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O recorde de usuários online foi de 864 em Sex Fev 03, 2017 11:03 pm
O ensino está todo errado
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O ensino está todo errado
No liceu fui sempre um aluno razoável – nunca fui um aluno extraordinário. Estive sempre na Turma A (a dos melhores alunos) e nunca chumbei um ano. Mas também nunca fui o melhor da turma, longe disso, nem nunca tive essa ambição.
Estudava o suficiente para ter notas entre o 12 e o 14. Só excecionalmente chegava ao 16. Mas também era raro ter menos de 10.
Devo confessar que a maioria das aulas não me interessava nada. Era um sacrifício suportar os 50 minutos que duravam e um alívio quando ouvia a campainha que assinalava o intervalo. E o que aprendia nos livros, nas vésperas das provas ou dos exames, também raramente me entusiasmava.
Eu estudava basicamente para passar de ano e não para aprender.
Não percebia por que se estudavam certas matérias – e ainda hoje não percebo, porque nunca me fizeram falta nenhuma.
Para que me serviu aprender as equações de 2.º e 3.º grau, ou os integrais, na matemática? Ou saber resolver aqueles problemas complicadíssimos na física ou na química? E a gramática? Para quê saber identificar o sujeito e o predicado e o nome predicativo do sujeito? Nunca soube isto. Sempre ignorei a gramática. Mas isso não me impediu de ser bom aluno a português, desforrando-me na redação e na interpretação, provando que a gramática não fazia falta nenhuma.
Inversamente, hoje percebo como é importante saber história, e gostaria de saber mais do que sei. História universal e história de Portugal. Como é importante saber geografia, conhecer o mapa-mundo e certos fenómenos da atmosfera. Idem no que respeita à zoologia, à botânica e à geologia: é importante conhecer os animais, as plantas e os minerais.
Mas tudo isto era ensinado de uma forma enfadonha, sem vida, que tornava a aprendizagem uma chatice.
Aliás, há uma coisa básica no ensino que nunca se fez: motivar os alunos para aprender.
Dou um exemplo.
Quando dei aulas no Centro de Formação da RTP, nos anos 70, apareceram por lá uns nórdicos que tinham o seguinte método de ensino: punham câmaras nas mãos das pessoas e mandavam-nas para a rua filmar. As pessoas não sabiam para que serviam os botões, nem como se focava, nem como se enquadrava, mas iam experimentando e tentando perceber como aquilo funcionava. Ora, quando chegavam às aulas e o professor explicava o funcionamento da câmara, os alunos eram verdadeiras esponjas – porque estavam a ouvir as respostas para as dificuldades que tinham sentido. E nunca mais esqueciam as explicações.
Todos nós já passámos por situações parecidas. Quando vamos buscar um carro novo ao stand, o vendedor dá-nos montes de explicações – sobre o rádio, o GPS, as variadíssimas funções, os programas automáticos, a abertura do capot, etc. – mas quando pegamos no carro e começamos a andar já não nos lembramos de metade das explicações.
Porém, se uns dias depois voltarmos ao stand e o vendedor repetir a lição, absorvemos tudo – porque estamos a obter respostas para aquilo que não conseguimos fazer.
O ensino devia ser assim: haver um período de preparação para aprender. As aulas seriam muito mais produtivas, os alunos perceberiam o porquê de estarem a aprender certas matérias.
Há no ensino coisas que se ensinam a mais e outras que se ensinam a menos. Talvez não acreditem, mas no curso de Arquitetura não havia nenhuma cadeira sobre a história da arquitetura portuguesa. Ou seja: nós, jovens candidatos a arquitetos, não tínhamos nenhuma ideia sobre a arquitetura que se fazia em Portugal nem sobre a sua evolução ao longo do tempo. Como não havia visitas a obras nem a ateliês de arquitetos. E, no entanto, aprendíamos pormenores ínfimos sobre maneiras de construir na Idade Média.
Julgo também que deveria haver uma muito maior articulação entre a escola e a vida.
Nos dias de hoje há muita gente a viver sozinha. E já não há ‘criadas de servir’, como havia no passado. Então, por que não incluir no ensino aulas de culinária, noções básicas de cozinha? Seria utilíssimo para todos. E não seria bom conhecermos melhor o funcionamento das casas que habitamos? Havendo cada vez menos gente para fazer certos serviços, por que não ensinar aos alunos noções básicas de trabalhos domésticos: como arranjar uma torneira, como usar um berbequim, como pendurar um quadro, como consertar uma tomada elétrica, etc.? Ao longo da vida todos poderiam experimentar a utilidade destes ensinamentos. Tal como certas noções de bricolage.
