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O ano do populismo
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O ano do populismo
Há que aceitar que certas coisas nunca mais serão as mesmas e aproveitar as oportunidades que se abrem, rejeitando o quixotismo do regresso ao passado glorioso que vendem os populistas.
Este ano fica na história como o ano em que o populismo regressou à moda e com estrondo. O que até há bem pouco tempo só era possível em partidos pequenos, países geopoliticamente insignificantes ou regimes políticos exóticos está hoje presente em duas democracias, duas potências mundiais ocidentais. Brexit e Trump são a prova.
Que bom seria se estas eleições marcassem, tal como as marcas da água das cheias de um rio, o ponto mais alto onde este tipo de discurso envenenado tivesse chegado. Pode ser que sim a ver pela surpresa geral dos resultados: a deserção dos principais defensores do Brexit que se seguiu às eleições, e da dificuldade em este arrancar, e a ver igualmente por alguns primeiros sinais de volte-face nas promessas feitas por Trump. Neste caso até se saúda que, afinal, o presidente eleito também partilhe com a classe política, de quem tanto desdenha, o hábito de não cumprir o que prometeu.
Mas, infelizmente, receio que não. O populismo alimenta-se da crise e da desilusão, da frustração das expectativas das pessoas, especialmente daquelas que, como se viu nestas eleições, são as menos esclarecidas e mais susceptíveis de embarcar em aventuras (menos escolarizadas, mais velhas, rurais). Votantes, no entanto, tão legítimos como os outros. Mas cuja desilusão não se muda facilmente. Isto pode estar para durar.
Na base deste renascimento populista há vários factores. Dentro dos económicos destaco a alteração das relações de força entre os grandes blocos económicos – Europa, USA, Ásia –, algo que vem desde 2001 com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio. E nada é tão forte como uma ideia cujo tempo chegou. A ideia de que a China é e quer ser cada vez mais um ‘player’ incontornável na ordem mundial, e que se deu uma definitiva e irreversível deslocalização da criação de riqueza para Oriente é algo que veio para ficar.
Exemplifico recorrendo à memória das aulas de história dos primeiros anos de escola. Quando os portugueses descobriram o caminho marítimo para a Índia, as cidades que haviam florescido na rota terreste e na orla do mediterrâneo perderam a sua hegemonia. Tudo graças a esta ideia nova.
Não adianta fantasiar que certas ideias podem ser esquecidas, ou que unilateralmente ou de forma isolada se podem atenuar os seus efeitos. Há que aceitar que certas coisas nunca mais serão as mesmas e aproveitar as oportunidades que se abrem, rejeitando o quixotismo do regresso ao passado glorioso que vendem os populistas.
É que ainda pode ser bem pior. Não aproveitar as oportunidades ou mesmo uma má condução económica pode ser mau, mas pior é que a onda populista tenha efeitos noutros domínios. Mal ou bem, a maior parte do mundo vive um período de paz, prosperidade e qualidade de vida ímpar na história da humanidade. Pôr isto em causa por aventuras e promessas vãs, não obrigado.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Luis Vilariça, Gestor
00:07
Jornal Económico
Este ano fica na história como o ano em que o populismo regressou à moda e com estrondo. O que até há bem pouco tempo só era possível em partidos pequenos, países geopoliticamente insignificantes ou regimes políticos exóticos está hoje presente em duas democracias, duas potências mundiais ocidentais. Brexit e Trump são a prova.
Que bom seria se estas eleições marcassem, tal como as marcas da água das cheias de um rio, o ponto mais alto onde este tipo de discurso envenenado tivesse chegado. Pode ser que sim a ver pela surpresa geral dos resultados: a deserção dos principais defensores do Brexit que se seguiu às eleições, e da dificuldade em este arrancar, e a ver igualmente por alguns primeiros sinais de volte-face nas promessas feitas por Trump. Neste caso até se saúda que, afinal, o presidente eleito também partilhe com a classe política, de quem tanto desdenha, o hábito de não cumprir o que prometeu.
Mas, infelizmente, receio que não. O populismo alimenta-se da crise e da desilusão, da frustração das expectativas das pessoas, especialmente daquelas que, como se viu nestas eleições, são as menos esclarecidas e mais susceptíveis de embarcar em aventuras (menos escolarizadas, mais velhas, rurais). Votantes, no entanto, tão legítimos como os outros. Mas cuja desilusão não se muda facilmente. Isto pode estar para durar.
Na base deste renascimento populista há vários factores. Dentro dos económicos destaco a alteração das relações de força entre os grandes blocos económicos – Europa, USA, Ásia –, algo que vem desde 2001 com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio. E nada é tão forte como uma ideia cujo tempo chegou. A ideia de que a China é e quer ser cada vez mais um ‘player’ incontornável na ordem mundial, e que se deu uma definitiva e irreversível deslocalização da criação de riqueza para Oriente é algo que veio para ficar.
Exemplifico recorrendo à memória das aulas de história dos primeiros anos de escola. Quando os portugueses descobriram o caminho marítimo para a Índia, as cidades que haviam florescido na rota terreste e na orla do mediterrâneo perderam a sua hegemonia. Tudo graças a esta ideia nova.
Não adianta fantasiar que certas ideias podem ser esquecidas, ou que unilateralmente ou de forma isolada se podem atenuar os seus efeitos. Há que aceitar que certas coisas nunca mais serão as mesmas e aproveitar as oportunidades que se abrem, rejeitando o quixotismo do regresso ao passado glorioso que vendem os populistas.
É que ainda pode ser bem pior. Não aproveitar as oportunidades ou mesmo uma má condução económica pode ser mau, mas pior é que a onda populista tenha efeitos noutros domínios. Mal ou bem, a maior parte do mundo vive um período de paz, prosperidade e qualidade de vida ímpar na história da humanidade. Pôr isto em causa por aventuras e promessas vãs, não obrigado.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Luis Vilariça, Gestor
00:07
Jornal Económico
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