O que não se pode importar

Podia ser um qualquer café em Portugal, daqueles de aldeia, de mesas simples, garrafas expostas, os traçados, as minis e os tremoços. Um cantinho português com gentes de traços carregados do trabalho duro do dia-a-dia que partilham histórias e recordações. Incontornavelmente, o futebol junta-os e, por momentos, esquecem o que os afecta, discutem com a mesma emoção de quem está num estádio, de quem sente o cheiro da relva molhada ou os cânticos da claque. Procuram nas novas caras a informação de quem de lá chegou agora e escutam com um ar atento, de quem não quer perder pitada para depois reproduzir – foi fulano que aqui esteve que me disse.

Ali vive-se e respira-se Portugal, repetem-se piadas e histórias que são contadas como se da primeira vez se tratasse. Reencontram-se amigos, choram-se os mortos e brinda-se aos novos filhos, sobrinhos e irmãos que estão lá… longe, no país do coração.

Podia ser um qualquer café em Portugal, os mesmos cheiros de bifana, o inconfundível quebrar das cascas de amendoim, o ruído de fundo da televisão e o monólogo do bêbado no fundo do balcão. Sentem-se em casa, sentimo-nos em casa. Matam saudades do que os mata, matam o tempo que os maça e enchem-se de coragem para mais um dia de carga. Aqui, numa terra emprestada, mas num café igual a muitos outros em Portugal.

Encontram o que não se pode importar e que o tempo ajuda a agudizar. Ali discutem, berram, abraçam-se, choram, riem e, por momentos, sentem e vivem o aconchego da sua terra e suas gentes. Ali, como num qualquer café em Portugal, sentem--se em casa e reencontram a esperança de um dia regressar.

Escreve ao sábado

Por Filipe Baptista
publicado em 14 Mar 2015 - 08:00
Jornal i