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"Não houve reforma do Estado e o TGV está a ser feito"
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"Não houve reforma do Estado e o TGV está a ser feito"
Entrevista a Manuel Caldeira Cabral, professor de Economia e especialista em competitividade
Manuel Caldeira Cabral, professor da Universidade do Minho, fala sobre um sucesso aparente nas exportações, os erros do governo e da troika e os compromissos que faltam entre PS e PSD. Primeira parte da entrevista feita no âmbito dos debates de final da tarde da Ordem dos Economistas.
Há um milagre nas exportações portuguesas?
Quando se olha para o crescimento das exportações portuguesas da última década o que se vê é que há uma parte do crescimento das exportações que foi de facto um aumento nos produtos petrolíferos que tem a ver com o aumento da capacidade de refinação. Mas estamos a falar de 20% desse crescimento, já que estamos a falar de 8% das exportações totais. Se olharmos para o resto temos que dois terços do crescimento veio de um conjunto diversificado de sectores que são talvez, oito ou dez, que inclui químicas, farmacêuticas, produtos alimentares e agrícolas, produtos metálicos, mobiliário, papel e pasta, etc. A isto temos de acrescentar vários sectores de serviços, transportes, turismo, consultorias.
20% não é uma concentração demasiado elevada?
20% é um valor importante. As exportações portuguesas podem ser divididas em três grupos. A parte dos produtos petrolíferos. A parte dos grandes sectores como têxtil, vestuário calçado, sector automóvel e máquinas, que é responsável por uma parte muito importante do crescimento nos últimos anos, cerca de 15% do total de crescimento, ou um pouco mais se incluirmos o turismo. Mas 60% do crescimento veio destes sectores que são novos no sentido de terem um protagonismo de crescimento tão acentuado.
Quais destacaria?
Os novos sectores dos serviços e da indústria - químico, farmacêutico, produtos alimentares e agrícolas, produtos metálicos, mobiliário. Valem 20% das exportações, mas contribuíram para 60% do crescimento total.
Então o perfil exportador da economia é o correto?
A parte das exportações de produtos petrolíferos tem um defeito. É positivo que se exporte nestes sectores da energia, mas o seu valor acrescentado é muito baixo.
E nos serviços é o contrário.
Sim. Se olharmos para os serviços o valor acrescentado é, em média, muitíssimo mais elevado do que tem, por exemplo, o automóvel. Portanto, o valor acrescentado nacional nas exportações portuguesas não diminuiu nos últimos anos. Tem o efeito do crescimento das exportações de petróleo, que contribuiu para reduzir a média do valor acrescentado - a indústria da refinação têm uma componente importada muito elevada. Mas, por outro lado, tem o efeito dos produtos primários, como agrícolas, alimentares, papel, cujo valor acrescentado é muito elevado. Idem no caso dos serviços.
Em termos macro, antevê-se que as exportações líquidas contribuam negativamente para a retoma já este ano e no próximo. O que significa isto?
As exportações correram muito bem, se olharmos para a última década e, principalmente, no período 2005 a 2012. Em 2013, de facto, houve uma interrupção. Ou seja, as exportações cresceram muito nesta década, acima da média europeia, acima do ritmo do PIB, mas desde 2011 que estão a desacelerar. Em 2012 cresceram muito menos que em 2011 e em 2013 aumentaram um bocadinho face ao ano precedente, mas já muito abaixo do nível de 2011. Até 2011 as exportações líquidas deram, em média, um contributo positivo para o crescimento económico, mas muito puxado pelas exportações (brutas). Em 2012, quase todo o contributo foi por redução de importações e não por reforço de exportações. Em 2013, o fenómeno já é mais misto e a procura líquida, desde 2011, está a cair. Ou seja, há aqui uma ideia que é, apesar da década boa, nos últimos anos têm surgido sinais preocupantes. Há abrandamento nas exportações, no último mês caíram, o contributo das exportações líquidas para o PIB tem vindo a descer e em 2014 está a ser negativo. Estamos a ter uma retoma da economia, não pelo crescimento externo, mas puramente puxada pela procura interna, o que quer dizer que é uma retoma não sustentada.
