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Uma lógica progressiva do comércio
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Uma lógica progressiva do comércio
O sistema de comércio global é hoje conduzido por uma peculiar lógica mercantilista: tu reduzes as tuas barreiras e, em troca, eu reduzo as minhas. Esta abordagem tem sido notavelmente bem-sucedida na promoção da expansão do comércio, mas tem pouca justificação económica.
O sistema de comércio global nunca foi muito popular nos Estados Unidos. Nem a Organização Mundial do Comércio nem os numerosos acordos comerciais regionais como o Acordo de Livre Comércio da América do Norte e a Parceria Transpacífico tiveram muito apoio da opinião pública. Mas a oposição, ainda que ampla, foi difusa.
A diferença, hoje em dia, é que o comércio internacional está no centro do debate político. Os candidatos presidenciais norte-americanos Bernie Sanders e Donald Trump tornaram a oposição a esses acordos numa peça fundamental das suas campanhas. E, a julgar pelo tom dos outros candidatos, defender a globalização no clima política actual é um suicídio eleitoral.
A retórica populista sobre o comércio pode ser excessiva, mas poucos negam que as reclamações subjacentes são reais. A globalização não beneficiou todos por igual. Muitas famílias trabalhadoras foram devastadas pelo impacto das importações de baixo custo da China e de outros países. E os grandes vencedores foram os financiadores e profissionais qualificados que podem beneficiar da ampliação dos mercados. Ainda que a globalização não tenha sido o único responsável (nem o mais importante) pelo aumento da desigualdade nas economias avançadas, o seu contributo é inegável.
O que dá ao comércio uma particular relevância política é o facto de, muitas vezes, levantar questões de equidade que outro grande factor de desigualdade – a tecnologia – não levanta. Se perco o meu emprego porque o meu concorrente inova e introduz um produto melhor, não tenho motivos para reclamar. Mas se esse concorrente faz isso através do outsourcing de empresas no exterior que fazem coisas que seriam ilegais aqui - por exemplo, impedir os seus trabalhadores de se organizar e negociar colectivamente – tenho sérios motivos para protestar.
Sanders tem defendido vigorosamente a renegociação dos acordos de comércio para que reflictam melhor os interesses dos trabalhadores. Mas os seus argumentos chocam directamente com a ideia de que qualquer impasse ou reversão dos acordos comerciais prejudicaria as populações mais pobres do mundo, diminuindo a sua perspectiva de escapar à pobreza através de um crescimento liderado pelas exportações. "Se é pobre noutro país, esta é a coisa mais assustadora que Bernie Sanders disse", lia-se numa manchete do Vox.com, um site noticioso popular e, normalmente, sóbrio.
Mas as regras comerciais que são mais sensíveis às preocupações sociais e de equidade nos países avançados não estão necessariamente em conflito com o crescimento económico nos países pobres. Os entusiastas da globalização prejudicam consideravelmente a sua causa ao formularem a questão como uma escolha difícil entre os acordos comerciais existentes e a persistência da pobreza global. E os progressistas colocam-se desnecessariamente num dilema indesejável.
Em primeiro lugar, a narrativa tradicional sobre como o comércio beneficiou as economias em desenvolvimento omite uma característica crucial da sua experiência. Os países que conseguiram aproveitar a globalização, como a China e o Vietname, empregaram uma estratégia mista de promoção das exportações e uma variedade de políticas que violam as regras comerciais em vigor. Subsídios, regulamentos de investimento e, sim, muitas barreiras à importação foram fundamentais para a criação de indústrias novas e de maior valor. Países que dependem apenas do livre comércio (o México vem imediatamente à mente) têm definhado.
É por isso que os acordos comerciais que apertam as regras são, na verdade, uma faca de dois gumes para os países em desenvolvimento. A China não teria sido capaz de prosseguir a sua estratégia de industrialização fenomenalmente bem-sucedida se o país tivesse sido restringido por regras ao estilo da OMC durante os anos 1980 e 1990. Com a Parceria Transpacífico, o Vietname recebe alguma garantia de acesso contínuo ao mercado dos EUA (as barreiras existentes no lado dos EUA já são bastante baixas), mas em troca tem que se submeter a restrições ao nível dos subsídios, regras sobre patentes e regulação do investimento.
