Nem do mal que fizemos se dão conta

Ao passear pelos cais de Lisboa, o embaixador francês deu com a novidade vinda das Américas: a folha duma planta que curava as dores de cabeça. Quando Jean Nicot regressou a Paris, em 1561, apresentou o tabaco à corte de Catarina de Médicis, regente de França. Como de costume, os portugueses não souberam tirar a patente: erva de Nicot, passou a chamar-se o milagre. 

Dois séculos depois, o botânico Carlos Lineu deu-lhe prestígio científico ao chamar Nicotiana Tabacum à planta. E, mais tarde, o cônsul português em Paris Eça de Queirós escreveria: "Pensar e fumar são duas operações idênticas que consistem em atirar pequenas nuvens ao vento." Estava Jean Nicot envolto nessa aura quando os tempos modernos lhe mudaram a fama: hoje, ele seria mais conhecido como Jean Cancro de Pulmão. Ontem, a sede do PS francês, em Paris, foi atacada com carregamentos de camiões deitados à porta: cenouras. Cenouras aos montes. 

O que teria esta simpática e saudável raiz, cheia de antioxidantes e vitamina A, a ver com a, agora, famigerada erva de Nicot? É que à porta dos seus quiosques os comerciantes franceses que vendem cigarros têm o anúncio com a palavra "Tabac" e um desenho que evoca uma cenoura. A manifestação de ontem era contra a campanha anti-tabaco do governo socialista francês. Nunca fumei, mas lamento que os comerciantes franceses não tenham ido à embaixada de Portugal pedir asilo. Estou carente de consideração, mesmo que a causa seja má.

por FERREIRA FERNANDES  
Diário de Notícias