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Mensagem por Admin Seg Jan 25, 2016 2:01 pm

Apesar das profundas – e, em grande medida, imprevistas – dificuldades económicas e financeiras da década decorrida, a influência intelectual de quem sustentava as teorias mais afectadas pela crise manteve-se intacta.

Imagine que tinha adormecido em 2006 e só acordava hoje. A economia mundial parecer-lhe-ia praticamente irreconhecível. Enquanto você sonhava com riquezas imobiliárias, os Estados Unidos e a Europa foram atingidos pela crise financeira mais devastadora em quase 80 anos e a economia de planeamento central da China superou a da Alemanha e do Japão para se tornar a segunda maior do mundo (e, apesar da recente desaceleração, deverá ultrapassar a dos Estados Unidos).
 
Face a estas mudanças tão consideráveis e inesperadas, você poderia ficar ainda mais surpreendido com o que não mudou: a forma como os economistas reflectem sobre si mesmos e sobre a sua disciplina.
 
Para o constatar, basta ir ao website Ideas.RePEc.org. O RePEc (Research Papers in Economics) fornece sem dúvida aquilo que mais se aproxima de uma hierarquização credível de economistas, um pouco à semelhança do "ranking" ATP para os tenistas profissionais. O website, totalmente aberto e gratuito (graças a centenas de voluntários de 82 países), mantém uma base de dados online descentralizada com cerca de dois milhões de trabalhos ligados à investigação económica, incluindo documentos académicos, artigos de jornais, livros e software. O seu índice de influência avalia a quantidade de vezes que se cita cada autor, tendo em conta o impacto e a época em causa (se assim não fosse, provavelmente Adam Smith e Karl Marx ainda hoje se manteriam no topo da lista).
 
Uma vez que o "ranking" é actualizado todos os meses, o RePEc permite ver que economistas se vão tornando mais influentes, no entender dos seus pares, ao longo do tempo. Por isso, comparei os "rankings" de Dezembro de 2006 e de Setembro de 2015 para perceber se o índice RePEc tinha evoluído de acordo com a realidade económica.
 
Isso não aconteceu. Apesar das profundas – e, em grande medida, imprevistas – dificuldades económicas e financeiras da década decorrida, a influência intelectual de quem sustentava as teorias mais afectadas pela crise manteve-se intacta.
 
Após uma sucessão de estoiros de bolhas de crédito representando vários biliões de dólares, seria de nos questionarmos sobre o que sucederia à visão de Robert Lucas de que as expectativas racionais permitem que "agentes" calculem na perfeição a forma de maximizar a utilidade económica. Também poderíamos reconsiderar a hipótese dos mercados eficientes, de Eugene Fama, segundo a qual os preços dos activos financeiros reflectem sempre toda a informação disponível sobre os fundamentais económicos.
 
Mas parece que os economistas não se questionam sobre estes assuntos. Com efeito, tanto Lucas como Fama subiram nos "rankings" do RePEc no período que analisei, do 30.º para o 9.º lugar e da 23.ª para a 17.ª posição, respectivamente. E a persistência dos que estão no topo é impressionante, de uma forma geral. De entre os 10 primeiros economistas da lista, em Setembro de 2015, seis deles já lá constavam em Dezembro de 2006 e havia dois que ocupavam as 11.ª e 13.ª posições
 
A mobilidade nos "rankings" do RePEc continua a ser ténue mesmo ampliando a amostra. A título de exemplo, dos economistas no top 100 em Setembro de 2015, apenas 14 não figuravam no top 5% dos economistas em 2006 (leque muito mais largo) e somente dois tinham avançado mais de 200 lugares ao longo da década anterior. Entre os economistas recentemente classificados entre as 101.ª e 200.ª posições, apenas 24 não constavam do top 5% em 2006 e apenas 10 tinham subido mais de 200 lugares. A taxa de renovação entre os 200 economistas mais influentes foi de apenas 25% - e apenas de 16% no top 100 -  durante uma década em que o poder explicativo da teoria económica predominante se viu seriamente afectado.
 
O aspecto mais impressionante está na diferença entre o ritmo de mudança no "ranking" dos economistas e da própria economia. As barreiras à entrada no clube das 10 pessoas mais ricas do planeta ou nas 10 empresas mais valiosas do mundo parecem ser muito menores do que as barreiras à entrada na lista dos 10 principais economistas. Segundo a Forbes, apenas dois dos 10 indivíduos mais ricos do mundo em 2015 (Bill Gates e Warren Buffett) estavam no top 10 em 2006. E apenas três empresas – ExxonMobil, General Electric e Microsoft – constavam do top 10, em termos de capitalização de mercado, tanto em 2006 como em 2015.
 
Em contrapartida, no "ranking" dos economistas, os critérios tais como o sexo ou a origem geográfica confirmam uma inércia generalizada. Apenas quatro mulheres figuravam no top 200 do "ranking" do RePEc em Setembro de 2015, em comparação com três em Dezembro de 2006, e duas estavam incluídas em ambas as listas. Da mesma forma, os países emergentes – que representam mais de 90% da população mundial, 75% do crescimento do PIB global na última década e quase 50% do rendimento total em dólares correntes – estavam presentes em apenas 11 posições do top 200 dos economistas em Setembro de 2015, contra 10 em Dezembro de 2006. E 10 desses 11 – três iranianos, quatro indianos, dois turcos e um chinês – vivem e trabalham nos Estados Unidos ou no Reino Unido desde os seus tempos de estudante.
 
Os restantes economistas do top 200 do "ranking" do RePEc são geralmente homens, caucasianos, e com 60 anos ou mais – uma idade superior em quase três décadas à idade em que um cientista ou economista tende a ser mais inovador, de acordo com um estudo do economista Benjamin Jones. Nenhum indivíduo negro (norte-americano ou de outra nacionalidade) consta do top 200.
 
Será de surpreender que, mesmo após uma Grande Recessão que lançou sérias dúvidas sobre as teorias do mercado racional tão dominantes há uma década, as melhores posições nos "rankings" da investigação económica se mantenham praticamente inalteradas? Afinal de contas, muitos destes académicos deram contributos enormes – e duradouros – para a nossa forma de entender como funcionam os mercados e as sociedades. E as ideias tendem a avançar e a retroceder lentamente, como os glaciares – e não rapidamente, como os exércitos.
 
Mas substituamos os nomes dos principais economistas por produtos de outro mercado qualquer – o mercado automóvel, por exemplo, ou dos semicondutores – e a maioria provavelmente concordará que o "ranking" do RePEc se assemelha a um mercado fechado e ineficiente com fortes barreiras à entrada. Os principais economistas da actualidade estarão assim tão desejosos de preservarem as suas próprias ideias que ignoram (ou até mesmo rejeitam) a inovação proveniente de nossos horizontes?
 
Para um grupo de pessoas tão empenhadas nos mercados livres e tão apaixonadas pela "destruição criativa", é uma pergunta que necessita de resposta urgente. A resposta pode trazer enormes implicações não só para o crescimento intelectual mas também para o bem-estar da humanidade.
 
Federico Fubini é colunista financeiro e autor de "Noi siamo la rivoluzione" (Nós somos a revolução).
 
Direitos de autor: Project Syndicate, 2016.
Tradução: Carla Pedro

FEDERICO FUBINI | 22 Janeiro 2016, 20:30
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