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E que Porto queremos vender, afinal?

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E que Porto queremos vender, afinal? Empty E que Porto queremos vender, afinal?

Mensagem por Admin Qui Out 22, 2015 1:15 pm

Rui Moreira tem mais mundo que uma parte considerável dos autarcas portugueses que conheço. Compreende, melhor que o seu antecessor, a importância de investir, do ponto de vista interno e externo, na promoção do Porto como cidade moderna, conectada – reinvenção do que sempre foi – ao exterior, e como palco principal de uma revolução silenciosa que se diz estar a mudar a economia portuguesa: uma revolução que passa pela inteligência mais do que pelas mãos, que implica rapidez, mais do que contemplação.

Mas Rui Moreira sabe também que o Porto que está a vender aos turistas que aterram aos milhares na cidade pode ser um pouco desse novo Porto que se mostra nos fóruns das Smart Cities, mas é muito mais um Porto também ele “bucólico”, de uma rusticidade feita de ruas estreitas, avessas ao sol mas prenhas de vida. Paisagem urbana atreita a passeios vagorosos e à contemplação, onde talvez não se apregoem galos de Barcelos (o que nem é verdade), mas onde a sofisticação, tirando o caso dos apartamentos gentrificados, é quase nula. E onde é possível sentirmo-nos mais perto de Trás-os-Montes do que de Barcelona. Não é tautologia, é uma questão de entrar num tasco e ler a carta.

Rui Moreira é melhor que Rio, nisto do seu entendimento da cidade, porque é muito diferente de Rio, que tinha muito menos mundo. Mas um contribui para a identidade do outro da mesma forma que o que está para lá da grande cidade contribui para a nossa percepção das vantagens, e desvantagens, da paisagem urbana. O Porto é o que é por oposição ao que é, ou ao que imaginamos que é, a sua envolvente. É assim que se constroem as identidades. A das pessoas e dos lugares

Pensar, por isso, o Porto, a outrora cidade industriosa e actual "cidade do software", implica aceitar a paisagem bucólica (que é pouca já), que o rodeia, e incorporá-la, sem medo, nos seus discursos promocionais. Implica não ter vergonha de nos deixarmos vender ao lado de artesanato – que os novos artesãos urbanos, a que agora chamamos designers, até já estão a reinventar sem receios de perder a compostura ou a clientela – e de umas pernas de presunto, esse que os novos chefs incorporam, também, nas suas inovações. Que partem, num caso como o noutro, de uma tradição.

Por outro lado, dizer, como disse Moreira, que o Porto não quer ser confundido, na promoção externa, com o galo de Barcelos ou com uma alheira (sim, estas estão em mau momento, mas passa!), abre a porta a que alguém, também num mau dia, possa reivindicar que as tripas fazem mal à imagem da cidade – afinal, não passam de intestinos de porco, ó coisa primária, tão pouco moderna – e possa afirmar que a identidade do Porto está no seu futuro, não num passado, numa tradição qualquer, de que um dia se tenha orgulhado.

Nesse dia, seremos uma cidade de novos Pritzkers, mas sem história. E qualquer herdeiro de um Anthony Bourdain, esse que um dia visitou Portugal para comer bifanas e conservas, pensará duas vezes antes de passar por uma cidade sem as sandes da Badalhoca ou do Guedes, e onde só haverá estrelas Michelin. Tenho a impressão que Rui Moreira não quer nada disto. Mas também tenho a impressão que, perdendo o Norte, o Porto fica mais pobre, menos complexo, no que de si se possa dizer. Lá fora como em Portugal.

ABEL COENTRÃO 
22/10/2015 - 13:30
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