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Pensar a República
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Pensar a República
As comemorações do 5 de Outubro dizem muito pouco aos portugueses. Evidentemente que 106 anos depois da implantação da República ninguém achará que o regime republicano está em causa. A Constituição protege a forma republicana de governo (limites materiais da revisão). O único partido monárquico que existe teve menos de 15 mil votos nas últimas eleições legislativas (apenas três mil votos no distrito de Lisboa e 2500 votos no distrito do Porto). Existe uma família real, mas não descende dos últimos monarcas da Casa de Bragança. A Fundação Casa de Bragança, criada em 1933, por vontade expressa de D. Manuel II no seu testamento, é uma fundação do Estado republicano, que conseguiu, aliás, a proeza de ser presidida durante muitos anos pelo atual Presidente da República. Melhor diluição da tradição monárquica na República seria impossível.
Existe, claro, o debate entre os historiadores sobre o significado da revolução. A ideia propagandeada da mudança de um regime opressor, antidemocrático, sem ética nem moralidade, antes de 1910, e de um regime aberto, amigo do povo, democrático, cheio de ética e moralidade, ??depois de 1910, já está ultrapassada. O simples facto de o número de portugueses autorizados a votar ser inferior nas eleições de maio de 1911 por comparação com as eleições de agosto de 1910 mata qualquer narrativa dessa natureza. A tentativa de apresentar o Partido Republicano como um modelo de virtudes frente aos corruptos partidos monárquicos não tem qualquer adesão à realidade. E a queda da monarquia está intimamente ligada ao Regicídio, que manchou a reputação da causa republicana para a eternidade. Por mais que insistam na malvada ditadura de João Franco como atenuante.
De vez em quando, ouvimos falar das maravilhas das monarquias do Norte da Europa para justificar as vantagens da monarquia. Claro que essas vantagens existem (nenhuma forma de governo tem apenas desvantagens). Mas também todos compreendemos que a situação
delicada que atravessa Portugal há muitos anos não seria muito distinta se o nosso Chefe do Estado fosse um rei. O rei não evitou a austeridade em Espanha. O rei não evitou o bloqueio das instituições em Espanha. O rei não evitou a corrupção em Espanha (fenómeno que, aliás, chegou à sua família). O rei, podemos mesmo dizer, foi agora incapaz de encontrar uma solução política para a governação de Espanha, porque não tem nem o prestígio nem a autoridade política para isso.
Falar hoje, 5 de outubro de 2016, da República não é, pois, falar da monarquia que ficou lá atrás, em 1910. Os discursos de ocasião sobre a ética republicana só podem mesmo provocar uma enorme gargalhada num país atolado em corrupção que não sabe ou não pode eliminar. A ética republicana, coitadinha, não tem culpa de que a classe política esteja tão desacreditada hoje. Mas esse descrédito é cíclico em cada geração. Não sei se a atual classe política estará hoje muito mais desacreditada do que estava no final da monarquia, no final da Primeira República ou no final do Estado Novo.
Mais do que comemorar a República, o importante seria pensar a República. Seremos na Europa o país que menos reformou o seu sistema de governo nas últimas décadas. Propostas não faltaram: mudar as leis eleitorais, repensar o regime jurídico dos partidos políticos, alterar todo o ordenamento jurídico que regula a classe política, enquadrar as associações cívicas e a sociedade civil, redesenhar o financiamento dos partidos políticos e combater a corrupção, mexer na regulação da comunicação social, reformar as autarquias e discutir a regionalização. Mas pouco ou nada mudou. Os partidos alegam incapacidade para chegar a consensos que, no fundo, escondem o desejo de que tudo fique na mesma. Porque a atual República é confortável para os partidos políticos. Se não fosse, as coisas mudavam mesmo.
Numa democracia representativa, qualquer mudança naturalmente depende desses partidos políticos. Pode a abstenção chegar aos 50%, pode haver uma enorme insatisfação com o atual sistema de governo da nossa sociedade, pode existir um sentimento generalizado de uma cidadania afastada e desinteressada, mas hoje somos obviamente uma República que não pensa em mudar de vida. Em democracia, uma República que não pensa em mudar de vida apenas reflete a preferência de uma maioria importante dos portugueses. O que não faz sentido é insistir que há uma qualquer vontade maioritária de mudança que misteriosamente desaparece nas urnas de voto.