É o diagnóstico do Banco de Portugal, mas não do Governo.
O Governo faz bem em promover essa ideia de nos últimos oito anos as exportações portuguesas tiveram uma performance interessante, como sinal de que o país pode ser competitivo. Mas há depois sinais preocupantes: nos últimos dois, três anos, o contributo desse sector externo tem vindo a enfraquecer. Até 2012 essa desaceleração teve muito a ver com a crise europeia, mas desde então que há um declínio notório. Em 2006, 2007 o crescimento nominal era a dois dígitos, hoje está à volta de 5% ou abaixo disso. Estamos a falar de uma situação de quase estagnação das exportações.
Como se dá a volta a isso? Com mais investimento? Com mais reformas estruturais no mercado laboral e de produto? Com menos consolidação orçamental?
Esse é o grande problema e a razão pela qual estes sinais são preocupantes. Temos de ir atrás de duas coisas. A queda do investimento: Portugal consegue um equilíbrio externo mas a níveis de investimento muito baixos e a níveis de consumo de bens duradouros muito baixo, o que pode levar a questionar se este equilíbrio é sustentável.
Qual é a maior ameaça que isso traz?
Um exemplo. As empresas podem ficar dois ou três anos sem comprar máquinas, mas não podem ficar outros dez anos nessa situação. Precisam de inovar, de aumentar o potencial, de incorporar novas tecnologias.
Mas a compra de carros parece estar a recuperar.
Foi um dos itens que caiu imenso, mas está a recuperar como se fosse uma vingança. Está a regressar com muita força porque se calhar é assim mesmo: as pessoas precisam de mudar de carro mais tarde ou mais cedo. Mas ilustra esse risco de que falava: o do reequilíbrio externo ter sido conseguido nos últimos dois anos muito mais pela redução de importações.
O Governo falhou no diagnóstico?
Há duas questões que parece que falharam. A ênfase do Governo e da troika em por a recuperação da competitividade puramente centrada na redução dos salários não parece ter resultado num aumento muito forte das exportações. Aliás, nestes últimos dois anos, foi quando as exportações cresceram mais no tal sector da energia, uma dinâmica que depende em muito pouco do custo da mão-de-obra. Os sectores que dependem mais dos custos da mão-de-obra, intensivos em fator trabalho, não tiveram uma performance de exportações muito boa. Não se nota a partir de 2011, altura em que começa a grande descida dos custos do trabalho, uma aceleração das exportações. Pelo contrário. Isto está a acontecer há dois anos e meio. Penso que é motivo para nos preocuparmos.
E a segunda questão?
Disse-se em Portugal que era necessário um reequilíbrio entre transacionáveis e não transacionáveis. Que era preciso alocar mais recursos aos bens exportáveis.
Fazer uma reindustrialização do país. O ex-ministro Álvaro Santos Pereira tinha isso na agenda. Mas nada acabou por acontecer.
Concordo plenamente com essa visão da reindustrialização. Esse ministro lutou muito por criar linhas de crédito, justiça lhe seja feita, mas dentro do Governo houve outro ministro que se impôs e limitou muito a capacidade de as empresas terem acesso a crédito.
Vítor Gaspar?
Sim. Houve um desequilíbrio entre Economia e Finanças, dentro do governo, nos objetivos da troika e até um desequilíbrio na política europeia. A UE achou que tinha um problema financeiro, quando o mais profundo e grave é económico. Foi esse problema económico, o do baixo crescimento, que criou o problema financeiro em alguns países e não o contrário. Pior: a UE centrou-se em resolver o problema financeiro, mas em muitos casos a forma como o fez agravou o problema económico.
Mas ia falar da questão dos transacionáveis.
O emprego nos transacionáveis caiu 25% enquanto nos não transacionáveis não caiu. Ora a diminuição do emprego em Portugal, nestes últimos dois, três anos, foi praticamente toda feita nos sectores exportadores. É preciso falar de forma muito clara. É errado pensar que o ajustamento não está ao ritmo que era desejável. Não. Está a acontecer a um ritmo muito forte e que vai no sentido contrário do que era o ajustamento desejável. Caiu pouco nos serviços, mas muito na indústria e na agricultura.
