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A grande ilusão
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A grande ilusão
Correu o pano. António Costa ganhou o PS com uma maioria confortável e os socráticos às cavalitas. Prometeu na noite do apeamento de Seguro que há-de reconduzir o povo socialista ao poder, saudado à volta por gente de punho erguido à maneira antiga.
Ao conquistar o poder partidário, António Costa trouxe Sócrates agarrado à lapela. Não adianta escamoteá-lo, como se verá em breve
Com uma frase estudada, para consumo mediático, advertiu: “Este é o primeiro dia de uma nova maioria de governo. É o primeiro dia dos últimos dias deste Governo”. Depois, falou sem grandeza de alma, nem uma palavra ao adversário vencido. Ficou tudo dito sobre a unificação do PS.
Antes, num painel organizado pela RTP, perante um frouxo Nuno Morais Sarmento, viu-se José Sócrates compor a pose de comentador para dizer o contrário do que pensava: que a vitória cabia por inteiro ao mérito de Costa, sem que ele - e os históricos - tivessem contribuído para isso. Não se esqueceu, contudo, de enfatizar que votara nele.
Foi o prelúdio. Desfilariam, depois, nos vários espaços televisivos, eufóricos, alguns dos seus antigos e mais dilectos colaboradores no Governo. Desejosos de saírem da sombra.
Ao conquistar o poder partidário, António Costa trouxe Sócrates agarrado à lapela. Não adianta escamoteá-lo, como se verá em breve.
De facto, nas suas divagações pela Quadratura do Círculo, o ainda autarca de Lisboa esmerou-se na reverência contemplativa, sem nunca criticar o galopante desvario que empurrou o país para o desastre, impondo um resgate que é o cerne da austeridade.
Mas a memória é curta. Para o cidadão - activo ou pensionista - castigado pela dureza dos cortes, a culpa é do Governo que está.
Meticulosamente, José Sócrates encontrou na RTP o meio permissivo para branquear o passado. Costa precisará que ele prossiga assim, desmemoriado, para cavalgar o descontentamento até às legislativas, sem sequer exorcizar os desmandos da governação socialista.
Na encenação dos três episódios da novela, a que se prestaram as televisões nestas primárias, mais do que um conflito de personalidades, assistiu-se, em directo, à incapacidade de ambos os contendores para debaterem o presente ou pensarem o futuro do país. Nem uma palavra útil.
Entre as acusações pessoais e a esgrima de florete, somaram-se as narrativas redondas e a mais completa vacuidade. Nem uma ideia redentora.
Percebeu-se - excepto para quem engana a realidade - que nenhum deles estava preparado para ser primeiro-ministro.
Se Costa algum dia lá chegar, não tardará a desiludir, caindo do mítico altar onde o colocaram. A ficção tem o seu prazo de validade. E o peso da dívida do Estado, mesmo com a benevolência externa, imporá as suas leis a qualquer Governo.
Até lá, Passos Coelho precisa de libertar-se da Tecnoforma e de outras armadilhas que lhe lançaram aos pés e envenenaram o ambiente.
É curioso que, no espaço de uma semana - e na ressaca de uma carta anónima -, haja dito, por duas vezes, primeiro no Parlamento, depois diante do Conselho Nacional do PSD, que estará a ser vítima de pessoas “influentes”, por não ter cedido a interesses poderosos. Admitiu mesmo ter recebido um “mensageiro” que lhe prenunciou a queda próxima do seu Governo, por se ter metido com determinada pessoa…
Não fala em “campanha negra”, nem nos “pistoleiros do costume”, ao jeito de Sócrates, mas é irresistível a comparação do 'caso Tecnoforma' com o 'caso Freeport', envolvendo ambos denúncias em carta anónima.
O recurso a cartas anónimas, por natureza um acto cobarde - como é, também, o anonimato nos sites e na blogosfera - constituem uma das idiossincrasias do ser português. Os media, contudo, ora as desprezam, ora as valorizam. Depende.
A carta anónima tanto pode ser tratada como um papel apócrifo e conspirativo, como se viu no Freeport - a merecer a reprovação indignada do então bastonário Marinho Pinto -, como causar estranheza o facto de a PGR ter sido expedita a arquivar a Tecnoforma.
A traição, a denúncia e a espectacularização mediática da suspeita ganharam ultimamente um novo alento.
O certo, porém, é que , como por milagre, apagou-se nos media o 'caso BES' e o colapso do grupo Espírito Santo - com ondas de choque dramáticas que hão-de chegar mais cedo do que se pensa.
Enquanto se aguardam as conclusões das auditorias forenses pedidas pelo BdP, caiu um enorme silêncio sobre as investigações do Ministério Público.
Alguém se lembra ainda da acusação feita pelo governador, em Agosto, de que “o Grupo Espírito Santo, através das entidades não financeiras não sujeitas a supervisão do Banco de Portugal, desenvolveu um esquema de financiamento fraudulento entre as empresas do grupo”?
A tempestade financeira adivinha-se, mas, no seu retiro no Estoril, Ricardo Salgado saiu do olho do furacão. Com o PS dividido e o PSD inquieto, a grande ilusão promete continuar. O filme só está no princípio.
Dinis de Abreu | 07/10/2014 22:06:37
SOL
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