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Entre o Fascínio e a Ilusão dos Números

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Mensagem por Admin Seg Jan 16, 2017 5:31 pm

Entre o Fascínio e a Ilusão dos Números Navio-de-carga-610x310


Neste fim de ciclo iluminista que estamos ainda viver, o fascínio na ilusão dos muitos prestígios dos números ainda tudo domina. Ou seja, num mundo eminentemente prático e consequentemente quantitativo, até se compreende que assim seja, mas isso não é necessariamente bom, como habitualmente se faz crer.

Ao fascínio dos números e à quase absoluta proeminência da prática, ou sentido do útil, sobre tudo o mais, há, naturalmente, a somar ainda a visão mecanicista do mundo e a crença, igualmente quase absoluta, em supostas relações de causa e efeito onde não existem quaisquer relações de causa e efeito.

Não vem isto, evidentemente, a propósito da perturbação de Kant ao ler Hume, tendo-o levado então a escrever a sua muito famosa Crítica da Razão Pura, mas, cousa mais comezinha, pelo mais recente grande anúncio da sua Ministra do Mar do muito aguardado Plano de Estratégia para o Desenvolvimento da Competitividade Portuária 2016-2026.

Um Plano, uma Estratégia, como números impressionantes, a começar, desde logo, na prospectiva de um investimento total de 2,5 mil milhões de euros até 2026, a criação de 12 000 novos postos de trabalho até 2030; um aumento de 200% na movimentação de contentores nos portos comerciais do continente a dez anos; diminuição em 20% do tráfego rodoviário de ligação aos portos e aumento do tráfego fluvial de mercadorias; aumento em 50% do volume de negócios e actividades conexas e transversais; aumento em 50% do volume de negócios da indústria naval.

Perante tais números, dados já como um quase facto adquirido, quem não rejubila de imediato perante tão auspiciosa prospectiva de tão sorridente futuro, a aguardar-nos, seguro de si, lá para 2026?

Ninguém, evidentemente.

E no entanto …

E no entanto, dos 2,5 mil milhões de euros de investimento esperados, 83% deverão vir a ser realizado por privados, 6% por comparticipação de Fundos Comunitários e 11%, 11%, sim, 11% do Orçamento do Estado…

Ou seja, dos 2,5 mil milhões de euros de investimentos previstos, 17% poderão dar-se, eventualmente, mais ou menos como garantidos, quanto ao mais, depende do interesse de eventuais privados.

Ah!, mas não há perspectivas de investimento de privados como, por exemplo, na ampliação do Terminal XXI de Sines, na eventual construção de um completamente novo Terminal no Porto de Sines, mesmo num eventualmente novo Porto do Barreiro, na ampliação dos terminais do Porto de Leixões, entre outros muitos projectos?

Com certeza, mas quando estamos a afalar de 2,075 mil milhões de euros, ainda estamos afalar de muitos euros, naturalmente e um pouco mias de quanto todos esses conhecidos projectos implicam.

Significa tudo isso que o Plano ou Estratégia para o Desenvolvimento da Competitividade Portuária 2016-2026, não é um bom Plano ou uma boa Estratégia?

Longe disso.

Embora ainda sem calendarização dos respectivos actos, o que parece ir começar a ser revelado hoje, 16 de Janeiro de 2017, com uma primeira apresentação do respectivo Plano de Investimentos para Setúbal, seguindo-se, em datas a anunciar, equivalentes apresentações no restantes principais portos do Continente, não permitindo assim uma perfeita e final análise, dir-se-á no entanto, quando se fala em melhoria de canais de navegação, melhoria de acessos ferro-rodoviários, ou mesmo na já tão propalada questão de Portugal, incluindo, naturalmente, Açores e Madeira, dever transformar-se num Entreposto Atlântico de fornecimento e abastecimento de GNL (Gás Natural Liquefeito), ou em aumentos de eficiência, entre múltiplos outros aspectos, como devidamente relatado na notícia publicada em devido tempo aqui no Jornal da Economia do Mar, pouco haverá, com certeza, a contestar, não se vislumbrando sequer quem possa não concordar, em tese, como agora se diz, com quase tudo quanto anunciado e apresentado, mesmo que dez anos dêem para muito sonho e até mesmo alguns desvarios, o que não é, de resto, o caso.

