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POLÍTICA: O Sistema
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POLÍTICA: O Sistema
A classe média, que nem conhece o programa eleitoral dos populistas, vota neles. É a crença indelével no salvador disto tudo: «O tipo tem defeitos, sim, mas vai acabar com o regabofe», ouve-se por aí.
Abotoa os botões de punho para amanhar a aparência. Nunca os havia usado, mas noblesse oblige, e comentar não sabe ainda bem o quê obriga ainda mais. Vai entrar no ar dentro em breve. Nunca ganhou eleições — o resultado foi até risível —, mas de certa forma tem poder. E poder interessa ao sistema. Enquanto o comentário decorre, outros estão num qualquer jantar de gala a discutir e a pensar Portugal. Acompanhados de vinho a 50€ a garrafa, versam sobre as aflições dos portugueses. O banqueiro, que no dia seguinte vai ao Ramiro almoçar com o secretário de Estado, aplaude. Nenhum dos dois paga a conta. Concordam que temos de investir em infraestrutura, idealmente autoestradas, mas qualquer coisa serve. O consórcio que o banqueiro preside e onde um ex-ministro trabalha irá concorrer, promete. Uma salva de palmas. Pensou-se Portugal.
Este é o Sistema. O sistema é o lado negro das instituições que mantêm o país a funcionar, é o Mr Hyde, é a abundância num país de escassez. Não é possível ter uma face — instituições democráticas que são o garante da estabilidade, ordem, paz e segurança ao país — sem ter a outra — indivíduos e grupos de interesse que se alimentam dessas instituições. Mas deveria ser possível restringir, e muito, o cardápio.
Que os políticos populistas e oportunos se apropriam do discurso antissistema é um facto, e até é natural que tal aconteça. É um espaço deixado vazio pelos políticos entrincheirados no sistema, e que beneficiam dele. Acresce que o cidadão comum testemunha os abusos do sistema, pelo que o discurso capitaliza junto do eleitorado médio, especialmente junto daquele que no fim desembolsa para pagar a conta.
Mas o sistema é capaz de absorver mesmo aqueles que juram lutar contra o sistema. Recordemos Tsipras, o populista. Desejava luir a Grécia das suas elites e oligarquias, devolver o poder ao povo, repor a dignidade. Ganhou as eleições. Dois ou três holofotes, microfones, muito protagonismo e o seu nome nas gordas dos jornais bastaram para que Tsipras esboçasse um sorriso pelintra, ceando agora chateaubriand à mesa dos grandes.
O sistema tem existência própria. Ninguém o comanda. Apropriou-se de parte do Estado, mas também de certos sectores económicos, especialmente daqueles que vivem do Estado. Mantém os teus amigos por perto e os teus inimigos ainda mais perto. E eles ali estão. O sistema sobrevive a mudanças de governos e a mudanças de políticas precisamente porque anexa todos, da esquerda à direita. O Estado providencia uns quantos postos e algumas empresas ditas estratégicas os restantes. O sistema não liquida, o sistema compra as suas vítimas.
Enquanto decorrem os banquetes e se distribuem posições de vogal numa empresa pública falida qualquer, classe média (trabalhadores e funcionários públicos) assistem impávidos. Por muitas críticas que possamos tecer à dualidade que existe entre sector público e sector privado, os funcionários públicos não fazem parte do sistema. Eles, tal como os trabalhadores do sector privado, alimentam-no, e por vezes são recompensados pelos seus préstimos. Porque é assim que o sistema sobrevive. São estes, a classe média, que alimenta o sistema. É para estes, para a classe média, que os populistas falam. E é desta classe média, como as recentes eleições americanas atestaram, que os populistas obtêm os votos.
Como não? A classe média ganha um salário mediano, e com isso tem de pagar renda, contas, o ATL dos filhos (a escola pública fecha às 16h), demais despesas e ainda o seguro de saúde para evitar as listas de espera. Tudo isto enquanto assistem na TV, comprada às prestações, aos tais intelectuais e políticos a degustarem três pratos, pagos pela classe média que procura os descontos do corte da rabadilha, que o filet mignon está no prato dos outros. Assim, a classe média, que nem conhece bem o programa eleitoral dos populistas (que de Tsipras a Trump é consistente num ponto: é uma desgraça económica), vota neles. É a crença indelével no salvador disto tudo: «O tipo tem defeitos, sim, mas vai acabar com o regabofe» — ouve-se e suspira-se, mas compreende-se.
O sistema abusa, as pessoas querem mudança e o populista promete-lhes mudança, ainda que seja para pior. A culpa também é do eleitorado. Como bem disse o economista Thomas Sowell, «se o eleitorado quer o impossível, só um político mentiroso o pode oferecer». E como bem diz a voz popular, «eles chegam lá e fazem todos o mesmo». Tsipras, Trump ou Le Pen desafiam não apenas o sistema, mas toda a estabilidade institucional, garante fundamental da paz e da prosperidade. A mesa terá de encurtar, o vinho de descer de preço e nem todos lá poderão comer. Isto se o sistema quiser sobreviver. Porque se este não sobreviver, outro pior surgirá.