Porquê?
Quando juntamos esta queda no emprego à quebra brutal do investimento, como aconteceu, o que vemos é que Portugal tem menos capacidade produtiva hoje nos transacionáveis do que tinha quando começou o programa da troika. E não é um bocadinho menos, é bastante menos. As exportações terão aumentado mais porque as empresas redirecionaram a sua produção para outros mercados externos e não por estarem a produzir mais e de forma diferente.
O FMI olhou para esse problema nas últimas avaliações e disse que as empresas estão em subcapacidade. Como é que se resolve?
Com investimento na indústria e esperemos, sinceramente, que o novo QREN (Portugal 2020) seja uma alavanca para isso. Os objetivos são esses. Há uma finalização desse acordo que está pendurada e que ou vai ainda com esta Comissão Europeia, ou racha. Se não for agora, só com o próximo Executivo. O que é problemático pois pode atrasar muito a entrada desses fundos.
O que é que está pendurado?
Várias questões da negociação que não estão acertadas, que tipo de empresas pode aceder a certos subsídios. Se os fundos podem ter alavancas de investimento estrangeiro em vez de doméstico. No fundo detalhes que marcarão a diferença, no futuro, entre taxas de execução elevadas e baixas.
Bruxelas está a bloquear a situação?
No fundo, sim. A mesma Comissão que diz que é importante que Portugal invista nos transacionáveis, também está a por entraves na forma como os fundos podem ser utilizados. É uma visão muito conservadora do que podem ser os problemas de competitividade. Falta sensibilidade nessa área, sobretudo para países como Portugal ou as nossas regiões mais pobres, que precisam desse tipo de oxigénio.
Porquê?
A Comissão Europeia está a impor termos que refletem um desconhecimento da realidade portuguesa ou uma visão muito purista sobre regras de concorrência levadas até ao exagero. A minha visão passa por dar mais apoio ao Governo nestas negociações. E de ter um posição muito crítica da CE.
Portugal já beneficia de fundos há décadas. Não será a Comissão a impor um quadro de maior rigor pois o país não aproveitou bem as ajudas?
Penso que Portugal na aplicação dos fundos foi mais rigoroso que muitos outros. Nos objetivos que estabeleceu para os fundos é bom lembrar que no passado a Comissão Europeia achou que o dinheiro devia ir para as redes transeuropeias e que dava muitos apoios se fossem estradas e poucos investimentos nas universidades. Agora critica os investimentos em redes de transportes. Deu os incentivos todos e agora a posteriori diz que as opções foram erradas. É dirigista em algumas áreas e diz por exemplo que se deve fazer política de inovação em Portugal como se faz na Alemanha. É preciso mais flexibilidade por parte da Comissão.
Acha que o TGV é para fazer?
O Governo tem-nos vendido uma ideia estranha. O Governo não quis fazer o TGV porque não era rentável, mas está a fazer uma linha onde os comboios vão andar a mais de 200 km/hora entre o Poceirão e Espanha. As mercadorias não circulam a essa velocidade. Portanto, só faz sentido fazer a linha naqueles termos se for para ter passageiros. E o Governo diz que não terá pessoas. Uma linha com esse perfil, mas só para mercadorias, ainda é menos rentável. E mesmo com transporte de passageiros já seria difícil rentabilizá-la. Isto para dizer que o TGV teria sempre de ser justificado com objetivos não financeiros. Uma linha para mercadorias idem porque se formos por critérios puramente financeiros, a versão mercadorias será certamente mais ruinosa do que a solução TGV.
Mas se essa linha de mercadorias está a ser feita...
Parece-me que o Governo está a cumprir os acordos com Espanha, fazendo uma linha com perfil de transporte de passageiros, mas vende-nos a ideia de que é só para mercadorias. É um gato escondido com um rabo enorme de fora.
Porquê?
