propenso à irracionalidade. Se há um exagero manifesto à esquerda (onde só falta comparar a queda do governo com o 25 de Abril) sobre as “hipóteses de felicidade” num governo que está tão amarrado ao Tratado Orçamental como este que está em funções, a direita vive dias de delírio. Até aqui a palavra de ordem era que com um governo PS “viria aí um segundo resgate” e “o país voltava a entrar em falência”. Na quarta-feira deu-se uma reviravolta: Portas veio queixar-se de que afinal as pensões vão aumentar pouco, o que quer dizer que afinal o Estado vai gastar pouco. Ou não vai gastar tanto como a direita o acusa de querer gastar. O debate não está fácil.

Ana Sá Lopes 
Política
ana.lopes@ionline.pt 
Jornal i