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O ambiente reinante
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O ambiente reinante
Os problemas que assombram a justiça portuguesa pouco ou nada têm que ver com a influência dos partidos
1. Pensar que o poder judicial é imune ao ambiente reinante numa comunidade é, evidentemente, um disparate. Podem invocar-se todos os génios deste e doutro mundo, da nossa época e de outras, ou lembrar os milhares de estudos feitos sobre esta matéria, mas, no fundo, basta não esquecer que a justiça é feita por homens e mulheres.
Uma das premissas básicas do Estado de direito, e mais concretamente do funcionamento da justiça, porém, é fazer que a aplicação da lei dependa o menos possível dos humores, das convicções, do ambiente social e das perceções de quem tem de a exercer. A lei resulta, claro está, entre outras coisas, do tal ambiente social, dos valores, das perceções, é na sua essência mais profunda, numa democracia, a expressão da vontade popular, e são esses vários condicionalismos que a enformam. Outra coisa diferente e muito perigosa é, muito resumidamente, o ambiente reinante condicionar a aplicação estrita da lei.
Seria importante, a cada momento ou época, perceber o que provoca o "ambiente reinante". Quais são as suas forças motrizes, quais as suas motivações, quem gera as perceções. Será que uma comunidade em que constantemente está na ordem do dia a vontade de inverter o ónus da prova - a célebre lei do enriquecimento ilícito -, em que jornais de grande tiragem exibem impunemente matérias em segredo de justiça, em que escutas são habilidosamente colocadas à disposição do público para gerar perceções de culpa, permite uma boa capacidade dos operadores de justiça para aplicar convenientemente a lei? Será que as inúmeras condenações na praça pública não acabam por condicionar os juízes? Ou seja, estarão os juízes e demais membros da justiça a ser condicionados pelo tal ambiente reinante, demasiadas vezes construído através de insinuações, boatos e difamações amplificados como nunca foi possível através de tabloides e redes sociais? Será isto um ambiente saudável para a realização da justiça? É este o ar mais respirável do ponto de vista do Estado de direito a que Paulo Rangel aludia num artigo no Público, em que desdizia tudo o que tinha dito dois dias antes?
Que ar respirável é esse quando assistimos a uma vontade de castigar "os ricos e poderosos" porque supostamente são ricos ou poderosos? A lei será diferente para eles? E se, por hipótese, foram em tempos beneficiados, devem ser agora destituídos de direitos e garantias? O ar fica mais respirável quando juízes defendem pontos de vista trazendo ditados populares como o célebre "quem cabras vende e cabras não tem" - mais um descarado manifesto em favor da inversão do ónus da prova -, ou condenam pessoas por crimes patrimoniais como se fossem os mais vis crimes de sangue, ou se punem pessoas por alguém ter dito a outro que dava a alguém dinheiro ou outro tipo de bens, ou um juiz presume que um contrato dado a um familiar afastado resulta sempre num favorecimento pessoal?
Trazer a política partidária para as questões da justiça é sempre perigoso, sobretudo quando se insinua que estando um partido no poder os órgãos judiciais funcionam melhor ou pior - e não por darem mais ou menos meios para que a justiça tenha um melhor desempenho. O maior problema é que afasta os partidos do mais urgente acordo que tem de ser feito entre os principais partidos portugueses: o da reforma do edifício judicial.
Mais, é minha convicção que os problemas que assombram a justiça portuguesa pouco ou nada têm que ver com a influência dos partidos. Há sim, em alguns setores, uma vertigem de justiceirismo, de uma espécie de moralização que esquece a lei e os métodos próprios de a aplicar, de impunidade, de se pensar que a ninguém se tem de dar satisfações, um ambiente nebuloso entre pasquins com intenções duvidosas e alguns operadores judiciais.
Parece haver gente na justiça que pretende exercer um poder que não deve nem pode ter, mas esse fenómeno está muito para lá da política partidária ou da influência do poder executivo.
Cabe aos nossos representantes pôr cobro a esta situação. Só eles o podem fazer, e não será com certeza com insinuações sobre a suposta influência dos outros partidos no normal funcionamento da justiça que se chegará aos acordos que são tão necessários para mudar o que urge mudar.
2. Sócrates está agora em casa, mas continua preso. E sendo perfeitamente válidas e relevantes as análises sobre as consequências políticas das suas possíveis intervenções públicas, o que importa lembrar é que temos um ex-primeiro-ministro a ser investigado há mais de três anos, encarcerado num estabelecimento prisional durante nove meses e ainda não foi feita a acusação. Junte-se a isto a divulgação de peças processuais sempre no mesmo sentido, hipotéticas investigações que eram esquecidas no dia seguinte, publicação de interrogatórios e uma longa série de acontecimentos que criou, não há como o negar, uma presunção de culpabilidade sobre Sócrates.
