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Os perigos da liberdade financeira
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Os perigos da liberdade financeira
ADAIR TURNER
Em 2007, o então primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, descreveu a economia do seu país como "instável, desequilibrada, descoordenada e insustentável". Hoje, o desequilíbrio permanece, com a economia demasiado focada no investimento e demasiado dependente de crédito.
A actual liderança da China está empenhada em construir um modelo mais equilibrado, e acredita que o mercado deve desempenhar um "papel decisivo" nesse processo. Mas, ainda que seja necessária uma disciplina de mercado mais forte, em algumas áreas, as autoridades chinesas não devem ter a ilusão de que os mercados livres são uma panaceia para o sector financeiro. De facto, os actuais desequilíbrios económicos da China reflectem, em parte, os perigos criados pela concorrência nos mercados de crédito.
Mesmo antes da crise financeira global de 2008, o rácio de investimento/PIB da China estava num nível excepcionalmente alto de 40%, e os economistas apelavam a uma transição para um maior crescimento liderado pelo consumo. Mas o grande estímulo do crédito, introduzido em 2009, conduziu a economia ainda mais na direcção oposta. A taxa de investimento subiu para 47% em 2012, e a construção correspondeu a 30% de toda a produção. O crédito total aumentou de 130% do PIB para 200%, com os empréstimos bancários e o crédito da "banca sombra" a crescer rapidamente.
Tanto a China como a economia mundial beneficiaram desse estímulo, o que ajudou a sustentar a procura global, em tempos perigosamente deflacionários. Mas levou a desperdícios de investimento na indústria pesada, imobiliário e infraestrutura urbana, deixando a China perante o desafio da desalavancagem e das dívidas incobráveis.
Em muitas áreas, a melhoria da disciplina de mercado tem um papel importante na resolução das causas estruturais do desequilíbrio. O desperdício de investimento em construção é incentivado pela subavaliação da terra rural. A falta de um relacionamento de propriedade normal entre o governo e as empresas estatais faz com que estas paguem dividendos mínimos e investam excessivamente na expansão dos negócios. Os limites às taxas de juros dos depósitos bancários resultam em aforradores domésticos que oferecem enormes subsídios às empresas. E as empresas públicas têm um melhor acesso ao crédito dos bancos estatais do que as empresas privadas.
Mas a crença de que a liberalização financeira vai significar um caminho mais fácil para uma economia equilibrada e estável é uma ilusão, como demonstra a experiência do Japão na década de 1980. Como Joe Studwell defende no seu livro "How Asia Works", nem o Japão nem a Coreia do Sul basearam o seu desenvolvimento económico em mercados livres na oferta de crédito; em vez disso, o desenvolvimento económico baseou-se na canalização deliberada da oferta de crédito para o desenvolvimento industrial, em vez de imóveis ou consumo.
Quando o Japão aliviou as restrições sobre o seu sistema bancário na década de 1980, o resultado foi um enorme "boom" imobiliário, seguido de duas décadas de crescimento lento e deflação. O rendimento per capita da China representa cerca de um quarto do rendimento per capita do Japão em 1990; seria uma tragédia se a China sofresse um revés semelhante antes de completar o caminho em direcção aos padrões de vida dos países desenvolvidos.
No entanto, uma característica marcante da economia chinesa é que o imobiliário e o desenvolvimento de infraestruturas urbanas - arranha-céus, grandes projectos de transporte, centros de convenções, estádios e museus - já desempenha um papel muito mais importante do que desempenhava no Japão e Coreia do Sul em estágios semelhantes de desenvolvimento económico.
Isso reflete a interacção de dois factores distintamente chineses e uma característica inerente a todos os sistemas bancários. O primeiro factor chinês é o foco das autoridades na "urbanização" como um fim em si mesmo, em vez de um subproduto da industrialização. A segunda é a abordagem descentralizada da China para o desenvolvimento económico, com forte concorrência entre regiões e cidades, muitas vezes relativamente a projectos de infraestrutura urbana de prestígio.
A característica universal nesta combinação é o facto de os bancos, em toda a parte, poderem criar crédito privado, dinheiro e poder de compra, que não existia anteriormente; e, se não forem limitados por políticas públicas, têm uma propensão natural para alocá-lo ao financiamento de desenvolvimentos imobiliários, que impulsionam os preços da terra.
Estes factores conduzirão a "booms" no sector da construção ainda que as distorções óbvias do mercado sejam removidas e a disciplina de mercado seja apertada. Os sistemas bancários pré-crise da Irlanda e de Espanha provaram ser tão capazes quanto os bancos estatais chineses de financiar, de forma excessiva, a construção imobiliária.
Assim, mesmo que a China introduza uma maior disciplina de mercado para um efeito globalmente positivo, deve restringir a criação de crédito com instrumentos de política que faltavam nas economias avançadas antes da crise de 2008. Limites aos rácios entre o valor do crédito e o valor da garantia, e entre o valor do crédito e o rendimento nos créditos imobiliários devem ser usados agressivamente. Os requisitos de capital dos bancos devem reflectir ponderações de risco mais elevadas para os empréstimos imobiliários do que as avaliações dos bancos privados de riscos de crédito sugerem ser adequadas.
O Banco Popular da China deve manter reservas mínimas para os bancos comerciais para conter a criação de crédito, em vez de rejeitá-las, como aconteceu nas economias avançadas nas décadas antes de 2008. O crédito concedido pela banca sombra tem de ser rigidamente controlado. O ciclo de crédito é demasiado importante para ser deixado nas mãos dos mercados livres.
A China enfrenta, assim, um desafio difícil. O país deve passar por uma transição não ao estilo ocidental, que produziu a crise de 2008, mas através de um modelo completamente novo que combine elementos de disciplina de mercado com limitações fortes às políticas públicas.
A fluidez dessa transição é importante para todo o mundo. No início de 2020, o PIB da China será de 20 biliões de dólares. Se o rácio crédito/PIB atingir 250% até então, o total de empréstimos e títulos de dívida será de 50 biliões de dólares, o que é mais de três vezes o total da dívida hipotecária dos Estados Unidos em 2008. Hoje, muita dessa dívida está dentro do sector do Estado – dinheiro que as empresas públicas devem, por exemplo, aos bancos estatais. Mas, à medida que o sector privado se desenvolve, as empresas estatais são submetidas a duras restrições orçamentais, a conta de capital externo é aberta, e esta enorme montanha de crédito criará uma crescente vulnerabilidade financeira global.
Espera-se que as autoridades chinesas compreendam os perigos e os benefícios dos mercados financeiros livres de uma forma mais clara do que os responsáveis das economias avançadas antes da crise de 2008. Caso contrário, outra crise - muito mais grave do que a anterior - pode tornar-se inevitável.
Adair Turner, ex-presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido, é membro do Comité de Política Financeira do Reino Unido e da Câmara dos Lordes.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
Tradução: Rita Faria
06 Junho 2014, 14:52 por Adair Turner
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