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Desigualdades e globalização
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Desigualdades e globalização
O aumento das desigualdades é, sem dúvida, um dos grandes temas de debate atual. A sua dimensão chocante é de uma violência irracional face aos avanços civilizacionais a que as sociedades se alcandoraram, aos meios materiais, técnicos, científicos e comunicacionais hoje disponíveis. Nas últimas décadas, a "desigualdade", sobretudo nos países mais desenvolvidos, atinge níveis idênticos aos verificados antes da Grande Depressão de 1929. Os seus efeitos negativos são profundos e vão desde a amputação do crescimento económico potencial, aos impactos negativos na saúde e no bem-estar. Em Portugal, há excessiva condescendência e permissividade perante a pobreza e as desigualdades. Isso é um entrave ao nosso desenvolvimento.
A nível internacional, argumenta-se que o aumento das desigualdades nos países mais desenvolvidos, onde o rendimento das classes trabalhadoras estagnou ou caiu durante os últimos 20 anos, se deve ao inexorável processo de globalização da economia. Dizem-nos que as perdas salariais dos trabalhadores dos países ricos são o contraponto do crescimento salarial dos trabalhadores dos países pobres. Esta seria a nova divisão internacional do trabalho resultante da liberalização comercial. Ao aumento da desigualdade dentro de cada país, corresponderia assim uma diminuição da "desigualdade" entre países.
Esta linha argumentativa é promotora da inação política, e esquece três dados essenciais. Primeiro, tem havido aumentos salariais nos países mais pobres, mas muito concentrado em países como a China, onde a luta laboral por melhores condições se tem revelado intensa e com bons resultados para os trabalhadores, embora silenciada no espaço público, por interesse do poder político chinês e porque, no Ocidente, dá jeito esconder a expressão e os impactos dessas lutas.
Também no contexto chinês encontramos o segundo dado propositadamente esquecido nos debates sobre globalização. A China não é uma economia liberalizada e aberta aos fluxos financeiros e comerciais como muitas vezes se argumenta, mas sim uma economia em que o Estado, através do controlo de importantes partes da economia, nomeadamente do sistema financeiro, tem a capacidade de dirigir a economia como um todo.
Terceiro, a suposta convergência de rendimentos verificada à escala internacional esquece sempre a formidável concentração de rendimentos que se observa no topo da escala. Entre 1988 e 2008, por cada dólar acrescido ao rendimento mundial, 44 cêntimos foram apropriados pelos 5% mais ricos. Se alargarmos a observação até aos 10% da população do topo da escala, vemos que eles ficam com 60% de cada dólar. O aumento das desigualdades não é, no fundamental, o resultado da competição entre trabalhadores de diferentes nacionalidades, mas sim uma disputa entre o comum dos trabalhadores e uma elite com expressões específicas em cada país e com dimensão absolutamente internacionalizada.
Em Portugal, as desigualdades não são uma inevitabilidade, ou mera decorrência da integração na economia europeia e global e das mudanças tecnológicas. A alteração da estrutura e do domínio da nossa economia, a ausência de uma estratégia de desenvolvimento que aproveite capacidades e formações, as fraturas geracionais no trabalho, a persistência em políticas de baixos salários são causas concretas da alteração da estrutura e condições do emprego e podem agravar ainda mais as desigualdades.
É preciso colocar o trabalho, a sua organização e remuneração, no centro das preocupações e do debate político. Temos um elevado nível de pobreza nas crianças e nos adolescentes, em primeiro lugar, porque os seus pais (adultos ainda jovens) são pobres. A sua pobreza resulta de auferirem baixos salários, serem trabalhadores precários ou estarem no desemprego.
No imediato, a luta pelo salário mínimo articulada com a redinamização da contratação coletiva - não chega aumentar o SMN, pois se não houver contratação coletiva o SMN torna-se salário nacional - constituem-se como os dois instrumentos mais eficazes de combate às desigualdades e à pobreza. A distribuição primária do rendimento deve estar no centro da luta social e política.
* INVESTIGADOR E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
Manuel Carvalho Da Silva*
Hoje às 00:02
Jornal de Notícias
A nível internacional, argumenta-se que o aumento das desigualdades nos países mais desenvolvidos, onde o rendimento das classes trabalhadoras estagnou ou caiu durante os últimos 20 anos, se deve ao inexorável processo de globalização da economia. Dizem-nos que as perdas salariais dos trabalhadores dos países ricos são o contraponto do crescimento salarial dos trabalhadores dos países pobres. Esta seria a nova divisão internacional do trabalho resultante da liberalização comercial. Ao aumento da desigualdade dentro de cada país, corresponderia assim uma diminuição da "desigualdade" entre países.
Esta linha argumentativa é promotora da inação política, e esquece três dados essenciais. Primeiro, tem havido aumentos salariais nos países mais pobres, mas muito concentrado em países como a China, onde a luta laboral por melhores condições se tem revelado intensa e com bons resultados para os trabalhadores, embora silenciada no espaço público, por interesse do poder político chinês e porque, no Ocidente, dá jeito esconder a expressão e os impactos dessas lutas.
Também no contexto chinês encontramos o segundo dado propositadamente esquecido nos debates sobre globalização. A China não é uma economia liberalizada e aberta aos fluxos financeiros e comerciais como muitas vezes se argumenta, mas sim uma economia em que o Estado, através do controlo de importantes partes da economia, nomeadamente do sistema financeiro, tem a capacidade de dirigir a economia como um todo.
Terceiro, a suposta convergência de rendimentos verificada à escala internacional esquece sempre a formidável concentração de rendimentos que se observa no topo da escala. Entre 1988 e 2008, por cada dólar acrescido ao rendimento mundial, 44 cêntimos foram apropriados pelos 5% mais ricos. Se alargarmos a observação até aos 10% da população do topo da escala, vemos que eles ficam com 60% de cada dólar. O aumento das desigualdades não é, no fundamental, o resultado da competição entre trabalhadores de diferentes nacionalidades, mas sim uma disputa entre o comum dos trabalhadores e uma elite com expressões específicas em cada país e com dimensão absolutamente internacionalizada.
Em Portugal, as desigualdades não são uma inevitabilidade, ou mera decorrência da integração na economia europeia e global e das mudanças tecnológicas. A alteração da estrutura e do domínio da nossa economia, a ausência de uma estratégia de desenvolvimento que aproveite capacidades e formações, as fraturas geracionais no trabalho, a persistência em políticas de baixos salários são causas concretas da alteração da estrutura e condições do emprego e podem agravar ainda mais as desigualdades.
É preciso colocar o trabalho, a sua organização e remuneração, no centro das preocupações e do debate político. Temos um elevado nível de pobreza nas crianças e nos adolescentes, em primeiro lugar, porque os seus pais (adultos ainda jovens) são pobres. A sua pobreza resulta de auferirem baixos salários, serem trabalhadores precários ou estarem no desemprego.
No imediato, a luta pelo salário mínimo articulada com a redinamização da contratação coletiva - não chega aumentar o SMN, pois se não houver contratação coletiva o SMN torna-se salário nacional - constituem-se como os dois instrumentos mais eficazes de combate às desigualdades e à pobreza. A distribuição primária do rendimento deve estar no centro da luta social e política.
* INVESTIGADOR E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
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