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Crato mantém-se ou manter-se-á?
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Crato mantém-se ou manter-se-á?
Há muito que considero Nuno Crato um homem inteligente, um distinto matemático, um homem público interessado no progresso. Custa-me, por isso, vê-lo hoje como símbolo de um fracasso injustificável e perigoso. Já muito se disse sobre a trapalhada em que se transformou a abertura do ano escolar. Já se pediu a demissão do ministro. O ministro já pediu desculpas, que ele próprio considerou 'históricas'. E o primeiro-ministro já segurou o seu ministro. Tudo isto sucedeu, sem novidade. A novidade é que tudo persiste igual: muitos alunos sem aulas, sem os professores necessários, professores sem colocação, professores colocados e descolorados, pais desesperados, um clima de inquietação como há muito não se via.
A abertura do ano escolar com professores e alunos nas aulas não seria uma proeza digna de registo. Consegui-lo seria apenas o mínimo exigível. Não é, porém, assim que procede a nomenclatura do Ministério da Educação. Nuno Crato, velho revolucionário, chegou ao governo e quis fazer a sua revolução. Em vez de melhorar e racionalizar, aquilo que deveria ser a motivação de um bom governante, inaugurou uma nova era. Tudo, ou quase tudo, foi posto em causa. Ano após ano, alteram-se regras, organização, programas, avaliações... A imprevisibilidade tornou-se a marca maior.
Crato esqueceu rapidamente as boas palavras descentralizadoras, a autonomia das escolas, e impôs o controlo central e apertado do Ministério. Não deveriam ser as escolas a contratar directamente os seus professores? Deveriam, mas Crato exige a última palavra.
Os professores e os seus sindicatos foram escolhidos como os alvos a quebrar. O poder do Ministério ocupou-se a complicar-lhes a vida. E mesmo que muitos reconheçamos que Mário Nogueira é tantas vezes insuportável, o outrora reorganizador do proletariado tem dado tantas e justas razões de queixa aos professores, que transformou o sindicalista comunista num resistente respeitável. É obra!
Ser professor hoje tornou-se um pesadelo de desconfiança, desconsideração, burocracia, depauperização e precariedade. Não é uma realidade única, dados os sacrifícios a que fomos submetidos, mas revela um empenho obsessivo em desvalorizar agentes educativos. Em toda esta confusão, que já dura há quatro semanas, sobressai a frieza burocrática dos que traduzem a desgraça de alunos, pais e professores por 'erros de transcrição legislativa', de 'algoritmos'... As garantias ministeriais de manutenção de professores nas escolas transformam-se num jogo de tempos verbais. 'Disse mantêm-se, não disse manter-se-ão.' Crato dixit.
Há professores que mudaram a sua vida do dia para a noite. Colocados a centenas de quilómetros, abandonaram casas, alugaram casas, mudaram filhos de escola, para, afinal, ficarem no vazio, descolocados... Não se pense que os burocratas não têm solução. Se há um erro corrige-se, isto é, criam-se novos 'procedimentos concursais'. Se há prejuízos, haverá compensação, leia-se, haverá uma comissão. Não é uma comissão qualquer. O Conselho Superior da Magistratura nomeará um magistrado que presida à comissão... Bem pode a justiça dispensar magistrados para compensar os erros de Crato. Se não fosse trágico seria ridículo. Já se imagina a ministra da Justiça a pensar em comissões de indemnização pelo atraso do Citius!
Os burocratas revolucionários adoram legislar, criar comissões, concentram-se em 'procedimentos concursais', inventam 'territórios educativos', 'bolsas de contratações' e, imaginem, 'algoritmos', algo que é caro aos matemáticos, mas que, pelos vistos, traiu o ministro.
Nuno Crato descolou da realidade. Um ministro da Educação que não consegue garantir normalidade na abertura de um ano escolar e que é, ele próprio, um factor de perturbação, perdeu a utilidade. Alguém precisa de um ministro inútil?
19:42 09.10.2014
António José Teixeira
SIC Notícias
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