Meramente pelo preconceito ideológico que se criou no debate português de que o TGV de passageiros é mau para o país. Mas se vai haver dinheiro para fazer a linha, que é um custo afundado, então que se rentabilize o mais possível. Era essa a ideia no TGV: transportar na mesma linha mercadorias e pessoas.
Espanha tem a sua rede de alta velocidade praticamente concluída. Isso é um sinal para Portugal terminar a sua parte?
Sim, penso que Espanha está só à espera que Portugal faça a ligação de Badajoz a Lisboa. É verdade que houve
demasiadas certezas sobre fazer cinco linhas de TGV em Portugal, mas também houve demasiadas certezas sobre não fazer nenhuma. No meio estará a virtude. Quando olhamos para Madrid vemos claramente que há uma estrela de TGV a saírem para o País Basco, Valência, Barcelona e Sevilha. E vê-se que falta ali uma perna para Lisboa, a terceira maior cidade da Península Ibérica.
Ter invertido essa escolha - mercadorias em vez de passageiros - pode ter prejudicado o financiamento do projeto?
Foi uma opção do Governo, que excluiu o outro projeto que já tinha financiamento. É possível que venha a sair mais caro ao país e que venha adiar o TGV uma série de anos. No fim, acho que se vai construir uma linha de passageiros em alta velocidade mas que se vai chamar tudo àquele comboio menos TGV. Eu não sou um entusiasta do TGV, o que estou aqui a dizer é que me faz muita confusão dizer que o país se iria arruinar por causa disso. É uma ideia falsa ou pelo menos altamente simplista. O país conseguiu arruinar-se na mesma. Olhe-se para a Irlanda e a Grécia. Foram resgatados e nunca fizeram auto-estradas como nós.
Houve reforma do Estado?
Em Portugal, em 2013, a despesa pública primária em percentagem do PIB é praticamente igual à de 2011. Ou seja, a despesa caiu em linha com o PIB e o ajustamento foi feito essencialmente pelos impostos. E o mais grave nisto é que o Governo, que ia cortar gorduras, está a cortar em músculo e em cérebro. Está a cortar em investimento e na ciência e ensino superior. Mas isto não são gorduras! Penso que não houve qualquer reforma do Estado. O Governo centrou-se em reduzir custos, não pela alteração e pela melhoria da forma de funcionamento do Estado, mas apenas reduzindo preços, nomeadamente os salários. Isso resultou em 2012, mas como em 2013 já não resultou, a despesa em função do PIB aumentou. De facto, não se conseguiu fazer uma alteração estrutural. Portugal precisa de reformas que façam crescer mais, reformas que não sirvam para diminuir o Estado e que serviam para por o Estado a funcionar melhor. A ideia do Simplex era fazer isto. Uma ideia de modernização deste Governo, por exemplo, passou pelo desinvestimento em sistemas informáticos. Poupou uns tostões, mas isso está a custar milhões às empresas. Os sistemas das Finanças estão todos muito piores do que há uns anos. É preciso uma promover uma ideia diferente do Estado, o Estado como parceiro nos negócios, não a do Estado metido nos negócios.
O corte no investimento e nos salários deve ser revertido?
Estamos perante um problema grave. Na economia, Portugal não podia ter reduzido assim a capacidade de produção. Uma queda de 30% no investimento significa que estamos a investir abaixo do que precisamos para crescer. Em termos macro, vemos que o investimento que hoje existe é só de reposição. Com este tipo de ajustamento, o desemprego aumentou mais do que o necessário, forçou a falência de empresas que eram viáveis. Perdemos pessoas, perdemos capital e perdemos capacidade tecnológica.
As universidades portuguesas continuam a produzir bons resultados?
Penso que a inovação portuguesa foi muito afetada pelo que se fez nestes últimos dois anos. As nossas universidades estavam num caminho muito bom, não descambaram, aguentaram, mas hoje estão em estagnação. Não contratam, produzem menos.
A emigração como investimento deitado ao lixo?
Sim. Estamos a criar uma situação em que cada vez mais pessoas brilhantes, os melhores, saem não só de Portugal, mas até da Europa, para as economias que valorizam as qualificações, como os Estados Unidos. Portugal faz mal, mas as políticas europeias também estão erradas.
