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A lógica do transepto

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A lógica do transepto Empty A lógica do transepto

Mensagem por Admin Ter Jul 19, 2016 9:36 am

A lógica do transepto New%20picture_453727101


Pronto, sei que me vão dizer que apesar de tudo Edorgan é um líder eleito, que o tempo dos golpes passou e mesmo os partidos da oposição declararam-se contra os revoltosos. Têm toda a razão. Mais uma vez é este meu feitio extremista a manifestar-se.

Para quem ficar admirado pelo título desta croniqueta avançarei duas breves explicações. Uma de natureza arquitetónica, outra mais ou menos sociopolítica. A primeira define o transepto como aquela parte da igreja, antes da capela-mor, que atravessa o corpo principal do templo conferindo-lhe a habitual forma de cruz. Explicitando melhor, seriam os seus braços! A segunda tem a ver comigo, com o especial modo – cheio de simpatia própria, como é evidente – como me defino. Sou, para todos os efeitos, um extremista conciliador. Não fora a lógica do transepto e poder-me-iam clamar a evidência da contradição dos termos. Mas eu explico. Porque não creio que as lógicas estruturais de uma sociedade sofram qualquer alteração de monta, sem que movimentos radicais as venham pôr violentamente em causa, coloco-me nos extremos; porque sei que tais movimentações obedecem a critérios específicos, não se fazem ou aparecem quando qualquer quer, só quando as condições objetivas tal possibilitam, vejo-me obrigado, nem que seja por tática, a contemporizar com medidas as quais não anulando o mal, pelo menos o travam ou diminuem-lhe os efeitos. Como se pode observar, qualquer dos casos exposto pode ser considerado como atravessamento do corpo principal das situações a expor.

Estarão, neste momento, a perguntar, mas o que é que este gajo quer dizer com este arrazoado? Simplesmente falar destas duas noites arrasadoras que o meios de comunicação social nos serviram e, a muitos, fez estar acordados, noite fora, na expectativa do entendimento ou consecução dos atos que em direto – ou quase – desfilavam perante os nossos olhos, na relativa incomodidade causada pelo posicionamento, de muitas horas, no descómodo do sofá. Já sei ser voz corrente as críticas, entre outros meios, às televisões sobre estes programas e, como muita gente vai dizendo – arranhando mal o conceito de Hannh Arendt – que tal só leva à “banalização do mal”. Pois, apesar da verborreia de alguns pivôs, da falta de conhecimentos sobre os fenómenos relatados, pese embora as profundas opiniões de puro senso comum de alguns doutos comentadores apanhados de surpresa, sem tempo para ilustrarem no vade-mécum do ofício a erudita parlenda a debitar, estou contra todas esses pareceres. O mal não se banaliza porque no-lo mostram, à hora de jantar, em maiores ou menores doses. Pode habituar-nos, é certo, mas apenas porque o mal já está, desde há muito, banalizado. Aquilo que nos mostram não é inventado como espetáculo para nos ser servido como distração. É o real a acontecer, debaixo dos nossos olhos e sim, também as variadas tentativas de interpretação ou manipulação do mesmo. Mas, para alguma coisa viemos providos de uma máquina de pensar. É caso para dizer, não culpem o mensageiro. Antes analisem a forma como transmite o conteúdo, que não fabricou, lhe foi transmitido por outrem, segundo a interpretação de alguém a servir interesses, por vezes, difíceis de destrinçar.

Este longo prólogo destina-se a situar-me na apresentação, como já devem ter presumido, do morticínio de Nice e dos acontecimentos na Turquia.

Comecemos pelo primeiro. Na corrida entre terroristas e forças da ordem, aqueles têm nítidas vantagens sobre estes. São eles quem determina o onde, o modo e o tempo. Claro que deveremos exigir aos serviços de informação um trabalho atento e eficaz, embora saibamos que é quase o mesmo que pedir à água que não molhe. Isto porque, para ser eficaz teria de haver empenhamento, meios e sobretudo partilha de informação. Se dos dois primeiros vai havendo o bastante, a última condição é quase insuperável. Nos serviços de inteligência a informação é poder. Não se cede, troca-se. Mesmo que os governos aflitos exijam tal barganha, haverá, a muitos níveis, resistências várias as quais, no mínimo, atrasarão o reconhecimento de gentes e probabilidades, permitindo, por vezes, que o pior aconteça. Por outro lado, o Euro exigiu um esforço sobre-humano às várias polícias e serviços de tratamento de informação. Claro, passado o evento, descontraíram e isto, sim, pode ter causado um erro técnico muito importante. Deveria saber-se que, não tendo havido nenhum atentado no decorrer do Euro, seria expetável que, logo a seguir, em local improvável onde houvesse aglomeração de pessoas, algo poderia acontecer. Não sou especialista, não disponho de informação privilegiada, mas em conversa familiar não deixei de, antes dos acontecimentos, levantar tal receio. Depois, não se percebe como, no local, a polícia permitiu o estacionamento por largo período e, posteriormente, a deslocação de um veículo pesado, sem qualquer designação de empresa, com a simples explicação de que estava ali para fornecer as empresas de gelados. Nem sequer verificaram o conteúdo do transporte, em tempo de estado de emergência declarado? Cá para mim isto chama-se negligência. A seu tempo algumas cabeças irão rolar. O chato é que os mortos não voltam e os feridos não o deixarão de ser e de sofrer todas as consequências do acontecido. Nos tempos que correm, não se pode dormir na forma. Muito menos quem tem o dever de assegurar a nossa tranquilidade.