Mário Amorim Lopes
10/12/2016, 1:31
Observador
Abotoa os botões de punho para amanhar a aparência. Nunca os havia usado, mas noblesse oblige, e comentar não sabe ainda bem o quê obriga ainda mais. Vai entrar no ar dentro em breve. Nunca ganhou eleições — o resultado foi até risível —, mas de certa forma tem poder. E poder interessa ao sistema. Enquanto o comentário decorre, outros estão num qualquer jantar de gala a discutir e a pensar Portugal. Acompanhados de vinho a 50€ a garrafa, versam sobre as aflições dos portugueses. O banqueiro, que no dia seguinte vai ao Ramiro almoçar com o secretário de Estado, aplaude. Nenhum dos dois paga a conta. Concordam que temos de investir em infraestrutura, idealmente autoestradas, mas qualquer coisa serve. O consórcio que o banqueiro preside e onde um ex-ministro trabalha irá concorrer, promete. Uma salva de palmas. Pensou-se Portugal.
Este é o Sistema. O sistema é o lado negro das instituições que mantêm o país a funcionar, é o Mr Hyde, é a abundância num país de escassez. Não é possível ter uma face — instituições democráticas que são o garante da estabilidade, ordem, paz e segurança ao país — sem ter a outra — indivíduos e grupos de interesse que se alimentam dessas instituições. Mas deveria ser possível restringir, e muito, o cardápio.
Que os políticos populistas e oportunos se apropriam do discurso antissistema é um facto, e até é natural que tal aconteça. É um espaço deixado vazio pelos políticos entrincheirados no sistema, e que beneficiam dele. Acresce que o cidadão comum testemunha os abusos do sistema, pelo que o discurso capitaliza junto do eleitorado médio, especialmente junto daquele que no fim desembolsa para pagar a conta.
Mas o sistema é capaz de absorver mesmo aqueles que juram lutar contra o sistema. Recordemos Tsipras, o populista. Desejava luir a Grécia das suas elites e oligarquias, devolver o poder ao povo, repor a dignidade. Ganhou as eleições. Dois ou três holofotes, microfones, muito protagonismo e o seu nome nas gordas dos jornais bastaram para que Tsipras esboçasse um sorriso pelintra, ceando agora chateaubriand à mesa dos grandes.
O sistema tem existência própria. Ninguém o comanda. Apropriou-se de parte do Estado, mas também de certos sectores económicos, especialmente daqueles que vivem do Estado. Mantém os teus amigos por perto e os teus inimigos ainda mais perto. E eles ali estão. O sistema sobrevive a mudanças de governos e a mudanças de políticas precisamente porque anexa todos, da esquerda à direita. O Estado providencia uns quantos postos e algumas empresas ditas estratégicas os restantes. O sistema não liquida, o sistema compra as suas vítimas.
Enquanto decorrem os banquetes e se distribuem posições de vogal numa empresa pública falida qualquer, classe média (trabalhadores e funcionários públicos) assistem impávidos. Por muitas críticas que possamos tecer à dualidade que existe entre sector público e sector privado, os funcionários públicos não fazem parte do sistema. Eles, tal como os trabalhadores do sector privado, alimentam-no, e por vezes são recompensados pelos seus préstimos. Porque é assim que o sistema sobrevive. São estes, a classe média, que alimenta o sistema. É para estes, para a classe média, que os populistas falam. E é desta classe média, como as recentes eleições americanas atestaram, que os populistas obtêm os votos.
Como não? A classe média ganha um salário mediano, e com isso tem de pagar renda, contas, o ATL dos filhos (a escola pública fecha às 16h), demais despesas e ainda o seguro de saúde para evitar as listas de espera. Tudo isto enquanto assistem na TV, comprada às prestações, aos tais intelectuais e políticos a degustarem três pratos, pagos pela classe média que procura os descontos do corte da rabadilha, que o filet mignon está no prato dos outros. Assim, a classe média, que nem conhece bem o programa eleitoral dos populistas (que de Tsipras a Trump é consistente num ponto: é uma desgraça económica), vota neles. É a crença indelével no salvador disto tudo: «O tipo tem defeitos, sim, mas vai acabar com o regabofe» — ouve-se e suspira-se, mas compreende-se.
O sistema abusa, as pessoas querem mudança e o populista promete-lhes mudança, ainda que seja para pior. A culpa também é do eleitorado. Como bem disse o economista Thomas Sowell, «se o eleitorado quer o impossível, só um político mentiroso o pode oferecer». E como bem diz a voz popular, «eles chegam lá e fazem todos o mesmo». Tsipras, Trump ou Le Pen desafiam não apenas o sistema, mas toda a estabilidade institucional, garante fundamental da paz e da prosperidade. A mesa terá de encurtar, o vinho de descer de preço e nem todos lá poderão comer. Isto se o sistema quiser sobreviver. Porque se este não sobreviver, outro pior surgirá.
Mário Amorim Lopes
10/12/2016, 1:31
Observador
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