30/06/2014 | 00:01 | Dinheiro Vivo
Manuel Caldeira Cabral
Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens
Manuel Caldeira Cabral, professor da Universidade do Minho, fala sobre um sucesso aparente nas exportações, os erros do governo e da troika e os compromissos que faltam entre PS e PSD. Primeira parte da entrevista feita no âmbito dos debates de final da tarde da Ordem dos Economistas.
Há um milagre nas exportações portuguesas?
Quando se olha para o crescimento das exportações portuguesas da última década o que se vê é que há uma parte do crescimento das exportações que foi de facto um aumento nos produtos petrolíferos que tem a ver com o aumento da capacidade de refinação. Mas estamos a falar de 20% desse crescimento, já que estamos a falar de 8% das exportações totais. Se olharmos para o resto temos que dois terços do crescimento veio de um conjunto diversificado de sectores que são talvez, oito ou dez, que inclui químicas, farmacêuticas, produtos alimentares e agrícolas, produtos metálicos, mobiliário, papel e pasta, etc. A isto temos de acrescentar vários sectores de serviços, transportes, turismo, consultorias.
20% não é uma concentração demasiado elevada?
20% é um valor importante. As exportações portuguesas podem ser divididas em três grupos. A parte dos produtos petrolíferos. A parte dos grandes sectores como têxtil, vestuário calçado, sector automóvel e máquinas, que é responsável por uma parte muito importante do crescimento nos últimos anos, cerca de 15% do total de crescimento, ou um pouco mais se incluirmos o turismo. Mas 60% do crescimento veio destes sectores que são novos no sentido de terem um protagonismo de crescimento tão acentuado.
Quais destacaria?
Os novos sectores dos serviços e da indústria - químico, farmacêutico, produtos alimentares e agrícolas, produtos metálicos, mobiliário. Valem 20% das exportações, mas contribuíram para 60% do crescimento total.
Então o perfil exportador da economia é o correto?
A parte das exportações de produtos petrolíferos tem um defeito. É positivo que se exporte nestes sectores da energia, mas o seu valor acrescentado é muito baixo.
E nos serviços é o contrário.
Sim. Se olharmos para os serviços o valor acrescentado é, em média, muitíssimo mais elevado do que tem, por exemplo, o automóvel. Portanto, o valor acrescentado nacional nas exportações portuguesas não diminuiu nos últimos anos. Tem o efeito do crescimento das exportações de petróleo, que contribuiu para reduzir a média do valor acrescentado - a indústria da refinação têm uma componente importada muito elevada. Mas, por outro lado, tem o efeito dos produtos primários, como agrícolas, alimentares, papel, cujo valor acrescentado é muito elevado. Idem no caso dos serviços.
Em termos macro, antevê-se que as exportações líquidas contribuam negativamente para a retoma já este ano e no próximo. O que significa isto?
As exportações correram muito bem, se olharmos para a última década e, principalmente, no período 2005 a 2012. Em 2013, de facto, houve uma interrupção. Ou seja, as exportações cresceram muito nesta década, acima da média europeia, acima do ritmo do PIB, mas desde 2011 que estão a desacelerar. Em 2012 cresceram muito menos que em 2011 e em 2013 aumentaram um bocadinho face ao ano precedente, mas já muito abaixo do nível de 2011. Até 2011 as exportações líquidas deram, em média, um contributo positivo para o crescimento económico, mas muito puxado pelas exportações (brutas). Em 2012, quase todo o contributo foi por redução de importações e não por reforço de exportações. Em 2013, o fenómeno já é mais misto e a procura líquida, desde 2011, está a cair. Ou seja, há aqui uma ideia que é, apesar da década boa, nos últimos anos têm surgido sinais preocupantes. Há abrandamento nas exportações, no último mês caíram, o contributo das exportações líquidas para o PIB tem vindo a descer e em 2014 está a ser negativo. Estamos a ter uma retoma da economia, não pelo crescimento externo, mas puramente puxada pela procura interna, o que quer dizer que é uma retoma não sustentada.
É o diagnóstico do Banco de Portugal, mas não do Governo.