E conselhos de alimentação. Ou noções básicas de economia: juros, impostos, dívida soberana, inflação, balança comercial, etc . Estamos constantemente a ouvir estes palavrões na TV; ora, não seria mais útil aprender isto do que as equações de 2.º e 3.º grau?
Finalmente, há uma disciplina que deveria ser enormemente valorizada: o desenho. Em certas situações, é mais importante saber desenhar do que saber escrever. Quantas vezes já não ouvimos dizer: «Eu desenho muito mal, mas vou tentar...»? Saber exprimir ideias através de desenhos e outros elementos gráficos valoriza imenso a capacidade de comunicação de uma pessoa.
Em abono do atual ensino, diz-se que muitas destas coisas que aprendemos e nunca voltamos a usar são importantes porque dão ‘ginástica mental’. Discordo. As outras coisas que aprendêssemos em vez destas também dariam essa ginástica, com a vantagem de adquirirmos conhecimentos que se encaixariam na vida quotidiana e que estaríamos sempre a usar.
Um ensino mais ligado à vida, em que os alunos percebessem a utilidade do que estão a aprender e fossem previamente estimulados para absorver, que lhes desse competências mínimas para seguir uma especialização profissional mas também para funcionarem melhor no quotidiano, para serem mais auto-suficientes, menos dependentes, seria muito mais útil e motivador.
Mas caminhamos em sentido contrário. A introdução do computador na escola, por exemplo, parecendo um avanço, é um disparate – como explicava um dia destes Castro Caldas no SOL. Há certas zonas do cérebro que, quando não se desenvolvem na altura própria, morrem. Os jovens, com as calculadoras e os computadores, qualquer dia não sabem fazer de cabeça contas básicas de somar e dividir.
Ora saber a tabuada é uma daquelas coisas de que se percebe imediatamente a utilidade.
Todos os dias, quando vamos ao restaurante com colegas ou amigos e temos de dividir a conta, recorremos à cabeça para fazer o cálculo – e constatamos a importância de saber de cor a tabuada.
É isto que se pede ao ensino: dar ao nível básico conhecimentos que estejamos constantemente a utilizar, que nos permitam agir melhor e compreender melhor a realidade em que vivemos.
Depois, cada um desenvolverá esses conhecimentos de acordo com as suas capacidades, ambições e preferências.
jas@sol.pt
José António Cabrita | 19/11/2015 16:45
SOL
Estudava o suficiente para ter notas entre o 12 e o 14. Só excecionalmente chegava ao 16. Mas também era raro ter menos de 10.
Devo confessar que a maioria das aulas não me interessava nada. Era um sacrifício suportar os 50 minutos que duravam e um alívio quando ouvia a campainha que assinalava o intervalo. E o que aprendia nos livros, nas vésperas das provas ou dos exames, também raramente me entusiasmava.
Eu estudava basicamente para passar de ano e não para aprender.
Não percebia por que se estudavam certas matérias – e ainda hoje não percebo, porque nunca me fizeram falta nenhuma.
Para que me serviu aprender as equações de 2.º e 3.º grau, ou os integrais, na matemática? Ou saber resolver aqueles problemas complicadíssimos na física ou na química? E a gramática? Para quê saber identificar o sujeito e o predicado e o nome predicativo do sujeito? Nunca soube isto. Sempre ignorei a gramática. Mas isso não me impediu de ser bom aluno a português, desforrando-me na redação e na interpretação, provando que a gramática não fazia falta nenhuma.
Inversamente, hoje percebo como é importante saber história, e gostaria de saber mais do que sei. História universal e história de Portugal. Como é importante saber geografia, conhecer o mapa-mundo e certos fenómenos da atmosfera. Idem no que respeita à zoologia, à botânica e à geologia: é importante conhecer os animais, as plantas e os minerais.
Mas tudo isto era ensinado de uma forma enfadonha, sem vida, que tornava a aprendizagem uma chatice.
Aliás, há uma coisa básica no ensino que nunca se fez: motivar os alunos para aprender.
Dou um exemplo.
Quando dei aulas no Centro de Formação da RTP, nos anos 70, apareceram por lá uns nórdicos que tinham o seguinte método de ensino: punham câmaras nas mãos das pessoas e mandavam-nas para a rua filmar. As pessoas não sabiam para que serviam os botões, nem como se focava, nem como se enquadrava, mas iam experimentando e tentando perceber como aquilo funcionava. Ora, quando chegavam às aulas e o professor explicava o funcionamento da câmara, os alunos eram verdadeiras esponjas – porque estavam a ouvir as respostas para as dificuldades que tinham sentido. E nunca mais esqueciam as explicações.