Em segundo lugar, não há antecedentes históricos que sugiram que os países pobres necessitam da anulação ou de uma grande diminuição das barreiras nas economias avançadas para poderem beneficiar, de forma mais ampla, da globalização. Na verdade, as experiências mais fenomenais de crescimento impulsionado pelas exportações - Japão, Coreia do Sul, Taiwan e China - ocorreram quando as tarifas de importação nos EUA e Europa estavam em níveis moderados, e até superiores ao que estão hoje em dia.
Para os progressistas que se preocupam tanto com a desigualdade nos países ricos e com a pobreza no resto do mundo, a boa notícia é que é realmente possível avançar em ambas as frentes. Mas, para isso, temos de transformar de forma drástica a nossa abordagem aos acordos comerciais.
O sistema de comércio global é hoje conduzido por uma peculiar lógica mercantilista: tu reduzes as tuas barreiras e, em troca, eu reduzo as minhas. Esta abordagem tem sido notavelmente bem-sucedida na promoção da expansão do comércio, mas tem pouca justificação económica. Agora que a economia mundial já está muito aberta, a "troca de acesso ao mercado" provoca mais problemas do que aqueles que resolve.
É hora de adoptar uma lógica diferente, a de "troca de espaço de políticas". Tanto os países pobres como os países ricos precisam de conquistar um espaço maior para a prossecução dos respectivos objectivos. Os primeiros precisam de reestruturar as suas economias e promover novas indústrias, e os segundos necessitam de abordar as questões da desigualdade e da justiça distributiva. Mas para isso é preciso colocar alguma areia nas engrenagens da globalização.
A melhor forma de alcançar esta reengenharia institucional seria a reescrever as regras multilaterais. Por exemplo, a cláusula de "salvaguardas" da OMC poderia ser ampliada para permitir a imposição de restrições comerciais nos casos em que as importações entram comprovadamente em conflito com as normas sociais internas (dou mais detalhes sobre este tema no meu livro "O Paradoxo da Globalização"). Da mesma forma, os acordos comerciais poderiam incorporar uma "caixa de desenvolvimento" que desse aos países pobres a autonomia necessária para prosseguirem a diversificação económica.
Os progressistas não devem aderir a uma narrativa falsa e contraproducente que define os interesses dos pobres contra os interesses das classes média e baixa dos países ricos. Com alguma imaginação institucional, o sistema de comércio global pode ser reformado para benefício de todos.
Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na John F. Kennedy School of Government da Universidade de Harvard, é o autor de "Economics Rules: The Rights and Wrongs of the Dismal Science".
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria
DANI RODRIK | 08 Maio 2016, 20:30
Negócios
O sistema de comércio global nunca foi muito popular nos Estados Unidos. Nem a Organização Mundial do Comércio nem os numerosos acordos comerciais regionais como o Acordo de Livre Comércio da América do Norte e a Parceria Transpacífico tiveram muito apoio da opinião pública. Mas a oposição, ainda que ampla, foi difusa.
A diferença, hoje em dia, é que o comércio internacional está no centro do debate político. Os candidatos presidenciais norte-americanos Bernie Sanders e Donald Trump tornaram a oposição a esses acordos numa peça fundamental das suas campanhas. E, a julgar pelo tom dos outros candidatos, defender a globalização no clima política actual é um suicídio eleitoral.
A retórica populista sobre o comércio pode ser excessiva, mas poucos negam que as reclamações subjacentes são reais. A globalização não beneficiou todos por igual. Muitas famílias trabalhadoras foram devastadas pelo impacto das importações de baixo custo da China e de outros países. E os grandes vencedores foram os financiadores e profissionais qualificados que podem beneficiar da ampliação dos mercados. Ainda que a globalização não tenha sido o único responsável (nem o mais importante) pelo aumento da desigualdade nas economias avançadas, o seu contributo é inegável.
O que dá ao comércio uma particular relevância política é o facto de, muitas vezes, levantar questões de equidade que outro grande factor de desigualdade – a tecnologia – não levanta. Se perco o meu emprego porque o meu concorrente inova e introduz um produto melhor, não tenho motivos para reclamar. Mas se esse concorrente faz isso através do outsourcing de empresas no exterior que fazem coisas que seriam ilegais aqui - por exemplo, impedir os seus trabalhadores de se organizar e negociar colectivamente – tenho sérios motivos para protestar.
Sanders tem defendido vigorosamente a renegociação dos acordos de comércio para que reflictam melhor os interesses dos trabalhadores. Mas os seus argumentos chocam directamente com a ideia de que qualquer impasse ou reversão dos acordos comerciais prejudicaria as populações mais pobres do mundo, diminuindo a sua perspectiva de escapar à pobreza através de um crescimento liderado pelas exportações. "Se é pobre noutro país, esta é a coisa mais assustadora que Bernie Sanders disse", lia-se numa manchete do Vox.com, um site noticioso popular e, normalmente, sóbrio.
