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A crise do Estado-espectáculo
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A crise do Estado-espectáculo
O bom político não é necessariamente o que sabe muito, mas o que melhor finge. Não é o que estuda, mas o que fala muito, sobretudo se zaragateia bem
A crise que vivemos é a crise do Estado-espectáculo.
Fomos prevenidos: entre nós, Adriano Moreira é dos que mais procuraram alertar, há muitos anos, dos mais diversos ângulos de abordagem, na política nacional e internacional. As questões suscitadas no "Manifesto por Uma Democracia de Qualidade" têm a ver também com esse exacto problema: a subjugação da política pela pressão mediática. E a questão da desinstitucionalização crescente da vida política (e até empresarial e societária) que abordei em artigo anterior - A democracia Ketchup - é outra faceta do problema.
A pressão mediática cercou a política e subordinou-a. Foi sempre importante saber comunicar, uma das funções essenciais em política. Quando comecei, era habitual ouvir que "o bom político devia gastar 50% do tempo a fazer e outros 50% a comunicar". Hoje, para muitos, as exigências mediáticas levam a gastar 95% a comunicar... sobrando apenas 5% para fazer. A política, os políticos e as instituições têm tido dificuldade em ajustar-se aos novos tempos da comunicação total e a estabilizar um novo equilíbrio.
Começou com a obsessão do telejornal. A pouco e pouco, já não era o telejornal que existia para informar o que acontecera, mas passou-se a fazer acontecer para o telejornal. Desde aí, a evolução tem sido exponencial e frenética com os novos meios digitais. O marketing tornou-se imperador e os partidos foram substituindo os gabinetes de estudo pelos gabinetes de marketing - o embrulho tornou-se mais importante que a substância. Passou a ser mais importante parecer bem que ser certo. A ética foi decaindo debaixo da cosmética da aparência. E a ironia atingiu um estádio tal em que a "democracia mediática" tornou rainha a velha máxima do nazi Joseph Goebbels: "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade." Tornou-se mais fácil um aldrabão ser rei.
A decadência da representação política emanou daí: de ceder o passo à predominância da representação teatral. O bom político não é necessariamente o que sabe muito, mas o que melhor finge. Não é o que estuda, mas o que fala muito, sobretudo se zaragateia bem. Não é o que se prepara, mas o que galga o palco - e o ocupa. Não é tanto aquele que é bom, mas o que parece bem.
Se olharmos a diversos ângulos e facetas da decadência da vida política e dos badalados declínio da classe política e degradação da política, não temos dificuldade em detectar manifestações, traços e sinais do Estado-espectáculo e dos seus tiques. É daí que brota o veneno de que nos queixamos.
O mal não é português, não nos martirizemos. Na minha experiência europeia encontrei o problema e a mesma crise praticamente por todo o lado. Não é melhor em França, em Itália ou em Espanha - às vezes é pior. Na imprensa mundial lemos que o mal é global - é um ar do tempo. Não que sirva de grande consolo, menos ainda de solução; mas põe o desafio em perspectiva.
Penso ter encontrado uma só excepção a esta vertigem do Estado-espectáculo. E a excepção é a Alemanha. É observação meramente empírica, que vale o que vale. Mas é a observação que tenho feito. A Alemanha não está obviamente imune àquele ar do tempo, mas resiste-lhe melhor. E a sua política funciona qualitativamente melhor, nos modos, nos processos, nos agentes, nas decisões.
Porquê? Já me tenho perguntado porquê. E encontrei duas explicações. Uma são as fundações políticas alemãs. O facto de os partidos alemães terem tido a inteligência de criar - aliás, por lei - fundações políticas (Konrad Adenauer, Friedrich Ebert, Friedrich Naumann, etc.) agregadas a cada partido, mas autónomas, ajudou a preservar e a aprofundar a qualidade da política. Mesmo nos tempos do vendaval mediático, manteve um espírito de escola e de estudo, uma corrente mais substantiva de preparação e selecção do pessoal político, não restrita ao grande actor ou ao hábil malabarista.
A outra razão corresponde exactamente ao sistema eleitoral alemão. É particularmente engenhoso e muito inteligente, articulando de modo harmonioso candidaturas uninominais e plurinominais e assegurando uma representação proporcional justa. O maior poder dos eleitores, que tem a ver com a parcela uninominal do sistema e a sua influência na operação global dos partidos, protege a democracia de base, fortalece a legitimidade dos eleitos e reforça a saúde do sistema.
Porque não fazemos igual? Porque não experimentamos?
Muitos dos partidos portugueses beneficiaram, aliás, de um estreito convívio com as fundações alemãs logo a seguir ao 25 de Abril e puderam testemunhar esses méritos até no plano da cooperação democrática internacional. E beneficiar disso. Pena que tenhamos aprendido pouco. Mas vamos sempre a tempo.
Advogado
Por José Ribeiro e Castro
publicado em 18 Fev 2015 - 08:00
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