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Quando a esmola é grande, o pobre desconfia

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Quando a esmola é grande, o pobre desconfia Empty Quando a esmola é grande, o pobre desconfia

Mensagem por Admin Seg Jun 01, 2015 12:25 pm

Quando a esmola é grande, o pobre desconfia 463287

Quando comecei a escrever regularmente sobre política, não tinha qualquer apetência pelas questões económicas.

Os tempos conturbados que se seguiram ao 25 de Abril também não convidavam a isso: a política ocupava tudo, absorvia tudo, monopolizava tudo.

E assim foi até ao fim dos loucos anos 70 e nos princípios de 80.

Muitos portugueses abriram pela primeira vez os olhos para as questões económicas em 1983, com a chamada do FMI a Portugal, quando Mário Soares proferiu a célebre frase: «Os problemas económicos em Portugal são fáceis de explicar e a única coisa a fazer é apertar o cinto».

Mas logo em 1985 a política recuperou a hegemonia no palco mediático, com a conquista do poder por Cavaco Silva.

Apesar de ser economista, Cavaco dramatizou ao máximo as questões políticas, acabando por conquistar em 1987 a maioria absoluta.

A preocupação com a economia voltou na fase final do cavaquismo e nos primeiros tempos de Guterres, que foi acusado de não aproveitar as condições favoráveis.

Assim, ouvimos Durão Barroso dizer em 2002 que o país estava «de tanga».

E, após o curto consulado de Santana Lopes, José Sócrates ganhou as eleições e aumentou os impostos, depois de ter prometido baixá-los.

Até que, em 2011, com os juros da dívida a atingirem valores incomportáveis, Sócrates chama a troika e negoceia medidas de austeridade – que o Governo PSD/CDS irá aplicar.

É óbvio que, com esta evolução do país – progressivamente dominado pelas questões económicas –, os comentadores políticos tiveram de se ocupar cada vez mais do assunto.

Perceber só de política deixou de chegar para fazer análise política ajustada à realidade.

Entre o fogo de artifício de propostas e promessas lançadas pelo PS nas últimas semanas, o debate vai centrar-se sobretudo nas medidas de carácter económico.

E, como já se percebeu, um dos principais motores do crescimento da economia será, para o Partido Socialista, o aumento do consumo.

Ora, tenho muita dificuldade em entender esta opção – que só será compreensível numa perspectiva de querer agradar aos eleitores.

No fundo, o PS diz o seguinte: nós vamos distribuir mais dinheiro às pessoas, portanto o consumo vai aumentar, o PIB vai subir e a economia vai animar-se.

Acontece que as políticas de estímulo ao consumo não servem a países como Portugal.

Isso está sobejamente demonstrado.

Aliás, Teodora Cardoso, embora recusando-se a analisar as propostas socialistas, já lançou um alerta sério para os riscos de uma política deste tipo.

A questão explica-se de uma forma muito simples.

A classe média é a que mais consome; e do que a classe média consome, 60 a 70% é importado – dos carros à alimentação, passando pelas tecnologias.

Assim, o aumento do consumo provoca sempre o aumento das importações e o desequilíbrio da balança comercial, agravando o défice externo.

A dependência em relação ao exterior cresce, e a dívida externa também.

Esta situação começou a assumir graves proporções no tempo de Guterres, levando Durão a dizer a tal frase sobre o país ‘de tanga’.

Mas há outras consequências negativas do aumento do consumo das famílias.

Ele virá contrariar a tendência verificada nos últimos três anos, em que a retracção do consumo interno levou muitas empresas nacionais a virarem-se para o estrangeiro, provocando o crescimento das exportações.

Como resultado disso, a balança comercial equilibrou-se e a dívida externa diminuiu.

Mas, se o consumo voltar a subir, a situação tornará a inverter-se.

E há mais.

Como os últimos três anos também provaram, os períodos de austeridade correspondem a uma maior poupança.

Com medo da crise, as famílias gastam menos e poupam mais – o que é bom para a liquidez dos bancos.

Em conclusão, uma política de estímulo ao mercado interno poderá ser boa para países como a Alemanha, com uma grande indústria, em que o aumento do consumo da classe média faz mexer as empresas nacionais.

Em países como Portugal, em que a indústria é fraca, o crescimento do consumo vai beneficiar essencialmente as empresas estrangeiras.

Vai promover o emprego nos países dos quais Portugal importa.

E vai provocar hemorragia de capitais.

Esta é uma das principais razões para considerar altamente perigosas as propostas económicas do PS.

E os que as fizeram sabem-no.

Mas quiseram ser populares.

Dizendo que vão distribuir mais dinheiro às pessoas para elas poderem comprar mais, acham que estão a ganhar votos.

Mas será assim?

Depois de tantas dificuldades, muitos eleitores podem desconfiar das promessas de facilidades: quando a esmola é grande, o pobre desconfia.

E gato escaldado de água fria tem medo.

 José António Saraiva | 01/06/2015 13:09:05
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