De qualquer modo, embora a apresentação de objectivos e de metas seja sempre simpático, sobretudo quando tudo devidamente quantificado, dando sempre um tom de muito estudo, muita ponderação e, evidentemente, cientificidade, passível, por conseguinte, da sempre requerida aferição e medição, o que nos interrogamos,  mesmo não deixando de podermos passar por aves de mau agouro, é sobre o significado que poderá ter, por exemplo,  referir o objectivo, dado quase garantido, de criação de 12 000 novos empregos até 2030.

Sabemos nós que mundo vamos ter em 2030?

Não assistimos, hoje, a uma alteração paulatina mas radical de processos, de metodologias, de tecnologias?

Não está a automação, por exemplo, a tudo invadir?

Não vemos o que se está a passar em Singapura, Roterdão, Hamburgo e um pouco por todo o mundo?

Onde esses 12 000 novos empregos em 2030? Em que áreas? Porquê 12 000 e não 10 ou 15 000?

Sim, sabemos que há ratios até internacionalmente determinados sobre a indução de emprego por tonelada de carga movimentada, por TEU ou seja lá mais o que for, mas que sorriso não despertarão esses actuais ratios em 2030?

O que significa referir também a ambição de um aumento de 200% na movimentação de contentores até 2026?

Com as alterações no comércio mundial a que estamos a assistir, muitas das quais magnificamente aqui analisadas, exactamente na secção Economia do Mar em Análise, podemos estar certos do significado estratégico desse aumento?

Será que no mesmo período, Tanger Med aumentará 500%, Algeciras 350% e Valência eventualmente 200%?

Se assim for, em que posição ficamos?

Afinal, qual o sentido real de tais projecções?

Será a evolução de quanto se passa no mundo tão linear como os números se afiguram quer fazer crer?

Faz sentido uma projecção destas, a dez anos, ceteris paribus?

Não haverá demasiado voluntarismo, compreensível, mas demasiado voluntarismo, em tudo isto?

Afinal, onde a reflexão sobre o desenvolvimento do comércio mundial, as respectivas tendências de evolução política e mesmo tecnológica?

Não é exactamente com base numa reflexão sobre isso mesmo que fará sentido delinear a consequente estratégia, tando com objectivo, não números mas uma afirmação realmente estratégica de cada porto em âmbito próprio ou regional, em âmbito nacional, em âmbito Peninsular, Europeu e mesmo Mundial?

Onde essa reflexão?

E mais intrigante ainda.

Como Jorge d’Almeida, ex-Administrador Delegado da PSA de Sines lembrou recentemente numa palestra proferida na Academia de Marinha, sendo o modelo de maior sucesso de desenvolvimento portuário o seguido desde sempre pela Liga Hanseática, ou seja, de profunda interligação do desenvolvimento do respectivo porto em perfeita congregação e harmonia com o desenvolvimento a correspondente comunidade e área adjacentes, como tem tentado ser seguido, de certo modo, também em Portugal desde a criação das respectivas Comunidades Portuárias, não se afigurará justo interrogarmo-nos igualmente sobre o contributo das mesmas para o tal Plano ou Estratégia para o Desenvolvimento da Competitividade Portuária 2016-2026?

Sim sabemos que o mais recente documento elaborado pela Comunidade Portuária de Leixões, em conjunto com a PwC, segue a mesma metodologia do documento do Ministério do Mar, ou seja, dando não apenas igual prioridade aos objectivos quantitativos sobre tudo o mais, como assumindo também, mais gravemente, que o futuro quase mais não será senão uma mera projecção linear do passado, mas, ainda assim, interrogamo-nos se não faria mais sentido o documento do Ministério do Mar ter sido elaborado em conjunto com as mesmas comunidades portuária e, mais do que isso, em conjunto também com as próprias Administrações Portuárias, e não apenas por um grupo de sábios, por muito sábios que sejam, sempre numa posição retirada e, eventualmente, até mesmo com uma visão parcial e possivelmente distorcida da realidade?

No caso do afastamento das Administrações Portuárias não se afigura mesmo algo absurdo?

Afinal, para que servem as Administrações Portuárias?

Estão ali postas as Administrações Portuárias apenas como uma espécie de meros feitores encarregues de cobrar em devido tempo as rendas das respectivas concessões e pouco mais?