O Governo faz bem em promover essa ideia de nos últimos oito anos as exportações portuguesas tiveram uma performance interessante, como sinal de que o país pode ser competitivo. Mas há depois sinais preocupantes: nos últimos dois, três anos, o contributo desse sector externo tem vindo a enfraquecer. Até 2012 essa desaceleração teve muito a ver com a crise europeia, mas desde então que há um declínio notório. Em 2006, 2007 o crescimento nominal era a dois dígitos, hoje está à volta de 5% ou abaixo disso. Estamos a falar de uma situação de quase estagnação das exportações.
Como se dá a volta a isso? Com mais investimento? Com mais reformas estruturais no mercado laboral e de produto? Com menos consolidação orçamental?
Esse é o grande problema e a razão pela qual estes sinais são preocupantes. Temos de ir atrás de duas coisas. A queda do investimento: Portugal consegue um equilíbrio externo mas a níveis de investimento muito baixos e a níveis de consumo de bens duradouros muito baixo, o que pode levar a questionar se este equilíbrio é sustentável.
Qual é a maior ameaça que isso traz?
Um exemplo. As empresas podem ficar dois ou três anos sem comprar máquinas, mas não podem ficar outros dez anos nessa situação. Precisam de inovar, de aumentar o potencial, de incorporar novas tecnologias.
Mas a compra de carros parece estar a recuperar.
Foi um dos itens que caiu imenso, mas está a recuperar como se fosse uma vingança. Está a regressar com muita força porque se calhar é assim mesmo: as pessoas precisam de mudar de carro mais tarde ou mais cedo. Mas ilustra esse risco de que falava: o do reequilíbrio externo ter sido conseguido nos últimos dois anos muito mais pela redução de importações.
O Governo falhou no diagnóstico?
Há duas questões que parece que falharam. A ênfase do Governo e da troika em por a recuperação da competitividade puramente centrada na redução dos salários não parece ter resultado num aumento muito forte das exportações. Aliás, nestes últimos dois anos, foi quando as exportações cresceram mais no tal sector da energia, uma dinâmica que depende em muito pouco do custo da mão-de-obra. Os sectores que dependem mais dos custos da mão-de-obra, intensivos em fator trabalho, não tiveram uma performance de exportações muito boa. Não se nota a partir de 2011, altura em que começa a grande descida dos custos do trabalho, uma aceleração das exportações. Pelo contrário. Isto está a acontecer há dois anos e meio. Penso que é motivo para nos preocuparmos.
E a segunda questão?
Disse-se em Portugal que era necessário um reequilíbrio entre transacionáveis e não transacionáveis. Que era preciso alocar mais recursos aos bens exportáveis.
Fazer uma reindustrialização do país. O ex-ministro Álvaro Santos Pereira tinha isso na agenda. Mas nada acabou por acontecer.
Concordo plenamente com essa visão da reindustrialização. Esse ministro lutou muito por criar linhas de crédito, justiça lhe seja feita, mas dentro do Governo houve outro ministro que se impôs e limitou muito a capacidade de as empresas terem acesso a crédito.
Vítor Gaspar?
Sim. Houve um desequilíbrio entre Economia e Finanças, dentro do governo, nos objetivos da troika e até um desequilíbrio na política europeia. A UE achou que tinha um problema financeiro, quando o mais profundo e grave é económico. Foi esse problema económico, o do baixo crescimento, que criou o problema financeiro em alguns países e não o contrário. Pior: a UE centrou-se em resolver o problema financeiro, mas em muitos casos a forma como o fez agravou o problema económico.
Mas ia falar da questão dos transacionáveis.
O emprego nos transacionáveis caiu 25% enquanto nos não transacionáveis não caiu. Ora a diminuição do emprego em Portugal, nestes últimos dois, três anos, foi praticamente toda feita nos sectores exportadores. É preciso falar de forma muito clara. É errado pensar que o ajustamento não está ao ritmo que era desejável. Não. Está a acontecer a um ritmo muito forte e que vai no sentido contrário do que era o ajustamento desejável. Caiu pouco nos serviços, mas muito na indústria e na agricultura.
