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Alentejo, esta terra que amamos
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Alentejo, esta terra que amamos
É um velhote empoleirado numa motorizada Famel, a percorrer uma reta sem fim. É o povo que leva um banco para a rua e se junta a apanhar sol no largo da aldeia. É o homem que tem sempre uma navalha no bolso e usa-a para cortar pão e queijo e presunto. É o copo de três que se vira na taberna, até alguém começar a puxar o cante. É a cal na parede. E é o caldo na mesa. Dificilmente haverá melhor lugar para sentir uma terra prometida do que a margem esquerda do Guadiana. É tão grande o Alentejo.
Amália pode ter apresentado este Alentejo ao mundo, mas quem compôs a cantiga foi Luís Piçarra, o mesmo que escreveu o hino do Benfica. Depois o povo encarregou-se de torná--lo seu, que é como quem diz que fez da moda cante. «Lá vai Serpa, lá vai Moura, e as Pias ficam no meio.» Pois são os filhos do meio que a entoam agora, na Taberna dos Camponeses, em Pias. Podemos começar aqui a reportagem, na metade do caminho. Cumprindo a Estrada Nacional 255, que vai de Serpa a Moura pela margem esquerda do Guadiana. É a única altura em que o rio é todo português e é aquele cantinho de Portugal que é fácil esquecer, como se a água escondesse o que vai para leste do Alqueva. «Pode chover lá para Beja, mas a tempestade nunca passa o rio», conta António Lebre à porta da tasca, ele que comanda a banda. «Nós sabemos bem o que diz o céu, mas o céu não se mete connosco. Tem medo, o sacana.» E parte-se a rir.
Os homens aterraram aqui ao fim da tarde, depois de uma jorna a amanharem os campos. Aglomeram-se junto ao balcão para dar voz ao lamento - e agora despejam copos de três. Está aqui o Alentejo todinho, homens de barba rija a escorregar para o lamento, dureza e ternura nas mesmas vozes. «Fundámos o grupo coral e depois os nossos filhos vieram atrás. Agora há um grupo de mulheres, também», diz Lebre. Lá vai Serpa, lá vai Moura, e as Pias ficam no meio. «Nós somos daqui e gostamos de ser daqui. Há lá terra melhor do que a nossa?»
Chegou o tempo dos espargos, e o dos cogumelos também. No fim do inverno, a terra oferece petisco e o povo corre atrás da alegria. «Fica tudo doido», diz Paulo Pereira, que é meio antropólogo, meio músico. Gravou álbuns com grupos de cante, outros a solo, e mais uns com artistas reputados da praça.
Num festival dedicado à silarca, uma espécie de cogumelo que cresce debaixo do olival, ele explica o território assim: «O Alentejo é horizonte, e aqui até as árvores são horizontais. Há alcance, há vista. E por isso o povo ficou condenado a um modo de vida contemplativo. As pessoas não são religiosas mas são capazes de adorar uma pedra, ou uma árvore. Admiram- -se e comovem-se com pormenores desses. O alentejano é dessa raça de gente que enaltece as coisas pequenas.»
A atenção aos pormenores, sim, talvez isso explique a alma dos alentejanos. Um exemplo: numa tasca de Serpa, o Café Engrola, Isabel Engrola pormenoriza o assado da febra. Tem de ficar crocante mas não queimada, e se passar do ponto não se serve a ninguém. Para a mesa desfilam migas, feijão com espinafres, uma tomatada de ir às lágrimas. «Estamos sempre cheios, já pensámos abrir um espaço maior. Mas depois deixávamos de cozinhar com amor, e se não for por amor porque é que havemos de cozinhar? Nem pensar.»
Luís Afonso, nome maior da ilustração portuguesa, vive aqui. Na verdade é de Aljustrel, terra de mineiros, uns bons quilómetros para poente. Mas, como toda a gente deste lado do Guadiana, tem um sentido de humor refinado. Pede um jarrito de vinho, 25 centilitros. «Venha um Marques Mendes.» E vem. «Quem inventou as anedotas dos alentejanos foram os alentejanos», explica, e quantas vezes não ouviu o povo a rir de si próprio nas tabernas. «Gozar com o citadino que vem ao campo seria demasiado fácil. Cá eu prefiro contar o que disse o meu filho quando viu pela primeira vez um urso-polar no jardim zoológico: "Olha, é uma ovelha!"»
Tem mais de 20 anos de Serpa, Paula Estorninho, mas para o resto da cidade ela ainda veio de fora. Cresceu em Moçambique, e depois em Lisboa, mudou-se para a região e nunca mais saiu. É arquiteta do município, nos tempos livres fabrica bonecas com materiais que a terra lhe oferece - bolotas, caracóis, penas de galinha. Montou atelier em casa, e às vezes recebe visitas de curiosos num pátio azul e acolhedor. «Além de estar agora a fazer uma série de bonecas alentejanas, tenho de meter um bocadinho de Alentejo em tudo. Então há alguma malandrice requintada, que é uma coisa muito daqui. Nada demasiado óbvio, porque o humor desta gente é subtil.» Então, debaixo das saias das bonecas, Paula coze um passarinho de pano. Ou, especificando, uma fêmea de passarinho.
O humor, sem dúvida, mas também a dureza da terra corre no sangue alentejano. As próprias queijadas de Serpa são uma instituição de combate à pobreza. «Era receita de freiras, só se comia em dias de casamento», começa Ana Paixão, que tem 26 anos e comanda a casa que tem o apelido da família, na praça do município. «Em 1977, a minha avó aprendeu a fazê-las e começou a vender aos vizinhos. Ela e o meu avô estavam desempregados, safaram-se assim, mataram a fome. Depois foi crescendo.» Hoje há várias casas a repetir a fórmula, mas este mito gastronómico foi engenho nascido de necessidade.
Ler e ver mais - http://www.dn.pt/evasoes/fim-de-semana/interior/alentejo-esta-terra-que-amamos-5072330.html
11 DE MARÇO DE 2016
13:57
Ricardo J. Rodrigues
Diário de Notícias
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