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Mensagem por Admin Qua Jan 21, 2015 4:17 pm

A nova flexibilidade das regras europeias não é um alívio na disciplina - é um incentivo quer a contas equilibradas, quer a reformas impopulares.


O Pacto de Estabilidade e Crescimento agora é menos disciplinador e mais amigo dos estímulos rápidos e indolores à economia portuguesa. Certo? Acredita quem quiser, mas estará por sua conta e risco. 

A flexibilização das regras orçamentais europeias, explicada na semana passada pela Comissão, não "ajuda" Portugal a suavizar a austeridade ou a estimular a economia este ano. Mesmo a partir de 2016, e assumindo que o país apresenta um défice orçamental abaixo de 3% do PIB, a margem adicional ao dispor do próximo governo será tanto maior quanto mais baixo for o défice - e dependerá, em alguns casos, da execução de políticas impopulares, eufemisticamente apelidadas de "reformas estruturais". Enquanto não sair do procedimento por défices excessivos, para países com défice acima de 3%, Portugal fica abrangido por dois tipos de "ajuda": tolerância limitada para desvios devidos a acontecimentos fora do controlo do Governo (uma contracção inesperada da economia, por exemplo) e um fecho mais rápido do próprio procedimento por défices excessivos. Na prática, contudo, nada disto se aplicará. Por um lado, não se prevê uma contracção inesperada da economia portuguesa (os avisos de Bruxelas foram, aliás, sobre o optimismo do governo na previsão de receita fiscal). Por outro, a Comissão só tiraria Portugal da lista de infractores se o desvio acima de 3% fosse devido a custos de uma reforma do sistema de pensões, um cenário já afastado em ano eleitoral.

A flexibilidade "nova" e mais interessante - parte do que está no parágrafo anterior já tinha sido decidido em Junho do ano passado - está ao alcance de quem tem contas equilibradas segundo os padrões de Bruxelas. Se Portugal conseguir esse feito no final deste ano poderá beneficiar, no papel, de quatro tipos de tolerância. 

Primeiro: pode apresentar um deslize temporário nas contas de até 0,5% do PIB se o governo detalhar um plano de reformas estruturais. É um incentivo para os governos reformarem a Segurança Social, a lei laboral, o arrendamento, a administração pública e por aí adiante - um incentivo, no fundo, para medidas difíceis. 

Segundo: pode tirar do défice as verbas que investir num fundo europeu de investimento público. Este é um incentivo para alimentar um bolo comum, que faz parte do "plano Juncker", dirigido sobretudo aos maiores contribuintes europeus, como a Alemanha. Mesmo justificado por esta razão, o desvio à meta nominal de défice de 3% tem de ser "pequeno" e "temporário". 

Terceiro: um país disciplinado pode tirar das contas a comparticipação nacional de projectos de investimento público co-financiados por fundos europeus. Este desvio não pode levar à violação do limite de 3% de défice e o país deve deixar uma margem de segurança, que Bruxelas não detalha. Portugal, com um défice esperado acima de 2,5% este ano tem alguma coisa para aproveitar aqui (cada décima do PIB vale cerca de 170 milhões). Se quisermos ter mais margem para desorçamentar investimento público, o tipo de margem que faz a diferença na economia, precisamos de um défice significativamente menor. 


Quarto: a um país com défice abaixo de 3% pode ser exigido um esforço de ajustamento orçamental menor em tempos difíceis para a economia. Dito assim parece muito bonito, mas há que dar a devida atenção à bela matriz que a burocracia europeia criou para classificar o que são tempos difíceis, lendo-a em conjunto com as projecções da Comissão para o nosso PIB potencial e nível de endividamento. Conclusão: o alívio no esforço estrutural (que exclui o efeito do ciclo da economia) levará previsivelmente a um ritmo em tudo semelhante... ao já previsto no Tratado Orçamental. Não admira, por isso, que as novas regras tenham sido desvalorizadas pelo Governo e recebidas com indisfarçável desilusão pelos deputados europeus do PS (António Costa ainda ensaiou uma leitura enviesada das regras para contrastar com o silêncio do Governo, mas sem grande poder de persuasão). O benefício directo para Portugal será curto, o indirecto (via estímulo a economias para onde exportamos) é difícil de medir - e as alterações são, afinal, um reconhecimento da austeridade feita e um incentivo à disciplina.

Bruno Faria Lopes 
00.05 h
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