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Carta aos jornalistas de economia
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Carta aos jornalistas de economia
Por que raio andaram tão distraídos ao longo dos últimos anos?
Caros jornalistas das secções e dos jornais de economia: há muito que estou para vos escrever uma carta aberta, e no dia em que chegou a conta de mais 5160 milhões, agora para a Caixa Geral de Depósitos, achei que não podia continuar a adiá-la. Devo começar por uma ridícula confissão: ainda sou do tempo em que as pessoas liam os jornais sem ligar patavina às páginas de economia. Há dez anos, só um em cada dez portugueses (receio estar a ser optimista) é que sabia o que era uma agência de rating. Um homem instruído tinha de pensar duas vezes se lhe fosse pedido para distinguir o défice da dívida. A DBRS era um erro de teclado. E os CoCos eram cocos ou, na pior das hipóteses, cocós. Sim, já se falava de crise, até porque nunca se deixou de falar, e Jorge Sampaio exigia vida para além do défice, mas depois de o euro exterminar a inflação — a única palavra económica que os portugueses realmente respeitaram durante 25 anos — a economia passou a ser coisa de economistas, gestores e investidores na bolsa.
Mas, claro está, a economia é como a saúde: só se dá por ela quando ficamos doentes. E nós ficámos doentes. Muito. Qualquer pessoa que quisesse continuar a comentar as notícias no café teve de tirar, ainda que à pressa e em regime de telescola, um curso intensivo de introdução à economia. Um dia algum sociólogo olhará para a nossa época e concluirá que o empreendedorismo em Portugal começou a crescer a partir do resgate da troika, não só porque as pessoas ficaram com menos oportunidades de emprego, mas também porque adquiriram através da comunicação social os rudimentos básicos da boa gestão financeira. Vocês foram importantes, caros jornalistas de economia. E foram um dos poucos grupos beneficiados com a crise (excepto, claro, os pobres coitados que tiveram o azar de estar a trabalhar para a Ongoing).
Há 15 anos, havia um jornalista de economia popular na televisão — António Perez Metelo —, havia Nicolau Santos e o seu laço, e pouco mais. Hoje, o semanário português mais lido é dirigido por um jornalista oriundo da área económica — Pedro Santos Guerreiro, director do Expresso —, a estação de televisão mais vista é dirigida por um jornalista oriundo da área económica — Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI —, e a maior parte dos directores de rádios e jornais, como Paulo Baldaia (DN, antes TSF), Graça Franco (Renascença), David Dinis (antes TSF, em breve PÚBLICO) ou André Macedo (RTP, antes DN) são oriundos ou passaram pela área económica. Outros, como António Costa, Camilo Lourenço e, sobretudo, José Gomes Ferreira, tornaram-se comentadores de grande relevância. O mundo dos media está nas mãos dos jornalistas de economia. Nas vossas mãos.
Então — e é realmente por isto que vos estou a escrever — por que raio andaram tão distraídos ao longo dos últimos anos? Por que é que, antes do BES, do Banif e da Caixa, garantiam que o sistema financeiro continuava sólido como uma rocha, tirando o azar do BPN e do BPP, mais uns problemazitos no BCP? Há aqui uma história para vocês, jornalistas de economia, contarem, e que eu nunca vi contada. O parêntesis mais dramático do jornalismo económico nacional — aquele que dizia “a crise no GES (não no BES)” — estendeu-se a praticamente todos os bancos. Expliquem-nos, por favor: porque é que não soubemos antes? Por que é que vocês, que percebem disto à brava, não nos avisaram? Gostava imenso de entender e vejo muito pouca gente a perguntar. Obrigado.
Por João Miguel Tavares
27/08/2016 - 01:27
Público
Caros jornalistas das secções e dos jornais de economia: há muito que estou para vos escrever uma carta aberta, e no dia em que chegou a conta de mais 5160 milhões, agora para a Caixa Geral de Depósitos, achei que não podia continuar a adiá-la. Devo começar por uma ridícula confissão: ainda sou do tempo em que as pessoas liam os jornais sem ligar patavina às páginas de economia. Há dez anos, só um em cada dez portugueses (receio estar a ser optimista) é que sabia o que era uma agência de rating. Um homem instruído tinha de pensar duas vezes se lhe fosse pedido para distinguir o défice da dívida. A DBRS era um erro de teclado. E os CoCos eram cocos ou, na pior das hipóteses, cocós. Sim, já se falava de crise, até porque nunca se deixou de falar, e Jorge Sampaio exigia vida para além do défice, mas depois de o euro exterminar a inflação — a única palavra económica que os portugueses realmente respeitaram durante 25 anos — a economia passou a ser coisa de economistas, gestores e investidores na bolsa.
Mas, claro está, a economia é como a saúde: só se dá por ela quando ficamos doentes. E nós ficámos doentes. Muito. Qualquer pessoa que quisesse continuar a comentar as notícias no café teve de tirar, ainda que à pressa e em regime de telescola, um curso intensivo de introdução à economia. Um dia algum sociólogo olhará para a nossa época e concluirá que o empreendedorismo em Portugal começou a crescer a partir do resgate da troika, não só porque as pessoas ficaram com menos oportunidades de emprego, mas também porque adquiriram através da comunicação social os rudimentos básicos da boa gestão financeira. Vocês foram importantes, caros jornalistas de economia. E foram um dos poucos grupos beneficiados com a crise (excepto, claro, os pobres coitados que tiveram o azar de estar a trabalhar para a Ongoing).
Há 15 anos, havia um jornalista de economia popular na televisão — António Perez Metelo —, havia Nicolau Santos e o seu laço, e pouco mais. Hoje, o semanário português mais lido é dirigido por um jornalista oriundo da área económica — Pedro Santos Guerreiro, director do Expresso —, a estação de televisão mais vista é dirigida por um jornalista oriundo da área económica — Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI —, e a maior parte dos directores de rádios e jornais, como Paulo Baldaia (DN, antes TSF), Graça Franco (Renascença), David Dinis (antes TSF, em breve PÚBLICO) ou André Macedo (RTP, antes DN) são oriundos ou passaram pela área económica. Outros, como António Costa, Camilo Lourenço e, sobretudo, José Gomes Ferreira, tornaram-se comentadores de grande relevância. O mundo dos media está nas mãos dos jornalistas de economia. Nas vossas mãos.
Então — e é realmente por isto que vos estou a escrever — por que raio andaram tão distraídos ao longo dos últimos anos? Por que é que, antes do BES, do Banif e da Caixa, garantiam que o sistema financeiro continuava sólido como uma rocha, tirando o azar do BPN e do BPP, mais uns problemazitos no BCP? Há aqui uma história para vocês, jornalistas de economia, contarem, e que eu nunca vi contada. O parêntesis mais dramático do jornalismo económico nacional — aquele que dizia “a crise no GES (não no BES)” — estendeu-se a praticamente todos os bancos. Expliquem-nos, por favor: porque é que não soubemos antes? Por que é que vocês, que percebem disto à brava, não nos avisaram? Gostava imenso de entender e vejo muito pouca gente a perguntar. Obrigado.
Por João Miguel Tavares
27/08/2016 - 01:27
Público
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