Não serão exactamente as Administrações Portuárias quem deveria ter, em primeira instância, a visão de desenvolvimento estratégico do respectivo porto?…

Aparentemente, sim, mas não é facto também que nem sequer lhes é dado negociar sequer as respectivas concessões?…

Outras questões, dirão, o que aqui importa é o Plano ou Estratégia para o Desenvolvimento da Competitividade Portuária 2016-2026, analisando, ou procurando analisar, as suas potencialidades para determinar se é passível de se considerar ou não um bom Plano ou Estratégia, sendo tudo o mais, diversão.

Seja. Mas, independentemente de sabermos se o Governo, nas dificuldades financeiras em que nos encontramos, sempre está disposto a investir anualmente, em média, cerca de 27,5 milhões de euros do Orçamento do Estado na prossecução da dita Estratégia, o que podemos admitir ser dado como garantido, nada fazendo sentido se assim não fora, ou da eventual discussão sobre o ambiente político actual ser mais ou menos «amigo» do investimento de forma a conseguir atrair os tais 2,075 mil milhões de euros de investimento a dez anos, sabendo lá nós o que poderá suceder a alterar-se a dez anos, o que talvez importa perguntar é se, de facto, faz sentido continuarmos a ver a mais completa centralização ministerial, ou governamental, da concepção e elaboração deste tipo de Planos, ou Estratégias,  para posterior apresentação e consequente imposição, aparentemente, sem mais, aos respectivos interessados.

Sim, sabemos que, desde os idos do Senhor D. Pedro, Imperador do Brasil, subindo lá do Ipiranga para nos outorgar generosamente a Carta que nos traria, natural e generosamente, tanta liberdade quanto modernidade e imensa felicidade, a prática tornou-se recorrente em Portugal. Todavia, não será de ponderar se, não obstante o Plano ou Estratégia, não deixando de ficar com a indelével marca da Senhora Ministra do Mar, também por isso mesmo, ficará igualmente marcada por um não menos indelével tendência de efemeridade?

Na realidade, constituindo-se como um documento elaborado de modo centralizada pelo topo da hierarquia política e, de certo modo, consequentemente imposto a quem opera no terreno, não envolvendo nem reflectindo necessariamente a respectiva visão e empenho, e, por conseguinte, não concitando, eventualmente, um pleno apoio, a sua prossecução irá tão só até ao ponto em que haja poder para efectivamente a conduzir, pouco mais se podendo esperar senão que, assim se alterem as condições, tudo caia por terra, preterido, esquecido, perdido, sempre muito aquém e muito longe da gloriosa visão inicial, tanto mais quanto, não sendo o desejo de imprimir com indelével marca pessoal um mandato ministerial exclusivo à actual Ministra do Mar, mas desejo de todos os detentores de equivalentes cargos, isso significa também que a tendência, na sucessão irremediável dos dias, é para tudo ser fatalmente ultrapassado por outra indelével marca pessoal, razão também porque, em parte, sempre se afigura vivermos numa espécie de condenação de Sísifo, obrigados a regressarmos sempre a um qualquer anterior ponto, sem verdadeira continuidade, desenvolvimento e consequente evolução, mesmo das melhores decisões estratégicas.

Não envolvendo devidamente quem deveria ser e estar devidamente envolvido desde o início, o risco é mesmo esse.

Para além disso, sendo séria a grandiosa visão da Senhora Ministra do Mar para o desenvolvimento dos portos nacionais na próxima década, e não há razão alguma para admitirmos a menor dúvida sobre a mesma seriedade, então o que será necessário, para ter êxito, será mesmo concitar um apoio muito mais alargado e muito para além daqueles a quem, neste momento, se afigura estar exclusivamente dirigido.

Fará sentido, com certeza, ser um Ministro escolhido para o cargo pela respectiva visão que afirme para a área que irá tutelar mas, um Ministro, qualquer Ministro, não será já julgado apenas por esse visão mas, acima de tudo, pela capacidade de realização que demonstrar.

E aqui também parte da perplexidade.

Na própria apresentação do Plano ou Estratégia para o Desenvolvimento da Competitividade Portuária 2016-2026, a Senhora Ministra não deixou de salientar pretender-se com o mesmo, entre outros aspectos relevantes, uma efectiva preocupação com a revitalização da marinha mercante nacional.