Ainda mal refeito dos acontecimentos da noite anterior nova notícia obrigava os canais noticiosos a outra maratona. Golpe de Estado na Turquia. A Europa tremeu, os Estados Unidos ficaram mudos, a Rússia foi rápida a condenar. Nada ouvi dizer sobre a posição da China. Por todo o lado a mesma confusão. Havia tiros, passagens rasantes de caças, helicópteros a disparar sobre a multidão. Edorgan não está, está sim, senhor; Edorgan não conseguiu aterrar na Alemanha, Edorgan já está no Irão e por aí adiante. Pelos nossos olhos passavam imagens, ouvíamos os tiros e comentários cautelosos. Dois factos houve que me levaram a augurar mau resultado para os apoiantes do golpe. Um foi não se perceber como foi possível deixar passar o apelo do Presidente, na CNN turca, como as redes sociais puderam continuar utilizáveis, como foi tão fácil desalojarem as tropas insurrectas ocupantes da estação pública de televisão, porque seriam tão poucas as forças empenhadas naquele tão importante objetivo? O outro tem a ver com a notícia de um jato ter atingido um heli dos revoltosos. Tal facto denunciava divisão nas forças armadas. Somando-se a isto o apelo público feito por Edorgan para que o povo viesse, desarmado, enfrentando tanques, defender-lhe o lugar, sabendo estar a precipitar uma noite sangrenta, sob a moral do dito senhor, tudo fica dito. Só por curiosidade relembro que no 25 de Abril, o apelo dos militares era para que o povo se resguardasse em casa. Não queriam escudo humano a protege-los. Tomavam sobre si a responsabilidade e riscos da ação. Uma posição semelhante à tomada pelos revoltosos turcos, contrariada por Edorgan. Percebe-se bem quem tinha preocupações com o que pudesse acontecer ao Povo. De qualquer modo, quando os apoiantes do Presidente, aderindo às chamadas dele próprio e dos clérigos nas mesquitas saíram, em massa, às ruas, a revolta estava condenada.
No entanto, nesta altura, desconhecendo quem eram os golpistas e mal sabendo o que queriam e que forças tinham, comecei a ter por eles alguma simpatia (não se esqueçam que sou um extremista). Talvez porque não quiseram escudar-se na população; talvez porque poucos dispararam sobre os manifestantes – foi interessante perceber que grande parte dos mortos eram militares revoltosos que se negaram a atingir os populares, acabando mortos por eles -; talvez porque não tenho a mínima simpatia por Edorgan, nem pelo mal que tem feito ao seu país e mesmo à Europa com o comportamento dúbio sobre as tropas do Daesh; talvez porque, defeitos de um feitio republicano, defenda a separação de poderes, a laicidade do Estado; mesmo percebendo que não seria já possível ganhar a parada, desejava, bem no fundo do inconsciente que, sem derramamento de sangue, a revolta triunfasse. 

Pronto, sei que me vão dizer que apesar de tudo Edorgan é um líder eleito, que o tempo dos golpes passou e mesmo os partidos da oposição declararam-se contra os revoltosos. Têm toda a razão. Mais uma vez é este meu feitio extremista a manifestar-se. 

E não tinha razão!

Porque logo no dia seguinte, mostrando uma eficiência nunca conseguida no tratamento dos refugiados, ou na luta contra o dito estado islâmico, em pouco mais de oito horas, conseguiram detetar, investigar, prender, dois mil setecentos e cinquenta juízes, ligados aos revoltosos. Com uma polícia tão atuante, tão capaz, como se deixaram surpreender pelo golpe? Mistério que ficou a zunir-me na alma. E a eficiência continua. Pelas últimas notícias já lá vão mais de nove mil suspeitos. Suspeitos, uma ova! Pelos cânones que Edorgan quer introduzir e que a democracia nunca lhe concedeu, são já condenados só pelo facto de terem sido presos. Pois é verdade, voltemos à legitimidade eleitoral. Para além de a Constituição prever o direito – discutível, mas historicamente compreensível - dos militares tomarem o poder, quando ele se desviasse dos princípios basilares, coisa inegável porquanto todas as democracias vinham acusando o homem de estar a conduzir o país para a ditadura, de não respeitar direitos humanos, de prender jornalistas, fechar meios de comunicação que não cantassem no coro da sua igreja. Mas o facto é que tinha sido eleito! Ainda bem que Hitler tomou o poder por um golpe de estado e nunca, por nunca ser, recorreu a eleições, caso contrário ainda hoje estaria no poder (ou será que por outros meios não estará de volta?). Bem, isto sou eu a dizer, sabendo que estou a ser puxado por aquela costela extremista. No entanto, como também sou conciliador, não poderei deixar de concordar que sim, que está, democraticamente, a levar a Turquia para o abismo e, disparate, que temos nós a ver com isso, dado o senhor ter o largo apoio da maioria dos seus cidadãos? Têm toda a razão. Deixemos que democraticamente instaure a pena de morte, que se livre de todos quantos não pensam como ele, porque só ele é o democrático representante daquele país, e esperemos que a Sharia venha, um destes dias, a estabelecer-se democraticamente na Turquia, permitindo um salto civilizacional numa das portas da Europa. Já que a outra, a Grécia, a própria Europa, para se defender da invasão dos bárbaros, muito inteligentemente está a desfazê-la, a pontapés.

Tudo isto, e muito mais que não há espaço para referir, não passa de um cruzamento paralelo, um transepto, no corpo de um templo chamado liberalismo, mercado, desregulamentação, globalização financeira, os verdadeiros deuses por detrás de tudo o que no mundo vem acontecendo connosco perplexos a tentar perceber os porquês deste grande Porquê?

Por Carlos Alberto Correia
Barreiro
18.07.2016 - 23:53
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