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A recuperação económica de Itália não é o que parece
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A recuperação económica de Itália não é o que parece
Yoram Gutgeld fez, na semana passada, uma das declarações económicas mais espantosas que eu ouvi desde há muito tempo. O conselheiro do primeiro-ministro Matteo Renzi disse numa entrevista que a economia de Itália estava imune aos desenvolvimentos globais durante os próximos 12 a 24 meses devido à baixa de impostos e às reformas levadas a cabo pelo atual governo.
A ideia de que um clube G7 de países ricos esteja imune à economia global é ridícula. Estamos no século XXI. Claro que o Sr. Gutgeld pode ter falado como o conselheiro do primeiro-ministro. Faz parte do trabalho dele. Mas o que me preocupa é que o governo italiano não está preparado para quando o impacto do abrandamento na economia da China e dos mercados emergentes atingir a Europa. Os números preliminares de sexta-feira para o produto interno bruto da zona euro mostram que o abrandamento já começou. As taxas de crescimento trimestrais têm vindo a cair: de 0,4% no primeiro trimestre para 0,3% no segundo e 0,2% no terceiro.
A capacidade da Itália para manter uma taxa de crescimento saudável é crucial - para a estabilidade política do país, para a sua juventude sem esperança de encontrar trabalho, para a sustentabilidade da dívida e, em especial, para o seu futuro na zona euro. O euro só trouxe estagnação a Itália. O PIB real está agora ao mesmo nível do início de 2000, um ano depois do lançamento do euro. O PIB atual está 9%, abaixo do nível pré-crise, no início de 2008.
Se o país fracassar a recuperar fortemente desta recessão, é difícil ver como é que poderá ficar na zona euro. A certo ponto pode bem ser do indiscutível interesse económico do país sair e desvalorizar a moeda. Por isso, quando perguntamos se a recuperação económica é sustentável, não estamos a ter uma conversa técnica sobre economia. Estamos a falar sobre o futuro da Itália na Europa. Há três razões para eu estar cético. A primeira está evidente nos dados do PIB da última sexta-feira. A Itália não é exceção.
A segunda razão é a falta de reestruturação dos bancos italianos. O somatório do crédito de cobrança duvidosa é de cerca de 10% em relação à totalidade dos empréstimos, o que está perto do nível máximo do ciclo atual. Muitos dos bancos de pequeno e médio porte estão, de facto, insolventes. A limpeza do sistema bancário - no seguimento da crise de 2008 e das duas recessões subsequentes - ainda está para acontecer. Se acontecer, ocorrerá num ambiente regulatório muito mais rígido. As regras de bailin (em que os próprios acionistas e grandes depositantes assumem a perda de parte dos créditos ao verem a dívida anulada) da UE entram em vigor a partir do próximo ano. Então, o governo italiano deixará simplesmente de poder resgatar bancos se não fizer os acionistas e os depositantes pagarem primeiro. Poderemos ter a certeza de que os bancos decadentes continuarão a sustentar a recuperação neste ambiente?
A minha terceira preocupação são as opções de política orçamental do Sr. Renzi. A sua prioridade tem sido a de que aquelas criem mais vencedores do que perdedores. Isto foi exatamente o que Silvio Berlusconi fez enquanto primeiro-ministro. E não deverá ser surpresa se o Sr. Renzi acabar com políticas semelhantes. Em vez de reformar a administração pública ou a justiça, ele optou por um corte no IMI. Isso irá fazê-lo ganhar votos, mas não vai levar a uma mudança na economia. Já passámos por isto antes.
O perigo desta estratégia é que pode correr horrivelmente mal se o choque económico for suficientemente grande e o setor bancário suficientemente fraco. Nas projeções atuais, o défice orçamental da Itália para 2016 estará entre os 2,2% e os 2,4%, dependendo da forma como forem contabilizados os custos da resposta à crise dos refugiados. Isto inclui cláusulas de flexibilidade que Roma negociou com a Comissão Europeia para ter em conta esse custo. A meta original para o défice seria de 1,4% para 2016, mas a UE permitiu uma maior margem devido às reformas económicas.
Não tenho nenhuma objeção a qualquer medida para afrouxar o aperto da austeridade. Mas se o abrandamento vier juntamente com uma crise bancária, os 2,4% podem facilmente transformar-se em 3,4% ou 4,4%. Nesse ponto toda a flexibilidade parará abruptamente. A Itália terá novamente de apertar as políticas com a desaceleração económica.
Outro governo "técnico" não eleito pode assumir o poder. A Itália pode nunca optar por deixar a zona euro por razões políticas. Mas, se os cálculos do Sr. Renzi mostrarem estar errados, a Itália chegará ao ponto em que será racional sair por razões económicas.