Nada mais justo.

Entretanto, estamos já plenamente entrados em 2017 e no que respeita à possível revitalização da marinha mercante, uma decisão que se aguarda há anos e estava prometida para entrar em vigor exactamente a 1 de Janeiro do corrente ano, é a chamada Taxa ou Imposto de Tonelagem.

A questão da designada Taxa ou Imposto de Tonelagem chegou mesmo a ser um assunto surpreendentemente glosado pelo anterior Presidente da República no seu discurso no 30º aniversário da Transinsular, em Janeiro de 2015, se a memória não atraiçoa, mantendo-se desde então na ordem do dia mas sem grandes avanços, até Ana Paula Vitorino ter nomeado uma Comissão para estudar o assunto e anunciado, entretanto, a entrada em vigor da respectiva legislação no início de 2017.

Estamos em 2017 e tudo, porém, continua exactamente na mesma.

Não seria essa velha questão passível de ser resolvida em meia dúzia de semanas? Que ciência oculta tem impedido avançar-se decididamente na sua aprovação e entrada em vigor?

Assegura-se já que, ao fim de meses de aturado estudo, faltar apenas a elaboração final, e consequente aprovação, da respectiva legislação que, diz-se também, estará a ser entretanto revista em conjunto com o Ministério da Finanças.

Mas não bastaria ter-se falado com a AAMC (Associação dos Armadores da Marinha de Comércio), aliá, nunca chamada para o caso, e com mais dois ou três especialistas para tudo poder ter podido ficar resolvido em pouco mais de quinze dias, um mês, mesmo dois, vá lá?

Se a decadência da Marinha de Comércio Nacional é, de facto, uma tão instante preocupação do Ministério do Mar, entendendo-se a evolução para a designada taxa ou Imposto de Tonelagem uma decisão crítica para tentar revitaliza-la, a par da conhecida e imperiosa necessidade de renovação da frota, admitindo-se ser difícil de tal suceder sem a prévia aprovação de tal medida, como é então possível tudo arrastar-se tanto no tempo?

Quando pensamos grandes Planos a dez anos, tudo o que é mais imediato perde relevância?…

Como vão mais de cinco anos desde que se começou a falar insistentemente no dramático problema dos Licenciamentos, para não recuar mesmo mais no tempo e ir mesmo até ao início do projecto do POEM (Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo), ainda hoje sem fim à vista, com esse mesmo nome outro, prevendo-se até o rápido desenvolvimento de um sistema ágil de licenciamento já na LBOGEM (Lei de Bases de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo), aprovada ainda em 2014.

No entanto, até agora, nada, como nem sequer o mesmo licenciamento expedito, mesmo que mais circunscrito, dedicado exclusivamente ao caso específico da aquacultura, anunciado em Outubro passado, parece conhecer grandes avanços.

Não é reconhecidamente importante, crucial, decisivo, a existência de um Sistema de Licenciamento expedito e ágil para captar investimento, garantindo que não há desistências apenas porque os actuais processos e burocracia se podem tornar facilmente kafkianos de tão complexos e imbricados que os eventuais potenciais investidores, avaliando os respectivos custos de oportunidade, logo são mesmo levados a desistir de tudo?

Não o reconhece a própria Senhora Ministra, não deixando, inclusive, de o ilustrar com a apresentação de alguns caricatos casos do seu conhecimento?

Assim é, mas, na prática, tudo na mesma.

Felizmente temos, porém, a perspectiva de um investimento de 2,5 mil milhões de euros a dez anos no Desenvolvimento dos Portos, 83% dos quais a ser realizado por privados, 6% por comparticipação de Fundos Comunitários e 11% do Orçamento do Estado; com a perspectiva de criação de 12 000 novos postos de trabalho até 2030; aumento de 200% na movimentação de contentores nos portos comerciais do continente; diminuição em 20% do tráfego rodoviário de ligação aos portos e aumento do tráfego fluvial de mercadorias; aumento em 50% do volume de negócios e actividades conexas e transversais; aumento em 50% do volume de negócios da indústria naval.

Valha-nos isso, independentemente de toda a perplexidade !…

Ah!, o fascínio e a ilusão dos números…

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