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PARENTALIDADE: A preparação necessária
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PARENTALIDADE: A preparação necessária
Existe a ideia de que há uma preparação necessária para se ser mãe ou pai. Mas estamos sempre mais preparados do que imaginamos; somos animais com recursos, e mais robustos que as nossas emoções.
Aqui há uns anos lia-se um livro em que nos era explicado o que havia a esperar quando se estava à espera de criança. O livro tinha muitas informações importantes, sobre rabos assados, ciúmes fratricidas e outros aspectos da vida. Cada capítulo era seguido de uma lista longa de coisas que os leitores deveriam esperar, e que aliás era impressa num corpo diferente, como uma lista de verificações de um piloto de avião. A ideia era a de que há uma preparação necessária para se ser mãe ou pai; mas a verdadeira ideia, a metafísica, é a de que existe uma preparação necessária para tudo o que pode acontecer.
Por cada livro destes dezenas de pessimistas lembram-nos que, graças a outras razões metafísicas, nunca há preparação suficiente para nada nesta vida. Viver, ou aliás morrer, comunicam-nos, é como ir a Veneza ou ao Grand Canyon, embora mais desagradável. Por muito que nos preparemos, e por muito que antecipemos todas as circunstâncias, o que acontece tem sempre uma maneira de exceder os cuidados e as precauções que tomamos. O nascimento de um bébé ou a morte de uma pessoa são desastres tornados ainda mais pungentes pela inadequação das nossas expectativas.
A quem acha que para tudo há preparação necessária, devemos dar más notícias; mas a quem acha que para nada há preparação suficiente, podemos dar boas; e em ambos os casos também por razões metafísicas. De facto a ideia de ter coberto por antecipação todas as possibilidades de ocorrências mobiliza quantidades extraordinárias de preocupação; e essa preocupação sendo um importante factor de entretenimento é também factor de distracção. Quando a energia preparatória é alta corremos o risco de não dar pelo acontecimento para que nos estamos a preparar; à força de verificar o conteúdo da mala que vamos levar para o hospital ou os arranjos do nosso desgosto futuro aumentamos a possibilidade de não dar pelos acontecimentos. Os efeitos ficam dessincronizados das suas causas, como se de tudo o que nos acontece nos bastassem as nossas emoções; podendo até as nossas emoções acontecer antes de termos motivo para as ter. Uma alegria por antecipação, porém, exprime sobretudo ansiedade; e um desgosto prematuro é cómico.
Mas há também boas notícias. A razão por que não existe preparação suficente para a morte de alguém, ou o nascimento de alguém, não é porque não tenhamos tido tempo para concluir as nossas verificações, fazer a mala, ou dizer adeus. É simplesmente porque estamos sempre mais preparados do que imaginamos; somos animais com recursos, e mais robustos que as nossas emoções. Se não faz sentido saber antecipadamente o que havemos de sentir, mesmo nas emergências do rabo mais assado ou da morte mais inesperada arranja-se geralmente maneira de não errar muito. Temos ideias que não precisámos de ler em lado nenhum sobre substâncias hidratantes, ou sobre luto.
Miguel Tamen
4/3/2016, 4:17
Observador
Aqui há uns anos lia-se um livro em que nos era explicado o que havia a esperar quando se estava à espera de criança. O livro tinha muitas informações importantes, sobre rabos assados, ciúmes fratricidas e outros aspectos da vida. Cada capítulo era seguido de uma lista longa de coisas que os leitores deveriam esperar, e que aliás era impressa num corpo diferente, como uma lista de verificações de um piloto de avião. A ideia era a de que há uma preparação necessária para se ser mãe ou pai; mas a verdadeira ideia, a metafísica, é a de que existe uma preparação necessária para tudo o que pode acontecer.
Por cada livro destes dezenas de pessimistas lembram-nos que, graças a outras razões metafísicas, nunca há preparação suficiente para nada nesta vida. Viver, ou aliás morrer, comunicam-nos, é como ir a Veneza ou ao Grand Canyon, embora mais desagradável. Por muito que nos preparemos, e por muito que antecipemos todas as circunstâncias, o que acontece tem sempre uma maneira de exceder os cuidados e as precauções que tomamos. O nascimento de um bébé ou a morte de uma pessoa são desastres tornados ainda mais pungentes pela inadequação das nossas expectativas.
A quem acha que para tudo há preparação necessária, devemos dar más notícias; mas a quem acha que para nada há preparação suficiente, podemos dar boas; e em ambos os casos também por razões metafísicas. De facto a ideia de ter coberto por antecipação todas as possibilidades de ocorrências mobiliza quantidades extraordinárias de preocupação; e essa preocupação sendo um importante factor de entretenimento é também factor de distracção. Quando a energia preparatória é alta corremos o risco de não dar pelo acontecimento para que nos estamos a preparar; à força de verificar o conteúdo da mala que vamos levar para o hospital ou os arranjos do nosso desgosto futuro aumentamos a possibilidade de não dar pelos acontecimentos. Os efeitos ficam dessincronizados das suas causas, como se de tudo o que nos acontece nos bastassem as nossas emoções; podendo até as nossas emoções acontecer antes de termos motivo para as ter. Uma alegria por antecipação, porém, exprime sobretudo ansiedade; e um desgosto prematuro é cómico.
Mas há também boas notícias. A razão por que não existe preparação suficente para a morte de alguém, ou o nascimento de alguém, não é porque não tenhamos tido tempo para concluir as nossas verificações, fazer a mala, ou dizer adeus. É simplesmente porque estamos sempre mais preparados do que imaginamos; somos animais com recursos, e mais robustos que as nossas emoções. Se não faz sentido saber antecipadamente o que havemos de sentir, mesmo nas emergências do rabo mais assado ou da morte mais inesperada arranja-se geralmente maneira de não errar muito. Temos ideias que não precisámos de ler em lado nenhum sobre substâncias hidratantes, ou sobre luto.
Miguel Tamen
4/3/2016, 4:17
Observador
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