Se tudo isto - mesmo que depois as provas contra Sócrates sejam inequívocas e que acabe por ser condenado - não nos fizer refletir sobre o estado da justiça não sei o que fará.
por PEDRO MARQUES LOPES
Diário de Notícias
1. Pensar que o poder judicial é imune ao ambiente reinante numa comunidade é, evidentemente, um disparate. Podem invocar-se todos os génios deste e doutro mundo, da nossa época e de outras, ou lembrar os milhares de estudos feitos sobre esta matéria, mas, no fundo, basta não esquecer que a justiça é feita por homens e mulheres.
Uma das premissas básicas do Estado de direito, e mais concretamente do funcionamento da justiça, porém, é fazer que a aplicação da lei dependa o menos possível dos humores, das convicções, do ambiente social e das perceções de quem tem de a exercer. A lei resulta, claro está, entre outras coisas, do tal ambiente social, dos valores, das perceções, é na sua essência mais profunda, numa democracia, a expressão da vontade popular, e são esses vários condicionalismos que a enformam. Outra coisa diferente e muito perigosa é, muito resumidamente, o ambiente reinante condicionar a aplicação estrita da lei.
Seria importante, a cada momento ou época, perceber o que provoca o "ambiente reinante". Quais são as suas forças motrizes, quais as suas motivações, quem gera as perceções. Será que uma comunidade em que constantemente está na ordem do dia a vontade de inverter o ónus da prova - a célebre lei do enriquecimento ilícito -, em que jornais de grande tiragem exibem impunemente matérias em segredo de justiça, em que escutas são habilidosamente colocadas à disposição do público para gerar perceções de culpa, permite uma boa capacidade dos operadores de justiça para aplicar convenientemente a lei? Será que as inúmeras condenações na praça pública não acabam por condicionar os juízes? Ou seja, estarão os juízes e demais membros da justiça a ser condicionados pelo tal ambiente reinante, demasiadas vezes construído através de insinuações, boatos e difamações amplificados como nunca foi possível através de tabloides e redes sociais? Será isto um ambiente saudável para a realização da justiça? É este o ar mais respirável do ponto de vista do Estado de direito a que Paulo Rangel aludia num artigo no Público, em que desdizia tudo o que tinha dito dois dias antes?
Que ar respirável é esse quando assistimos a uma vontade de castigar "os ricos e poderosos" porque supostamente são ricos ou poderosos? A lei será diferente para eles? E se, por hipótese, foram em tempos beneficiados, devem ser agora destituídos de direitos e garantias? O ar fica mais respirável quando juízes defendem pontos de vista trazendo ditados populares como o célebre "quem cabras vende e cabras não tem" - mais um descarado manifesto em favor da inversão do ónus da prova -, ou condenam pessoas por crimes patrimoniais como se fossem os mais vis crimes de sangue, ou se punem pessoas por alguém ter dito a outro que dava a alguém dinheiro ou outro tipo de bens, ou um juiz presume que um contrato dado a um familiar afastado resulta sempre num favorecimento pessoal?
Trazer a política partidária para as questões da justiça é sempre perigoso, sobretudo quando se insinua que estando um partido no poder os órgãos judiciais funcionam melhor ou pior - e não por darem mais ou menos meios para que a justiça tenha um melhor desempenho. O maior problema é que afasta os partidos do mais urgente acordo que tem de ser feito entre os principais partidos portugueses: o da reforma do edifício judicial.
Mais, é minha convicção que os problemas que assombram a justiça portuguesa pouco ou nada têm que ver com a influência dos partidos. Há sim, em alguns setores, uma vertigem de justiceirismo, de uma espécie de moralização que esquece a lei e os métodos próprios de a aplicar, de impunidade, de se pensar que a ninguém se tem de dar satisfações, um ambiente nebuloso entre pasquins com intenções duvidosas e alguns operadores judiciais.
Parece haver gente na justiça que pretende exercer um poder que não deve nem pode ter, mas esse fenómeno está muito para lá da política partidária ou da influência do poder executivo.
Cabe aos nossos representantes pôr cobro a esta situação. Só eles o podem fazer, e não será com certeza com insinuações sobre a suposta influência dos outros partidos no normal funcionamento da justiça que se chegará aos acordos que são tão necessários para mudar o que urge mudar.
2. Sócrates está agora em casa, mas continua preso. E sendo perfeitamente válidas e relevantes as análises sobre as consequências políticas das suas possíveis intervenções públicas, o que importa lembrar é que temos um ex-primeiro-ministro a ser investigado há mais de três anos, encarcerado num estabelecimento prisional durante nove meses e ainda não foi feita a acusação. Junte-se a isto a divulgação de peças processuais sempre no mesmo sentido, hipotéticas investigações que eram esquecidas no dia seguinte, publicação de interrogatórios e uma longa série de acontecimentos que criou, não há como o negar, uma presunção de culpabilidade sobre Sócrates.
Se tudo isto - mesmo que depois as provas contra Sócrates sejam inequívocas e que acabe por ser condenado - não nos fizer refletir sobre o estado da justiça não sei o que fará.
por PEDRO MARQUES LOPES
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