Todos nós já passámos por situações parecidas. Quando vamos buscar um carro novo ao stand, o vendedor dá-nos montes de explicações – sobre o rádio, o GPS, as variadíssimas funções, os programas automáticos, a abertura do capot, etc. – mas quando pegamos no carro e começamos a andar já não nos lembramos de metade das explicações.
Porém, se uns dias depois voltarmos ao stand e o vendedor repetir a lição, absorvemos tudo – porque estamos a obter respostas para aquilo que não conseguimos fazer.
O ensino devia ser assim: haver um período de preparação para aprender. As aulas seriam muito mais produtivas, os alunos perceberiam o porquê de estarem a aprender certas matérias.
Há no ensino coisas que se ensinam a mais e outras que se ensinam a menos. Talvez não acreditem, mas no curso de Arquitetura não havia nenhuma cadeira sobre a história da arquitetura portuguesa. Ou seja: nós, jovens candidatos a arquitetos, não tínhamos nenhuma ideia sobre a arquitetura que se fazia em Portugal nem sobre a sua evolução ao longo do tempo. Como não havia visitas a obras nem a ateliês de arquitetos. E, no entanto, aprendíamos pormenores ínfimos sobre maneiras de construir na Idade Média.
Julgo também que deveria haver uma muito maior articulação entre a escola e a vida.
Nos dias de hoje há muita gente a viver sozinha. E já não há ‘criadas de servir’, como havia no passado. Então, por que não incluir no ensino aulas de culinária, noções básicas de cozinha? Seria utilíssimo para todos. E não seria bom conhecermos melhor o funcionamento das casas que habitamos? Havendo cada vez menos gente para fazer certos serviços, por que não ensinar aos alunos noções básicas de trabalhos domésticos: como arranjar uma torneira, como usar um berbequim, como pendurar um quadro, como consertar uma tomada elétrica, etc.? Ao longo da vida todos poderiam experimentar a utilidade destes ensinamentos. Tal como certas noções de bricolage.
E conselhos de alimentação. Ou noções básicas de economia: juros, impostos, dívida soberana, inflação, balança comercial, etc . Estamos constantemente a ouvir estes palavrões na TV; ora, não seria mais útil aprender isto do que as equações de 2.º e 3.º grau?
Finalmente, há uma disciplina que deveria ser enormemente valorizada: o desenho. Em certas situações, é mais importante saber desenhar do que saber escrever. Quantas vezes já não ouvimos dizer: «Eu desenho muito mal, mas vou tentar...»? Saber exprimir ideias através de desenhos e outros elementos gráficos valoriza imenso a capacidade de comunicação de uma pessoa.
Em abono do atual ensino, diz-se que muitas destas coisas que aprendemos e nunca voltamos a usar são importantes porque dão ‘ginástica mental’. Discordo. As outras coisas que aprendêssemos em vez destas também dariam essa ginástica, com a vantagem de adquirirmos conhecimentos que se encaixariam na vida quotidiana e que estaríamos sempre a usar.
Um ensino mais ligado à vida, em que os alunos percebessem a utilidade do que estão a aprender e fossem previamente estimulados para absorver, que lhes desse competências mínimas para seguir uma especialização profissional mas também para funcionarem melhor no quotidiano, para serem mais auto-suficientes, menos dependentes, seria muito mais útil e motivador.
Mas caminhamos em sentido contrário. A introdução do computador na escola, por exemplo, parecendo um avanço, é um disparate – como explicava um dia destes Castro Caldas no SOL. Há certas zonas do cérebro que, quando não se desenvolvem na altura própria, morrem. Os jovens, com as calculadoras e os computadores, qualquer dia não sabem fazer de cabeça contas básicas de somar e dividir.
Ora saber a tabuada é uma daquelas coisas de que se percebe imediatamente a utilidade.
Todos os dias, quando vamos ao restaurante com colegas ou amigos e temos de dividir a conta, recorremos à cabeça para fazer o cálculo – e constatamos a importância de saber de cor a tabuada.
É isto que se pede ao ensino: dar ao nível básico conhecimentos que estejamos constantemente a utilizar, que nos permitam agir melhor e compreender melhor a realidade em que vivemos.
Depois, cada um desenvolverá esses conhecimentos de acordo com as suas capacidades, ambições e preferências.
jas@sol.pt
José António Cabrita | 19/11/2015 16:45
SOL
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