O pão verdadeiro

O pão verdadeiro é uma intimidade sagrada.


Na sexta-feira à noite fomos fazer uma visita-surpresa à padaria que faz o pão que comemos todos os dias. Abriram-nos as portas. Não há melhor anfitrião do que quem não tem nada para esconder e se orgulha de mostrar o que tem.

O pão verdadeiro é uma intimidade sagrada. Ver o forno onde coze o pão que todas as manhãs pomos na boca é deliciosamente freudiano. A pá que entra no forno; as bolinhas de pão cru; a lenha que brilha: todas estas imagens crepitam nas nossas imaginações mais filiais e eróticas.

Noutra padaria verdadeira a cento e tal metros da nossa, também com forno a lenha e farinhas portuguesas de primeira qualidade, comprámos três tipos de pão integral (sem mais nada, com sementes de sésamo na côdea ou com várias sementes na côdea) quentinhos e acabados de cozer. Seis bolas gigantes e duas formas enormes custaram 3,70 euros.

Jantar pão integral estaladiço e morno, com queijinhos frescos de ovelha e uma sopa de grão daquelas que levam dois dias a fazer e uma década ou duas para esquecer, foi um dos maiores e mais baratos luxos das nossas vidas.

Os portugueses que compram pão fingido e temporário (que são a grande maioria da nossa população) deveriam visitar os padeiros electromésticos e as massas duvidosas com que fabricam o pão aldrabado (elogiado só por ser "quente") que vendem por tuta e meia, por custar para aí um quarto de tuta e meia.


Exijam, no mínimo, um forno de lenha e farinhas de marcas portuguesas. 95% falham.

MIGUEL ESTEVES CARDOSO 
25/10/2015 - 05:40
Público