O mercado único da Europa é um confortável clube corporativo

O comportamento mais chocante no escândalo Volkswagen pode não ser o da empresa, mas sim o do governo alemão e de outros governos europeus. Eles têm feito pressão para que as regras sejam mais frouxas, de maneira a que a VW e outros fabricantes não precisem mais de fazer batota para cumprir os requisitos.

Em 2017, a União Europeia implementa o seu teste de emissões em condições reais de condução. Isto significa que os encarregados dos testes vão medir as emissões de um carro a ser conduzido, em vez de confiarem em testes de laboratório. Neste momento, não há hipótese de que muitos carros fabricados na Europa possam passar nesses testes do mundo real. Os reguladores percebem que têm de agir - tornando os testes mais fáceis. Numa reunião na semana passada, autoridades técnicas de países membros da UE adotaram um novo regulamento para permitir que os carros a gasóleo excedam até 100% o limite oficial para as emissões de óxido de nitrogénio. Além disso, o acordo prevê períodos de transição generosos - e ainda bem, uma vez que os modelos atuais emitem, em média, sete vezes o nível permitido de óxido de nitrogénio.

Estes poluentes matam. O número estimado de mortes devido a emissões de gasóleo excede grandemente o número de acidentes rodoviários. Assim, poderemos ler a deliberação técnica da UE como uma decisão de matar alguns milhares de pessoas. O Parlamento Europeu ainda tem a oportunidade de rejeitar esse acordo. Encontrei-me com um deputado na semana passada que estava genuinamente indignado - embora não tivesse de modo algum a certeza de que a maioria dos deputados votasse contra o acordo.

A comunidade europeia original do carvão e do aço foi fundada como um cartel de produtores e esse cartel está ainda nos genes da UE moderna. O que este episódio nos mostra é até que ponto os interesses próprios de uma indústria superam tudo o mais no mercado único europeu.

A mesma tendência está em ação noutras áreas da economia europeia. Quando a UE criou um mercado único financeiro, não criou um mercado que permitisse às pessoas utilizar os bancos além-fronteiras ou obter uma hipoteca ou um crédito ao consumo de credores localizados em qualquer lugar dentro da união. O que foi criado foi um mercado que permitisse aos bancos concentrar as suas operações grossistas.

Suspeito de que é por isso que o mercado único não teve praticamente nenhum impacto macroeconómico - por exemplo, sobre a produtividade agregada ou sobre o produto interno bruto. Quando os ministros e autoridades da UE se reúnem para harmonizar as regras nacionais, eles não pensam muito sobre os cidadãos cujos interesses, em última análise, a economia deve servir e que estão em risco de morte devido à poluição. Também não tem muito que ver com a economia.

Tudo o que importa são os interesses dos produtores. Isto tem sido assim mesmo quando se descobre que as empresas em questão cometeram fraude em série, como no caso da VW.

Eu espero, e desejo, que o enganado consumidor europeu acabe por fazer que as coisas mudem, não através do seu poder para fazer lobby, mas através do seu poder de compra. As vendas da VW no Reino Unido caíram 9,8% em outubro, enquanto os registos de automóveis novos em geral caíram apenas 1,1%, de acordo com a Sociedade de Fabricantes e Comerciantes de Automóveis. Há relatos de que na Alemanha a VW está a fazer descontos de 30%. As pessoas podem estar a comprar ainda os veículos do grupo, mas certamente que não estão dispostas a continuar a pagar os preços elevados. Os carros híbridos ou elétricos de empresas com um cadastro limpo são capazes de ser muito mais atraentes para o europeu médio, ambientalmente consciente. A longo prazo, não há qualquer hipótese de a tecnologia diesel poluente poder sobreviver no mercado, nem mesmo com a ajuda dos governos. Mas antes da sua extinção, muitas coisas más podem, e irão, acontecer.

Está em jogo, também, uma questão mais vasta. A tentativa da UE de manipular os regulamentos das emissões para agradar aos fabricantes é um lembrete de que devemos acabar com a glorificação do mercado único da UE. Eu questiono seriamente a sensatez do lobby pró-UE no Reino Unido, que defendeu o mercado único como a principal razão para permanecer na UE.

Por muito progressista que a ideia possa ter parecido na década de 1980, o mercado único tem vindo a regredir desde meados da década passada. Neste caso particular, tornou-se tóxico.

09 DE NOVEMBRO DE 2015
00:20
Wolfgang Münchau
Diário de Notícias