Porquê?
Quando juntamos esta queda no emprego à quebra brutal do investimento, como aconteceu, o que vemos é que Portugal tem menos capacidade produtiva hoje nos transacionáveis do que tinha quando começou o programa da troika. E não é um bocadinho menos, é bastante menos. As exportações terão aumentado mais porque as empresas redirecionaram a sua produção para outros mercados externos e não por estarem a produzir mais e de forma diferente.
O FMI olhou para esse problema nas últimas avaliações e disse que as empresas estão em subcapacidade. Como é que se resolve?
Com investimento na indústria e esperemos, sinceramente, que o novo QREN (Portugal 2020) seja uma alavanca para isso. Os objetivos são esses. Há uma finalização desse acordo que está pendurada e que ou vai ainda com esta Comissão Europeia, ou racha. Se não for agora, só com o próximo Executivo. O que é problemático pois pode atrasar muito a entrada desses fundos.
O que é que está pendurado?
Várias questões da negociação que não estão acertadas, que tipo de empresas pode aceder a certos subsídios. Se os fundos podem ter alavancas de investimento estrangeiro em vez de doméstico. No fundo detalhes que marcarão a diferença, no futuro, entre taxas de execução elevadas e baixas.
Bruxelas está a bloquear a situação?
No fundo, sim. A mesma Comissão que diz que é importante que Portugal invista nos transacionáveis, também está a por entraves na forma como os fundos podem ser utilizados. É uma visão muito conservadora do que podem ser os problemas de competitividade. Falta sensibilidade nessa área, sobretudo para países como Portugal ou as nossas regiões mais pobres, que precisam desse tipo de oxigénio.
Porquê?
A Comissão Europeia está a impor termos que refletem um desconhecimento da realidade portuguesa ou uma visão muito purista sobre regras de concorrência levadas até ao exagero. A minha visão passa por dar mais apoio ao Governo nestas negociações. E de ter um posição muito crítica da CE.
Portugal já beneficia de fundos há décadas. Não será a Comissão a impor um quadro de maior rigor pois o país não aproveitou bem as ajudas?
Penso que Portugal na aplicação dos fundos foi mais rigoroso que muitos outros. Nos objetivos que estabeleceu para os fundos é bom lembrar que no passado a Comissão Europeia achou que o dinheiro devia ir para as redes transeuropeias e que dava muitos apoios se fossem estradas e poucos investimentos nas universidades. Agora critica os investimentos em redes de transportes. Deu os incentivos todos e agora a posteriori diz que as opções foram erradas. É dirigista em algumas áreas e diz por exemplo que se deve fazer política de inovação em Portugal como se faz na Alemanha. É preciso mais flexibilidade por parte da Comissão.
Acha que o TGV é para fazer?
O Governo tem-nos vendido uma ideia estranha. O Governo não quis fazer o TGV porque não era rentável, mas está a fazer uma linha onde os comboios vão andar a mais de 200 km/hora entre o Poceirão e Espanha. As mercadorias não circulam a essa velocidade. Portanto, só faz sentido fazer a linha naqueles termos se for para ter passageiros. E o Governo diz que não terá pessoas. Uma linha com esse perfil, mas só para mercadorias, ainda é menos rentável. E mesmo com transporte de passageiros já seria difícil rentabilizá-la. Isto para dizer que o TGV teria sempre de ser justificado com objetivos não financeiros. Uma linha para mercadorias idem porque se formos por critérios puramente financeiros, a versão mercadorias será certamente mais ruinosa do que a solução TGV.
Mas se essa linha de mercadorias está a ser feita...
Parece-me que o Governo está a cumprir os acordos com Espanha, fazendo uma linha com perfil de transporte de passageiros, mas vende-nos a ideia de que é só para mercadorias. É um gato escondido com um rabo enorme de fora.
Porquê?
Meramente pelo preconceito ideológico que se criou no debate português de que o TGV de passageiros é mau para o país. Mas se vai haver dinheiro para fazer a linha, que é um custo afundado, então que se rentabilize o mais possível. Era essa a ideia no TGV: transportar na mesma linha mercadorias e pessoas.