Mas as regras comerciais que são mais sensíveis às preocupações sociais e de equidade nos países avançados não estão necessariamente em conflito com o crescimento económico nos países pobres. Os entusiastas da globalização prejudicam consideravelmente a sua causa ao formularem a questão como uma escolha difícil entre os acordos comerciais existentes e a persistência da pobreza global. E os progressistas colocam-se desnecessariamente num dilema indesejável.
Em primeiro lugar, a narrativa tradicional sobre como o comércio beneficiou as economias em desenvolvimento omite uma característica crucial da sua experiência. Os países que conseguiram aproveitar a globalização, como a China e o Vietname, empregaram uma estratégia mista de promoção das exportações e uma variedade de políticas que violam as regras comerciais em vigor. Subsídios, regulamentos de investimento e, sim, muitas barreiras à importação foram fundamentais para a criação de indústrias novas e de maior valor. Países que dependem apenas do livre comércio (o México vem imediatamente à mente) têm definhado.
É por isso que os acordos comerciais que apertam as regras são, na verdade, uma faca de dois gumes para os países em desenvolvimento. A China não teria sido capaz de prosseguir a sua estratégia de industrialização fenomenalmente bem-sucedida se o país tivesse sido restringido por regras ao estilo da OMC durante os anos 1980 e 1990. Com a Parceria Transpacífico, o Vietname recebe alguma garantia de acesso contínuo ao mercado dos EUA (as barreiras existentes no lado dos EUA já são bastante baixas), mas em troca tem que se submeter a restrições ao nível dos subsídios, regras sobre patentes e regulação do investimento.
Em segundo lugar, não há antecedentes históricos que sugiram que os países pobres necessitam da anulação ou de uma grande diminuição das barreiras nas economias avançadas para poderem beneficiar, de forma mais ampla, da globalização. Na verdade, as experiências mais fenomenais de crescimento impulsionado pelas exportações - Japão, Coreia do Sul, Taiwan e China - ocorreram quando as tarifas de importação nos EUA e Europa estavam em níveis moderados, e até superiores ao que estão hoje em dia.
Para os progressistas que se preocupam tanto com a desigualdade nos países ricos e com a pobreza no resto do mundo, a boa notícia é que é realmente possível avançar em ambas as frentes. Mas, para isso, temos de transformar de forma drástica a nossa abordagem aos acordos comerciais.
O sistema de comércio global é hoje conduzido por uma peculiar lógica mercantilista: tu reduzes as tuas barreiras e, em troca, eu reduzo as minhas. Esta abordagem tem sido notavelmente bem-sucedida na promoção da expansão do comércio, mas tem pouca justificação económica. Agora que a economia mundial já está muito aberta, a "troca de acesso ao mercado" provoca mais problemas do que aqueles que resolve.
É hora de adoptar uma lógica diferente, a de "troca de espaço de políticas". Tanto os países pobres como os países ricos precisam de conquistar um espaço maior para a prossecução dos respectivos objectivos. Os primeiros precisam de reestruturar as suas economias e promover novas indústrias, e os segundos necessitam de abordar as questões da desigualdade e da justiça distributiva. Mas para isso é preciso colocar alguma areia nas engrenagens da globalização.
A melhor forma de alcançar esta reengenharia institucional seria a reescrever as regras multilaterais. Por exemplo, a cláusula de "salvaguardas" da OMC poderia ser ampliada para permitir a imposição de restrições comerciais nos casos em que as importações entram comprovadamente em conflito com as normas sociais internas (dou mais detalhes sobre este tema no meu livro "O Paradoxo da Globalização"). Da mesma forma, os acordos comerciais poderiam incorporar uma "caixa de desenvolvimento" que desse aos países pobres a autonomia necessária para prosseguirem a diversificação económica.
Os progressistas não devem aderir a uma narrativa falsa e contraproducente que define os interesses dos pobres contra os interesses das classes média e baixa dos países ricos. Com alguma imaginação institucional, o sistema de comércio global pode ser reformado para benefício de todos.
Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na John F. Kennedy School of Government da Universidade de Harvard, é o autor de "Economics Rules: The Rights and Wrongs of the Dismal Science".
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria
DANI RODRIK | 08 Maio 2016, 20:30
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