A classe política certamente fugirá de pensar a República. Mas a responsabilidade é de todos nós, os eleitores.
Professor da Texas A&M University
06 DE OUTUBRO DE 2016
00:06
Nuno Garoupa
Diário de Notícias
Existe, claro, o debate entre os historiadores sobre o significado da revolução. A ideia propagandeada da mudança de um regime opressor, antidemocrático, sem ética nem moralidade, antes de 1910, e de um regime aberto, amigo do povo, democrático, cheio de ética e moralidade, ??depois de 1910, já está ultrapassada. O simples facto de o número de portugueses autorizados a votar ser inferior nas eleições de maio de 1911 por comparação com as eleições de agosto de 1910 mata qualquer narrativa dessa natureza. A tentativa de apresentar o Partido Republicano como um modelo de virtudes frente aos corruptos partidos monárquicos não tem qualquer adesão à realidade. E a queda da monarquia está intimamente ligada ao Regicídio, que manchou a reputação da causa republicana para a eternidade. Por mais que insistam na malvada ditadura de João Franco como atenuante.
De vez em quando, ouvimos falar das maravilhas das monarquias do Norte da Europa para justificar as vantagens da monarquia. Claro que essas vantagens existem (nenhuma forma de governo tem apenas desvantagens). Mas também todos compreendemos que a situação
delicada que atravessa Portugal há muitos anos não seria muito distinta se o nosso Chefe do Estado fosse um rei. O rei não evitou a austeridade em Espanha. O rei não evitou o bloqueio das instituições em Espanha. O rei não evitou a corrupção em Espanha (fenómeno que, aliás, chegou à sua família). O rei, podemos mesmo dizer, foi agora incapaz de encontrar uma solução política para a governação de Espanha, porque não tem nem o prestígio nem a autoridade política para isso.
Falar hoje, 5 de outubro de 2016, da República não é, pois, falar da monarquia que ficou lá atrás, em 1910. Os discursos de ocasião sobre a ética republicana só podem mesmo provocar uma enorme gargalhada num país atolado em corrupção que não sabe ou não pode eliminar. A ética republicana, coitadinha, não tem culpa de que a classe política esteja tão desacreditada hoje. Mas esse descrédito é cíclico em cada geração. Não sei se a atual classe política estará hoje muito mais desacreditada do que estava no final da monarquia, no final da Primeira República ou no final do Estado Novo.
Mais do que comemorar a República, o importante seria pensar a República. Seremos na Europa o país que menos reformou o seu sistema de governo nas últimas décadas. Propostas não faltaram: mudar as leis eleitorais, repensar o regime jurídico dos partidos políticos, alterar todo o ordenamento jurídico que regula a classe política, enquadrar as associações cívicas e a sociedade civil, redesenhar o financiamento dos partidos políticos e combater a corrupção, mexer na regulação da comunicação social, reformar as autarquias e discutir a regionalização. Mas pouco ou nada mudou. Os partidos alegam incapacidade para chegar a consensos que, no fundo, escondem o desejo de que tudo fique na mesma. Porque a atual República é confortável para os partidos políticos. Se não fosse, as coisas mudavam mesmo.
Numa democracia representativa, qualquer mudança naturalmente depende desses partidos políticos. Pode a abstenção chegar aos 50%, pode haver uma enorme insatisfação com o atual sistema de governo da nossa sociedade, pode existir um sentimento generalizado de uma cidadania afastada e desinteressada, mas hoje somos obviamente uma República que não pensa em mudar de vida. Em democracia, uma República que não pensa em mudar de vida apenas reflete a preferência de uma maioria importante dos portugueses. O que não faz sentido é insistir que há uma qualquer vontade maioritária de mudança que misteriosamente desaparece nas urnas de voto.
A classe política certamente fugirá de pensar a República. Mas a responsabilidade é de todos nós, os eleitores.
Professor da Texas A&M University
06 DE OUTUBRO DE 2016
00:06
Nuno Garoupa
Diário de Notícias
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