16 DE NOVEMBRO DE 2015
00:04
Wolfgang Münchau
Diário de Notícias
A ideia de que um clube G7 de países ricos esteja imune à economia global é ridícula. Estamos no século XXI. Claro que o Sr. Gutgeld pode ter falado como o conselheiro do primeiro-ministro. Faz parte do trabalho dele. Mas o que me preocupa é que o governo italiano não está preparado para quando o impacto do abrandamento na economia da China e dos mercados emergentes atingir a Europa. Os números preliminares de sexta-feira para o produto interno bruto da zona euro mostram que o abrandamento já começou. As taxas de crescimento trimestrais têm vindo a cair: de 0,4% no primeiro trimestre para 0,3% no segundo e 0,2% no terceiro.
A capacidade da Itália para manter uma taxa de crescimento saudável é crucial - para a estabilidade política do país, para a sua juventude sem esperança de encontrar trabalho, para a sustentabilidade da dívida e, em especial, para o seu futuro na zona euro. O euro só trouxe estagnação a Itália. O PIB real está agora ao mesmo nível do início de 2000, um ano depois do lançamento do euro. O PIB atual está 9%, abaixo do nível pré-crise, no início de 2008.
Se o país fracassar a recuperar fortemente desta recessão, é difícil ver como é que poderá ficar na zona euro. A certo ponto pode bem ser do indiscutível interesse económico do país sair e desvalorizar a moeda. Por isso, quando perguntamos se a recuperação económica é sustentável, não estamos a ter uma conversa técnica sobre economia. Estamos a falar sobre o futuro da Itália na Europa. Há três razões para eu estar cético. A primeira está evidente nos dados do PIB da última sexta-feira. A Itália não é exceção.
A segunda razão é a falta de reestruturação dos bancos italianos. O somatório do crédito de cobrança duvidosa é de cerca de 10% em relação à totalidade dos empréstimos, o que está perto do nível máximo do ciclo atual. Muitos dos bancos de pequeno e médio porte estão, de facto, insolventes. A limpeza do sistema bancário - no seguimento da crise de 2008 e das duas recessões subsequentes - ainda está para acontecer. Se acontecer, ocorrerá num ambiente regulatório muito mais rígido. As regras de bailin (em que os próprios acionistas e grandes depositantes assumem a perda de parte dos créditos ao verem a dívida anulada) da UE entram em vigor a partir do próximo ano. Então, o governo italiano deixará simplesmente de poder resgatar bancos se não fizer os acionistas e os depositantes pagarem primeiro. Poderemos ter a certeza de que os bancos decadentes continuarão a sustentar a recuperação neste ambiente?
A minha terceira preocupação são as opções de política orçamental do Sr. Renzi. A sua prioridade tem sido a de que aquelas criem mais vencedores do que perdedores. Isto foi exatamente o que Silvio Berlusconi fez enquanto primeiro-ministro. E não deverá ser surpresa se o Sr. Renzi acabar com políticas semelhantes. Em vez de reformar a administração pública ou a justiça, ele optou por um corte no IMI. Isso irá fazê-lo ganhar votos, mas não vai levar a uma mudança na economia. Já passámos por isto antes.
O perigo desta estratégia é que pode correr horrivelmente mal se o choque económico for suficientemente grande e o setor bancário suficientemente fraco. Nas projeções atuais, o défice orçamental da Itália para 2016 estará entre os 2,2% e os 2,4%, dependendo da forma como forem contabilizados os custos da resposta à crise dos refugiados. Isto inclui cláusulas de flexibilidade que Roma negociou com a Comissão Europeia para ter em conta esse custo. A meta original para o défice seria de 1,4% para 2016, mas a UE permitiu uma maior margem devido às reformas económicas.
Não tenho nenhuma objeção a qualquer medida para afrouxar o aperto da austeridade. Mas se o abrandamento vier juntamente com uma crise bancária, os 2,4% podem facilmente transformar-se em 3,4% ou 4,4%. Nesse ponto toda a flexibilidade parará abruptamente. A Itália terá novamente de apertar as políticas com a desaceleração económica.
Outro governo "técnico" não eleito pode assumir o poder. A Itália pode nunca optar por deixar a zona euro por razões políticas. Mas, se os cálculos do Sr. Renzi mostrarem estar errados, a Itália chegará ao ponto em que será racional sair por razões económicas.
16 DE NOVEMBRO DE 2015
00:04
Wolfgang Münchau
Diário de Notícias
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