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A escolha da igualdade
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A escolha da igualdade
Conheço pessoas educadíssimas com reduzida instrução, e pessoas instruidíssimas com escassíssima educação.
Devo o amor à leitura, antes de mais, ao meu avô materno, que só depois de reformado conseguiu concluir o liceu, e me recitava Camões de cor.
Devo-o também a duas mulheres, uma analfabeta e outra com o ensino básico, que me pediam, era eu criança, que lhes lesse em voz alta enquanto cozinhavam.
Pessoas de uma delicadeza extrema, generosas, atentas aos outros e dotadas daquele sentido de humor subtil e terno que só atinge quem é capaz de se fixar na graça das pequenas coisas da vida. Pessoas que tiveram a coragem de não substituir a alegria do encantamento pela amargura do sarcasmo, como acontece a tantos e tantas – e chamam a isso maturidade.
Conheço uma cabeleireira que lê mais e melhor do que algumas resmas de doutores: sobra-lhe a curiosidade e nunca foi atingida pela virose contemporânea do auto-deslumbramento.
Estudei sempre – e voltei agora de novo a estudar – em escolas públicas.
Tive a sorte de ter alguns professores excelentes, e sobretudo a vantagem inestimável de ter convivido, enquanto crescia, com todos os extratos sociais. É essencial que uma criança perceba, desde cedo, que não é o dinheiro nem o estatuto social o que define a qualidade das pessoas.
A escola pública deve garantir a igualdade de oportunidades, que inclui a igualdade de tratamento entre todos os meninos. Para isso, tem de ter boas cantinas, boas bibliotecas, computadores, espaços desportivos – além de, evidentemente, bons professores. E não pode ter listas de meninos ‘carenciados’ espetadas na porta de entrada. É na escola pública que o Estado tem de investir.
Surpreende-me, a propósito da contenda sobre os contratos de associação com colégios privados, a invocação do ‘direito à escolha’.
Se esses contratos foram estabelecidos para tapar os buracos da escola pública, de que escolha estamos a falar? E se em alguns locais acabou por haver redundância de oferta, pergunto: que escolha é essa, que é só para algumas regiões? Como pode justificar-se que o Estado gaste a dobrar, pagando turmas em colégios onde há escolas? Até aqui, falamos de dinheiro e do bom uso dos impostos dos contribuintes.
Mas interessa-me também a questão ideológica. Pasmo com a quantidade de pais que se arroga o direito de ‘escolher’ a escola dos filhos.
Escandalizem-se: não reconheço o absoluto desse direito. Ser pai ou mãe não é ser-se dono dos filhos. As crianças devem ser respeitadas como seres autónomos e dotados de direitos próprios.
Não me parece bem que um pai ou uma mãe possa escolher pôr um filho numa madrassa em vez da escola pública. Se quiser que o filho aprenda os princípios da sua religião, que o faça frequentar aulas de Teologia em horas suplementares às do ensino laico.
Isto deveria ser válido para todas as religiões: não faz sentido que uma criança filha de judeus, católicos, protestantes ou muçulmanos tenha de seguir preceitos de outra religião porque, por exemplo, o Estado assinou contrato com um estabelecimento de ensino religioso.
E, sobretudo, não há o direito de considerarmos as crianças como prolongamentos ideológicos ou espirituais dos pais. Parece-me óbvio que todas as crianças, numa democracia ocidental, têm o inalienável direito a um ensino científico, de excelência, e laico. Os pais têm naturalmente o direito a proporcionar-lhes, se assim o desejarem, formação religiosa – mas em regime suplementar.
Num mundo ideal, tal como o vejo, os estabelecimentos de ensino privado seriam apenas e só isso – suplementares, especializados.
E, então sim, dependendo das especializações, apoiados pelo Estado, através de bolsas para os alunos que, pelo seu percurso, os merecessem e não tivessem forma de os pagar.
Começando todos os alunos pela mesma escola – com as mesmas condições, o mesmo currículo – atenuar-se-ia a forte discriminação social que existe hoje, em muitos casos, entre o público e o privado.
Se os alunos que têm livros em casa e pais capazes de os ajudar se concentrarem todos nas escolas de elite, como acabar com as tais escolas ‘más’ para onde se empurram todos os que nada têm?
Considero a transversalidade da socialização e a igualdade dos programas escolares um instrumento imprescindível, não só de justiça, como de mudança. Sem igualdade absoluta no acesso à educação não há mobilidade social, nem liberdade, nem escolha digna desse nome. Por isso é que a vida continua tão parada.
inespedrosa.sol@gmail.com
Inês Pedrosa | 25/05/2016 15:46
SOL
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