Espanha tem a sua rede de alta velocidade praticamente concluída. Isso é um sinal para Portugal terminar a sua parte?
Sim, penso que Espanha está só à espera que Portugal faça a ligação de Badajoz a Lisboa. É verdade que houve
demasiadas certezas sobre fazer cinco linhas de TGV em Portugal, mas também houve demasiadas certezas sobre não fazer nenhuma. No meio estará a virtude. Quando olhamos para Madrid vemos claramente que há uma estrela de TGV a saírem para o País Basco, Valência, Barcelona e Sevilha. E vê-se que falta ali uma perna para Lisboa, a terceira maior cidade da Península Ibérica.
Ter invertido essa escolha - mercadorias em vez de passageiros - pode ter prejudicado o financiamento do projeto?
Foi uma opção do Governo, que excluiu o outro projeto que já tinha financiamento. É possível que venha a sair mais caro ao país e que venha adiar o TGV uma série de anos. No fim, acho que se vai construir uma linha de passageiros em alta velocidade mas que se vai chamar tudo àquele comboio menos TGV. Eu não sou um entusiasta do TGV, o que estou aqui a dizer é que me faz muita confusão dizer que o país se iria arruinar por causa disso. É uma ideia falsa ou pelo menos altamente simplista. O país conseguiu arruinar-se na mesma. Olhe-se para a Irlanda e a Grécia. Foram resgatados e nunca fizeram auto-estradas como nós.
Houve reforma do Estado?
Em Portugal, em 2013, a despesa pública primária em percentagem do PIB é praticamente igual à de 2011. Ou seja, a despesa caiu em linha com o PIB e o ajustamento foi feito essencialmente pelos impostos. E o mais grave nisto é que o Governo, que ia cortar gorduras, está a cortar em músculo e em cérebro. Está a cortar em investimento e na ciência e ensino superior. Mas isto não são gorduras! Penso que não houve qualquer reforma do Estado. O Governo centrou-se em reduzir custos, não pela alteração e pela melhoria da forma de funcionamento do Estado, mas apenas reduzindo preços, nomeadamente os salários. Isso resultou em 2012, mas como em 2013 já não resultou, a despesa em função do PIB aumentou. De facto, não se conseguiu fazer uma alteração estrutural. Portugal precisa de reformas que façam crescer mais, reformas que não sirvam para diminuir o Estado e que serviam para por o Estado a funcionar melhor. A ideia do Simplex era fazer isto. Uma ideia de modernização deste Governo, por exemplo, passou pelo desinvestimento em sistemas informáticos. Poupou uns tostões, mas isso está a custar milhões às empresas. Os sistemas das Finanças estão todos muito piores do que há uns anos. É preciso uma promover uma ideia diferente do Estado, o Estado como parceiro nos negócios, não a do Estado metido nos negócios.
O corte no investimento e nos salários deve ser revertido?
Estamos perante um problema grave. Na economia, Portugal não podia ter reduzido assim a capacidade de produção. Uma queda de 30% no investimento significa que estamos a investir abaixo do que precisamos para crescer. Em termos macro, vemos que o investimento que hoje existe é só de reposição. Com este tipo de ajustamento, o desemprego aumentou mais do que o necessário, forçou a falência de empresas que eram viáveis. Perdemos pessoas, perdemos capital e perdemos capacidade tecnológica.
As universidades portuguesas continuam a produzir bons resultados?
Penso que a inovação portuguesa foi muito afetada pelo que se fez nestes últimos dois anos. As nossas universidades estavam num caminho muito bom, não descambaram, aguentaram, mas hoje estão em estagnação. Não contratam, produzem menos.
A emigração como investimento deitado ao lixo?
Sim. Estamos a criar uma situação em que cada vez mais pessoas brilhantes, os melhores, saem não só de Portugal, mas até da Europa, para as economias que valorizam as qualificações, como os Estados Unidos. Portugal faz mal, mas as políticas europeias também estão erradas.
30/06/2014 | 00:01 | Dinheiro Vivo
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